terça-feira, 29 de setembro de 2015

Evereste -- Frieza levada a sério

Se tem algo pelo que "Evereste" preza, é pela frieza. "Frieza" é uma palavra polissêmica, no presente caso, é aplicável em mais de um sentido. O primeiro e mais óbvio se refere à retratação do frio do Monte Everest, o que exigiu bons efeitos visuais e boa maquiagem. Do ponto de vista visual, o design de produção merece aplausos, pois o que é visto é sempre muito convincente, havendo inegável eficiência ao transportar o espectador à diegese*. Da mesma forma, o 3D é de qualidade - possivelmente o melhor desde "Gravidade". Até mesmo a edição de som coopera para esse convencimento, com uma mixagem que deixa a desejar em razão da inexpressiva trilha sonora. Em síntese, o visual domina. Méritos para a montagem e para a direção.

O grande demérito - e aqui retorno à frieza - fica com o roteiro, que não teve a capacidade de esquentar os corações dos espectadores. Se, de um lado, o filme é visualmente encantador, de outro, ele não permite que o espectador se envolva com a situação das personagens (nenhuma delas), ainda que o elenco seja bem talentoso.

Em outras palavras, o pecado do roteiro reside na identificação cinematográfica secundária, pois nenhuma das personagens comove com suas respectivas lutas. Na prática, isso significa que a narrativa é rasa, afinal, uma história real, trágica e (em tese) emocionante que chama a atenção apenas através dos olhos, claramente não enternece. Não que não gere compaixão alguma, mas mesmo as imagens mais fortes não abalam. Talvez o roteiro parta da premissa (equivocada) de que basta se basear em fatos reais para que comova o espectador. Em "Evereste", isso foi insuficiente, pois a frieza das imagens traduz-se na frieza da história. Mesmo a morte mais trágica (e isso não é spoiler, a história é real e, nesse quesito, previsível) não faz com que sintamos pena. O filme não consegue ser envolvente.

A culpa de o filme não conseguir ser envolvente não é, de forma alguma, da atuação. Jason Clarke, um ator que, pessoalmente, não gosto, vive muito bem o protagonista, e todo o elenco de apoio - um elenco talentoso - também é competente.  Destaques positivos ficam com Josh Brolin, possivelmente o melhor, e Keira Knightley - esta tem aparição discreta, mas brilha no pouco que aparece. Já os destaques negativos foram Jake Gyllenhall, interpretando uma personagem pouco explorada (novamente) pelo roteiro, e, principalmente, Sam Worthington. Este não chega a ser um ator grandioso, mas já conseguiu alguma fama. A participação de Worthington é tão ínfima que se mostra completamente desnecessária. Estranho um ator conhecido do grande público fazer uma participação ridícula como essa, que não teria prejuízo se a interpretação fosse feita por um qualquer.

"Evereste" é visualmente deslumbrante. Um caso raro de estética pura e história pouco significativa. Porém, o grande destaque, como não poderia deixar de ser, é o fascínio exercido pelo Monte em relação às pessoas que ousam desafiá-lo. Provavelmente um encantamento incompreensível para a maioria das pessoas, mas muito verossímil na diegese apresentada. De forma normalmente sutil, o Monte Everest aparece quase como uma personagem à parte, com desígnios próprios e um poderio avassalador. Nesses momentos específicos, o fascínio transborda a tela, é escancarado, e o filme enfim cumpre seu intuito: revelar a grandiosidade do Everest. A frieza emocional quase passa despercebida. O que marca é o quão magnífico é o Everest e o quão admirável é a vontade dos seres corajosos que o desafiam.

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*Diegese é uma expressão que designa o universo fictício - ainda que se trate de história baseada em fatos reais - criado pela obra, ou seja, a realidade vista na tela, que não inclui a realidade empírica do espectador.

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