quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Love -- Muito barulho por nada

Lamentavelmente, a sociedade brasileira é dotada de um falso moralismo inexplicável - segundo alguns, ainda, crescente. É por isso que "Love" é tão difícil de assistir. É bem verdade que ele é polêmico no mundo todo, mas, aqui, choca muito mais. Há quem chegue a afirmar tratar-se de um "primeiro filme pornô 3D com roteiro", o que é um exagero. Por outro lado, é notório o abuso das cenas de sexo.

(Sim, eu selecionei um cartaz mais light, os mais divulgados são bem mais explícitos)

"Love" não é de todo ruim. Os elementos básicos de uma narrativa lá se encontram, sem contar a intenção de evidenciar a melancolia de Murphy, protagonista. A primeira falha é essa: provavelmente por não encontrar nenhum ator renomado que estivesse disposto a exibir seu corpo da forma proposta, coube a um elenco de desconhecidos interpretar as personagens. O resultado não surpreendeu: atuações pífias. Destaque para Karl Glusman, provavelmente formado na "escola Kristen Stewart de atuação". O que é uma pena, pois a melancolia de Murphy ao se afastar do seu verdadeiro amor, Electra, sem dela sequer ter notícias, e ser coagido a viver com Omi, mãe do seu filho (não é spoiler!), representa um sentimento digno de uma boa obra. Vale dizer, a tristeza do protagonista teria potencial com um ator melhor. Mas nenhum ator de renome aceitaria expor sua nudez em várias cenas, inclusive com sexo explícito.

É nesse quesito que, para muitos, o filme peca. O diretor Gaspar Noé sabia que o material precisava de um algo a mais - afinal, a história per si é bastante simplória. A solução comum seria um grande ator, capaz de representar tudo aquilo. Contudo, Noé preferiu chamar a atenção de outra forma, escancarando a nudez e a sexualidade humana (não apenas o sexo). E, com isso, evidentemente, chocar.

Choca a maioria, sem dúvida. São muitas as cenas de sexo, de várias formas, em várias posições, incluindo ménage à trois e orgias, por exemplo. O problema é que Noé preferiu receber destaque pelo sexo explícito 3D ao invés de chamar a atenção pela narrativa ou pela densidade do roteiro. Os conflitos acabam se tornando rasos em detrimento de tanto sexo explícito. "Love" deixa perplexo um espectador conservador, todavia, racionalmente, são tantas as cenas de sexo, sempre explícito, que o enredo acaba servindo de pretexto para tamanha exposição. Tanto em quantidade quanto em alongamento de cenas, o diretor abusa da vontade de expor a relação sexual, o que ofusca as relações afetivas. O relacionamento de Murphy com seu filho, por exemplo, é pouco explorado.

A bem da verdade, "Love" reproduz a expressão famosa do Bardo: "muito barulho por nada". De um lado, o sexo exposto não é justificativa para a exploração da sexualidade humana, tampouco para evidenciar a ligação entre relacionamento sexual e afetivo. De outro, é exagerado porque o banaliza tanto um evento íntimo que ignora o público (o afeto).

Em outras palavras, o filme poderia partir de várias premissas inteligentes. Poderia demonstrar o quão complexa é a sexualidade humana, através da curiosidade das personagens. Poderia demonstrar ressaltar a importância do afeto no envolvimento sexual ("amor sem sexo é amizade, sexo sem amor é vontade"). Ao partir da premissa do sexo que justifica a si mesmo, acaba sendo tolo. O erro não é nem mostrar muito sexo, nem por ele ser explícito, mas por ele ser prioridade. Se é essa a prioridade, o pré-conceito de se tratar de um "filme pornô 3D com roteiro" não é surreal. O flerte com a indústria pornô está lá. O que não significa nada: a polêmica apenas fez crescer um filme que, ignorado, teria sido insignificante.

2 comentários:

  1. Muito boa a crítica, estou querendo assistir mas queria saber do que se trata, parabéns!

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  2. Melhor assistir que ficar na curiosidade. Obrigado pelo comentário!

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