quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Estreias da semana -- 28/09/2017

O melhor da semana já teve a crítica. O resto infelizmente não é animador.

LEGO NINJAGO - O FILME
Aventura da franquia Lego.
SinopseNinjas, samurais e sensei lutam lado a lado contra dragões, exércitos de homens-serpente e um banido Lorde de Guerra que agora busca retornar para o poder.
Pré-conceito: talvez divertido para crianças até doze anos.


DUAS DE MIM
Comédia brasileira com Thalita Carauta e participação "especial" de Latino.
SinopseSuellen é uma cozinheira que trabalha duro para manter sozinha o filho pequeno, a irmã mais nova e a mãe. Um dia, os seus sonhos viram realidade: ela se divide em duas. Sua cópia, idêntica fisicamente, tem diferenças de personalidade, sendo muito mais extrovertida e corajosa. A ideia seria dividir as tarefas com a comparsa, mas logo Suellen percebe que a sósia tem planos próprios, e decide passar a perna na original.
Pré-conceito: sessão tortura.


KINGSMAN - O CÍRCULO DOURADO
Tudo sobre esse filme pode ser conferido na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura clicando aqui.


AMOR, PARIS, CINEMA
Comédia francesa dirigida e atuada por Arnaud Viard.
SinopseArnaud, cineasta de 45 anos, pretende finalmente realizar seu segundo filme. Porém, faltam ideias para tal e nenhum dos temas pensados agrada o produtor. 
Pré-conceito: metalinguagem pura, algo quase experimental. Não parece promissor.


SONO MORTAL
Terror da Europa filmes.
SinopseUma jovem mulher tenta salvar a si e a seus amigos de um antigo mal que se utiliza da doença chamada paralisia do sono para atingir suas vítimas.
Pré-conceito: deve dar sono.


EXODUS - DE ONDE VIM NÃO EXISTE MAIS
Documentário germano-brasileiro.
SinopseUm retrato das dramáticas e íntimas histórias de refugiados de diferentes partes do mundo que tiveram de deixar suas casas por motivos distintos. Durante dois anos, o filme acompanha as jornadas de Napuli, Tarcha, Bruno, Dana, Nizar e Lahtow, e mostra o desenrolar de seus destinos diante de um mundo pautado por fronteiras abertas e fechadas.
Pré-conceito: para quem se interessa pelo tema, certamente agradará.


O FANTASMA DA SICÍLIA
Suspense em coprodução entre Itália, França e Suíça.
SinopseNa Sicília, o adolescente Giuseppe desaparece de uma pequena vila próxima à floresta. Sua amiga Luna recusa-se a aceitar seu misterioso desaparecimento e tenta encontrá-lo através de um portal para o mundo sombrio que o tragou. Uma história verdadeira envolvendo um sequestro cometido pela máfia siciliana, porém, contada como se fosse uma fábula gótica.
Pré-conceito: não chama muito a atenção.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Kingsman: O Círculo Dourado -- Cinema com Rapadura

Quanto estreia o terceiro filme (?) da franquia (?) Kingsman? Se haverá um terceiro capítulo, consolidando uma franquia, não é possível saber, até porque isso depende da bilheteria. Contudo, em termos de qualidade, KINGSMAN: O CÍRCULO DOURADO, que estreia nessa quinta-feira (28/09/2017), é dotado de de muitas virtudes. Clique aqui para ler a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura.

domingo, 24 de setembro de 2017

mãe! -- Uma genuína obra de arte

Darren Aronofsky é um verdadeiro artista. "Cisne Negro" tinha sido o auge do seu esforço em dificultar a interpretação do espectador; eis que surge MÃE!, seu novo longa, para mostrar o quão habilidosa é a sua mente para criar uma obra de arte genuína. O cineasta é um dos poucos que ainda sabe que qualquer obra de arte é polissêmica, já que é justamente essa a intenção da arte. Pintores de vanguarda, por exemplo, eram criticados por subverter as convenções artísticas até então vigentes, mas é justamente essa a ideia, fazer com que a obra reverbere de maneira diversa para cada pessoa, tanto no sentido intelectivo quanto no sensitivo. "mãe!" (assim mesmo, tudo minúsculo) tem êxito absoluto nessa proposta, todavia, interpretar esse novo mosaico de Aronofsky é uma tarefa bem difícil.

O argumento não diz muito, não parecendo sedutor: a vida de um casal é abalada quando visitantes com intenções escusas chegam para se hospedar na casa. Dizer mais do que isso significaria, sem dúvida, incorrer em spoilers, o que não é a proposta por enquanto (avisarei quando tiver!).

Diante da limitação acerca do plot, há pouco para dizer em uma crítica sem spoilers. Nenhuma personagem do filme tem nome, justamente para reforçar o leque interpretativo. Quando uma personagem conhece outra, diz "prazer em conhecê-la", sem nenhuma apresentar o próprio nome. A protagonista é vivida por Jennifer Lawrence, em um papel diferente de todos que assumiu na carreira até agora. Lawrence está acostumada com mulheres fortes, decididas, de personalidade marcante; desta vez, ela é uma mulher mais frágil (e ela suaviza a voz para enfatizar a vulnerabilidade) e passiva, passando a imagem de castidade, o que é corroborado pelo vestuário de cores claras, normalmente na cor branca. Ela tem excelente interpretação de uma mulher que é esposa dedicada e apaixonada pelo marido, mas o destaque mesmo é a suavidade do seu trabalho.

O marido é interpretado por Javier Bardem, que faz um homem altruísta e gentil, em grau tão extremo que o torna estranho. Ele também faz um ótimo trabalho, ainda que distante do seu melhor, até porque ele é propositalmente ofuscado pela protagonista, em razão da maneira como Aronofsky dirigiu. A câmera é fixa na personagem de Lawrence, filmando-a de costas (e a acompanhando), em planos fechados, ou com closes em seu rosto. A ideia é colocar o espectador na posição dela, para que sinta as dores dela. E isso dá muito certo: o filme é incômodo, desconfortável, impressionante e enervante. Essas são sensações que a personagem de Lawrence sente, juntamente com o público. Isso é mérito da direção, que, ao fixar-se nela e colocar a obra do ponto de vista dela, facilita a identificação cinematográfica secundária. A personagem não entende quase nada do que está acontecendo. Assim como o público.

O elenco ainda conta com outros grandes nomes como Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Domhnall Gleeson (em participação relâmpago e bem intensa), seu irmão (na arte e na vida) Brian Gleeson e Kristen Wiig. São todos desagradáveis para a personagem de Lawrence, mas bem acolhidos pela personagem de Bardem. Quando a personagem de Ed Harris aparece, por exemplo, é intitulado como "um médico", não "um estranho". Na verdade, ele se encaixa nas duas descrições.

A narrativa é tão absurdamente esquisita que se torna cômica em alguns momentos. Em outros, é assustadoramente chocante e poderá desagradar boa parte da audiência. Sem trilha sonora, o já mencionado diretor e roteirista Darren Aronofsky investe em sons intradiegéticos (em especial da natureza, o que faz todo sentido), bem como uma fotografia escurecida, usando luz amarela para iluminar a casa onde se passa a película. Nas últimas sequências, o filme vai se tornando mais e mais perturbador: é um filme insano, muitíssimo bem produzido e, no final das contas, brilhante, algo que só uma mente genial como a de Aronofsky poderia fazer.

Os destaques em amarelo podem soar contraditórios, mas têm o objetivo de preparar o leitor do Recanto para assistir a "mãe!". Não se trata de um filme convencional, é um drama com momentos de suspense e considerável violência (não apenas no sentido físico), logo, não serve para qualquer espectador. A ambição do cineasta foi tão grande que pode afastar pessoas mais sensíveis, que precisam ser alertadas. E mais: não é um filme de fácil compreensão, a maioria das pessoas sai da sessão afirmando não ter entendido nada. Isso é normal, ele precisa ser refletido ou até mesmo explicado, porque não é claro em praticamente nada (o que é ótimo, pois exige uma atividade do admirador da obra de arte). Entretanto, nada disso muda o fato de que ele é extraordinário, pois tão rico em metáforas e simbologias que são incontáveis os significados que podem ser extraídos da obra. Tudo foi meticulosamente inserido de modo a garantir que cada pessoa interprete da sua forma, não havendo a interpretação correta. Feitas todas essas ressalvas, a conclusão é que "mãe!" deve ser visto, pois não existe nada comparável a essa fascinante alegoria.

--
Encerrada a crítica sem spoilers, aqui começam algumas reflexões COM SPOILERS sobre "mãe!". Sem a pretensão vã de esgotar as possibilidades interpretativas de uma obra tão rica, cabe dividir algumas conclusões.

Cada pessoa vai ter a sua interpretação, pois cada referente dá ao significante um significado diverso. Contudo, considerando a afeição de Aronofsky pelas temáticas bíblicas, a estrutura narrativa de "mãe!" incorpora passagens da Bíblia, algumas bastante claras. A personagem de Bardem é Deus, o Criador, que, como tal, cria toda a casa e até mesmo a personagem de Lawrence - que, por sua vez, é a "Mãe Natureza". É por isso que Bardem diz "eu sou o que eu sou", referindo-se a si mesmo, no final, afirmando a Lawrence que "você é a casa". Mais precisamente, a casa é a Terra, enquanto Lawrence é a natureza: quando a personagem sofre, repercute no local (como aqueles terremotos). As duas estão conectadas como se fossem uma só, ambas criadas, claro, por Deus - que recomeça tudo ao final, depois que acontece o apocalipse. Ed Harris é Adão, o primeiro homem que chega na Terra. Como Eva é feita de uma costela de Adão, ele tem uma cicatriz na região (que Mãe vê). No dia seguinte, chega a primeira mulher na Terra, que é Eva. Como eles comem do fruto proibido (quebram a pedra), são expulsos do paraíso (Deus/Ele/Bardem tranca aquele aposento específico). Mais para frente, aparecem seus filhos (os irmãos Gleeson): um deles tem inveja do outro e acaba o matando. Representam, evidentemente, Caim e Abel. Outras pessoas chegam na casa - recepcionadas por Deus, pois Ele é bom e receptivo -, a Mãe Natureza não gosta da sua presença e fica mais incomodada com o comportamento das pessoas, cada vez mais nocivo, destruindo a Terra/casa. A situação vai piorando até se tornar caótica, com as pessoas brigando entre si e se matando: é a representação da humanidade não apenas destruindo o Planeta mas também brigando entre si. Nasce o filho de Deus, Jesus. O problema é que Deus, de maneira ingênua, confia nas pessoas, entregando seu filho para elas. O filho morre, sendo comidas suas partes (o corpo e o sangue de Cristo). Mãe fica devastada, reage, mas acaba sendo vencida pela fúria dos homens, agressivos com a Natureza. Deus a protege, até que ela se enfurece definitivamente e queima (destrói) a casa, com todos que estão dentro. É o apocalipse! Todos morrem, exceto Deus, que tira dela algo como a fonte da vida, para recriar tudo e recomeçar tudo. Como Ele mesmo diz, Ele a leva ao começo. O Planeta foi destruído, mas Deus o reconstruiu para recomeçar. É uma versão adaptada por Aronofsky da Bíblia, mais uma vez livremente adaptada, como ele havia feito em "Noé".

E qual a mensagem do filme afinal? Depende do referente, como já dito. Minha primeira interpretação, a mais impulsiva, aquela que surgiu após os primeiros minutos de reflexão, é a seguinte: se a humanidade continuar agindo da forma que age, a mãe natureza vai se enfurecer e acabar com ela. O nome do filme e a relação da personagem de Lawrence com a casa me fez ter essa conclusão. As pessoas destroem o Planeta, o maltratam, não ligam para os danos que causam e continuam causando mais. Como se não bastasse, são inimigas entre si, fazem guerra, fomentam o ódio e a violência. Tratam a Terra não como um lar que precisa ser cuidado, mas sem olhar para as consequências.

Entretanto, isso não explica a participação do casal do início. O homem que Ed Harris interpreta é um fã do poeta vivido por Bardem, depois, mais fãs surgem. Ou seja, é possível extrair também a mensagem sobre a vida de uma celebridade, no aspecto referente ao assédio dos fãs, que não lhes dão espaço. Alguns fãs não conseguem conter a própria emoção e acabam agindo de maneira desmedida com o ídolo, como o filme retrata, de uma maneira exagerada. No que se refere ao sofrimento da personagem de Lawrence, é uma referência ao tratamento cruel dado às mulheres, em especial às donas de casa, cuja opinião é irrelevante (o marido nunca a consulta antes de aceitar hóspedes), cujos direitos são restringidos algumas vezes (ele não quer que ela beba álcool) e cuja função é apenas cuidar da casa (incessantemente) e dar à luz.

Não existe interpretação correta sobre "mãe!", mas é enriquecedor compartilhar interpretações. Quanto mais eu penso nesse filme, mais ideias surgem. A ideia de Aronofsky era deixar o espectador refletindo. Conseguiu.

sábado, 23 de setembro de 2017

O Assassino: O Primeiro Alvo -- Cinema com Rapadura

O ASSASSINO: O PRIMEIRO ALVO tem um nome bastante genérico, não? Infelizmente, não é só no nome que ele é genérico. Clique aqui para ler a minha crítica do filme, publicada no Cinema com Rapadura.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Estreias da semana -- 21/09/2017

A semana tem estreias grandiosas - não necessariamente boas. Algumas delas já vi, outras terão críticas em breve.

DIVÓRCIO
Comédia brasileira com Camila Morgado e Murilo Benício.
SinopseUm casal se ama profundamente mas, em razão de um mal entendido, se separa e vai ao limite para tentar se destruir.
Pré-conceito: sessão tortura.

A GAROTA DO ARMÁRIO
Comédia dramática francesa sem nomes conhecidos.
SinopseO mundo de Anouk, uma menina de 14 anos, vira de cabeça para baixo quando ela descobre que sua mãe está explorando as pessoas em seu trabalho.
Pré-conceito: o argumento é bem instigante. A tentativa é válida.

PENDULAR
Drama brasileiro dirigido por Julia Murat e com Raquel Karro, Rodrigo Bolzan e Neto Machado no elenco.
SinopseEm um galpão abandonado, um casal de artistas contemporâneos observa a arte, a performance e sua intimidade se misturarem. A partir de sequentes contradições, eles vão aos poucos perdendo sua capacidade de distinguir o que faz parte dos seus projetos artísticos e o que é apenas sua relação amorosa, chegando a criar um conflito com seu passado.
Pré-conceito: desinteressante.

RODIN
Drama franco-belga que narra parte da história real do escultor francês.
SinopseA história do romance do famoso escultor francês com Camille Claudel.
Conceito: o filme é bastante monótono e, em razão do recorte narrativo (limita-se ao romance do artista), frustrante. A atuação de Vincent Lindon é magnífica, mas o longa, uma decepção.

ESTA É SUA MORTE - O SHOW
Drama com elenco de famosos: Famke Janssen, Josh Duhamel e James Franco
SinopseO apresentador de um game show decide quebrar as barreiras ao colocar no ar um novo show no qual os concorrentes arriscam suas vidas pela chance de ganhar dinheiro. Adam só ficará satisfeito se seu reality show for o número um no ranking da audiência, e ele não vai parar por nada para se certificar de que ele chega lá. Mesmo que isso signifique perder sua humanidade.
Pré-conceito: provavelmente, um filme nota 6. No máximo.

mãe!
Novo filme de Darren Arronofsky com grande elenco (Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris e Michelle Pfeiffer).
SinopseUma história sobre um casal cujo relacionamento é testado quando convidados inesperados chegam à casa deles, perturbando sua existência tranquila.
Pré-conceito: Darren Arronofsky é sempre imperdível.

O ASSASSINO - O PRIMEIRO ALVO
Suspense com Dylan O'Brien, Michael Keaton e Taylor Kitsch no elenco.
SinopseStan Hurley, veterano da Guerra Fria, recebe a tarefa de treinar um ex-soldado das forças especiais abalado psicologicamente em decorrência da morte de sua noiva. 
Pré-conceito: interessante, mas provavelmente não passa do medíocre. A crítica sai em breve.

O SEQUESTRO
Suspense com Halle Berry no elenco.
SinopseUma mulher que tem seu filho sequestrado um parque local embarca numa corrida contra o tempo para resgatá-lo.
Conceito: confira a minha crítica no Cinema com Rapadura (clique aqui).

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O Sequestro -- Cinema com Rapadura

Halle Berry já viveu extremos na indústria cinematográfica. Onde fica seu novo O SEQUESTRO? Clique aqui para ler minha crítica publicada no Cinema com Rapadura e descubra!

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Madre -- Final apressado

Pesquisando bem, é possível encontrar filmes estrangeiros interessantes (é sempre bom sair do circuito hollywoodiano) na Netflix. Um deles é o suspense chileno MADRE, filme curto de 2016 (cerca de uma hora e meia de duração) que se justifica pela coragem.

A protagonista é Diana, grávida e sobrecarregada, que contrata uma babá para ajudar a cuidar de Martín, seu filho autista. Porém, ela não tarda a desconfiar que a babá tem intenções obscuras. O plot não é muito original, com o argumento de uma empregada que potencialmente trairá a patroa de alguma forma (o próprio sul-coreano "A Criada", também de 2016, tem esse argumento), mas é sempre instigante. Dessa vez, tudo começa com uma coincidência, pois Diana conhece Luz (a babá) no mercado.

Falar o que Luz faz (de bom e de ruim) estragaria a experiência, mesmo um spoiler leve seria prejudicial. É possível dizer, porém, que o menino faz um progresso enorme com ela, a partir da já impressionante cena do mercado em que se conhecem. A direção de Aaron Burns tem a preocupação de enaltecer esse fator através de cores mais saturadas e músicas mais alegres - além de um largo sorriso na protagonista -, em contraposição ao triste início. Esse primeiro ponto de virada, visualmente, é bem mostrado, o que não ocorre no segundo ponto de virada, focado apenas na maquiagem da protagonista, ou seja, outros quesitos são ignorados (embora faça sentido dar ênfase na maquiagem, outros elementos técnicos também deveriam ter sido utilizados).

O "triste início" mencionado, que consiste nos primeiros minutos do primeiro ato, é o momento em que o longa expõe como é o autismo de Martín e como é a rotina dele com a mãe, antes de Luz chegar. O menino não fala, movimenta muito as mãos, come em uma cadeira típica de crianças muito menores (adequada ao seu tamanho), ganha comida na boca (e eventualmente cospe na face da mãe), precisa que a mãe dê banho, usa fralda, defeca durante o banho etc. É bem visível: apesar de grávida, Diana cuida sozinha de seu filho autista com carinho e paciência, de acordo com todas as demandas do garoto. Apesar de tudo, sempre o chama de "mi amor", sem brigar com ele em razão dos eventos desagradáveis. A direção se revela limitada, por exemplo, nas cenas do carro: Martín precisa de fones de ouvido para se acalmar; nesses momentos, seria interessante aumentar o volume (mixagem de som) de uma música instrumental (trilha sonora) bem calma, mas não, Burns mantém o ritmo sonoro da cena.

Alguns elementos típicos do suspense estão presentes. Isso inclui o mais desnecessário recurso: três jump scares, inclusive o primeiro ocorre ainda no primeiro minuto da película. Também por ser suspense, existem momentos de filmagem com câmera na mão, todavia, já ao final, em um corredor, é possível ver o reflexo da luz e a câmera através de um quadro, como se a produção fosse amadora. Reitera-se, a direção é limitada. Na cena em que o marido de Diana está no hotel, ao invés de guardar segredo em relação ao que vai acontecer, tudo é entregue de maneira fácil, retirando o fator surpresa. Outros acontecimentos futuros também se tornam previsíveis em razão do excesso de pistas.

O papel de Diana ficou com Daniela Ramirez, que tem desempenho razoável. Matías Bassi, por outro lado, se sai muito melhor como Martín, brilhando nas cenas em que precisa manifestar o autismo em um grau mais severo. Luz é vivida por Aida Jabolin com uma calma enervante, sugerindo passividade, até mesmo um ar angelical (corroborado pela idade), tornando-a estranha e enigmática. Nicolás Durán tem uma participação menor como David, filho de Luz, porém, tem uma fala que corresponde ao único momento em que o filme aborda com maturidade a delicada matéria da criação de filhos autistas. O tema não é nada simples: os pais querem o melhor para os filhos ou se livrar de um fardo?

Com dois atos medíocres, o final certamente é o mais controverso - e corajoso - momento do filme. Provavelmente não agradará a maioria dos espectadores, acostumados com um perfil mais previsível e praticamente dentro de um padrão. O desfecho foge dos padrões, é ousado e chocante. E isso é elogiável. Por outro lado, seu encaminhamento é megalomaníaco, exagerado e pouco explicado, soando forçado. Seria mais aprazível se tivesse um desenvolvimento menos apressado.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Estreias da semana -- 14/09/2017

A semana é fraca, não custa avisar.

FEITO NA AMÉRICA
Filme policial com Tom Cruise no elenco.
SinopseBarry Seal é um piloto que trafica drogas e armas para o mítico cartel de Medellín e, recrutado pela CIA, torna-se agente duplo.
Conceito: confira a minha crítica no Cinema com Rapadura (clique aqui).


AMITYVILLE - O DESPERTAR
Terror com Bella Thorne no elenco.
SinopseJornalista vai a Amityville para desvendar os mistérios que acontecem no local desde 1976. Acompanhada de outros jornalistas e de religiosos, observa que os fenômenos continuam acontecendo nos dias atuais.
Pré-conceito: de novo? Desnecessário!


O QUE SERÁ DE NOZES 2
Animação da Diamond Films.
SinopseSurly e seus amigos tentam impedir o prefeito da cidade de Oakton de transformar o lar onde moram num parque de diversões.
Pré-conceito: feito para crianças até 2 anos.


DESERTO
Drama brasileiro dirigido por Guilherme Weber, com Lima Duarte no elenco.
SinopseUm grupo de artistas embarca em uma viagem apresentando um espetáculo por todo o sertão brasileiro. Mas, cansada da vida de nômade, a trupe decide se instalar em uma pequena cidade abandonada, e ali fundar a sua própria comunidade.
Pré-conceito: não muito chamativo.

EM DEFESA DE CRISTO
Drama gospel com Faye Dunaway no elenco.
SinopseUm jornalista investigativo e ateu convícto se propõe a refutar a existência de Deus depois que sua esposa se torna cristã.
Pré-conceito: exumaram Faye Dunaway! Brincadeiras à parte, a sinopse é interessante. Porém, é enorme a chance de ser esse mais um filme meloso e sem substância cuja conclusão é de uma plasticidade óbvia. Todos esses filmes são iguais.


GLORY
Drama húngaro que infelizmente chegará a poucas salas brasileiras, em razão do poder financeiro da produção.
SinopseUm trabalhador ferroviário ganha um relógio de pulso como recompensa de alguns milhões que encontrou nos trilhos do trem. Enquanto isso, seu antigo relógio de pulso é perdido e começa sua luta desesperada para recuperar seu relógio de estimação, assim como sua dignidade.
Pré-conceito: tem potencial.


A GENTE
Documentário brasileiro dirigido por Aly Muritiba.
SinopsePor sete anos, Aly Muritiba trabalhou em uma prisão, onde fez parte da Equipe Alfa. Após estudar cinema e dirigir alguns curtas, o diretor volta ao seu antigo trabalho para reencontrar colegas e realizar um filme.
Pré-conceito: a proposta é boa, todavia, pode ser bem monótono.


COLUMBUS
Drama estadunidense com uma proposta nada hollywoodiana.
SinopseCasey vive com sua mãe em uma cidade pouco conhecida e assombrada pela promessa de modernismo. Jin, um visitante do outro lado do mundo, visita seu pai que está quase falecendo. Sobrecarregados pelo peso do futuro, eles encontram refúgio um no outro e na arquitetura que os rodeia.
Pré-conceito: a sinopse é bem interessante, porém, os artistas e o diretor são desconhecidos. Logo, o longa é uma verdadeira incógnita.


AS DUAS IRENES
Drama brasileiro definido por Marco Ricca como "uma poesia cinematográfica".
SinopseUma menina de 13 anos de uma família tradicional do interior descobre que seu pai tem uma filha de outra mulher, com a mesma idade e o mesmo nome dela, Irene. Agora, a filha do meio se sente num lugar de rejeição e começa a tentar descobrir quem ela é e quem quer ser. Ela começa a perceber como se dão as relações sociais e vai entendendo que o universo adulto é feito também de segredos e mentiras.
Pré-conceito: produções brasileiras costumam tratar matérias como essa de maneira pueril. Difícil esperar algo diferente de um diretor iniciante como Fabio Meira.

quinta-feira, 14 de setembro de 2017

A Mulher Mais Odiada dos Estados Unidos -- Cinema com Rapadura

Com um título inusitado, a Netflix lançou mais um filme original. Trata-se de A MULHER MAIS ODIADA DOS ESTADOS UNIDOS, um drama biográfico sobre uma ateísta militante. Confira a minha crítica clicando aqui.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Como Nossos Pais -- Rosas

Há uma demonização de debates intelectuais como os que se referem à ideologia de gênero. Talvez por isso que muitos cineastas considerem o momento prolífico para mexer em vespeiros como esse. COMO NOSSOS PAIS não tem tanta ousadia, contudo, reflete sobre a condição social da mulher, temática sempre pertinente.

O longa é um verdadeiro estudo de personagem, dissecando sua protagonista Rosa e, sem a pretensão de elencá-la como representação feminina universal, mostrando como sofre a brasileira. Sofre enquanto mãe, enquanto filha, esposa e empregada. Pressão de todos os lados. É evidente que o homem também sofre pressões, isso é inerente à vida adulta - e, por que não, à vida em sociedade. Porém, o homem é egoísta e não entende a parceria decorrente da união, deixando a parceira solitária e à mercê dos infortúnios. Logicamente, é essa a visão do filme, que também tem a preocupação de mostrar que nem todos são assim. Em síntese, "Como Nossos Pais" é isso.

Mas é também muito mais do que isso. O texto é repleto de falas ácidas e/ou sarcásticas, já que todas as personagens são bem inteligentes e capazes de dizer muito mais do que falam com as palavras que proferem. Quando Rosa reclama que Dado só lava a louça "quando tem plateia", não fazendo o mesmo em casa, sua cobrança é muito maior do que lavar a louça. Ou, às vezes, são literais: "Você prefere que o seu marido fique em casa dando banho nas suas filhas, Rosa? Que egoísmo!". Estruturalmente, o plot prefere dar à protagonista uma reviravolta logo no começo, apresentando-a ao público no desenvolvimento da narrativa, opção arriscada, mas que acaba dando certo. O fato de correr esse risco deve ser visto com bons olhos: parece que o filme começa em uma metade, o que não deixa de ser verdade, pois Rosa já é uma personagem formada, só não é, ainda, conhecida do espectador. Contudo, o roteiro erra com uma narrativa que vez ou outra perde o foco - quando não perde personagens, como é o caso do irmão de Rosa, que simplesmente some - e com o final levemente vago - que, por outro lado, pode agradar aqueles que preferem finais abertos.

Do ponto de vista temático, existe um surpreendente fator político como subplot, bastante breve, mas menciona que existem fatos nos bastidores da política que o público em geral não sabe (e provavelmente nunca saberá). Ainda mais sucinto é o questionamento da monogamia, em um curto diálogo de Rosa com sua meia-irmã. O tratamento da matéria é raso e insatisfatório, porém, sua menção merece ser enaltecida, já que é tabu para boa parte das pessoas. De todo modo, o filme é sobre (des)igualdade de gênero. Se o homem fica com o peito desnudo na rua, por que a mulher não pode? Por que a mulher precisa abrir mão do grande sonho profissional (para ajudar a sustentar a prole) enquanto o homem abre mão (apenas) do futebol? Por que homens continuam ganhando salários maiores? Essas e outras questões passam pela cabeça de Rosa, que não se satisfaz com o status quo e, à medida do possível, tenta subverter esse estado. Ela não é uma progressista, uma revolucionária ou uma revoltada. É apenas uma mulher insatisfeita com alguns fatos e que percebe que precisa agir se quer modificá-los.

Já do ponto de vista narratológico, são dois os pilares. O primeiro é a relação de Rosa com a mãe Clarice, que é muito conturbada. Clarice é uma personagem complexa e o embate das duas é frequente, claramente existem questões não resolvidas. A filha gostava de comerciais e a mãe abaixava o volume de propósito "para ela não virar consumista". A reviravolta do início explica um pouco do conflito entre as duas, contudo, mais para a frente a película sugere que há um ciclo vicioso hereditário. O roteiro é muito inteligente: nada é tão simples quanto pode parecer, há sempre mais de uma camada a ser explorada em relação ao objeto. O segundo pilar é a relação de Rosa com seu marido Dado, fator flamejante no longa, profundamente abalado quando surge Pedro, que tem toda a sensibilidade que Dado não tem. Melhor dizendo: o que Pedro oferece é a parceria (ou companheirismo) que ela procurava e não encontrava em Dado. Como a reviravolta acontece nos primeiros minutos, a narrativa não apresenta grandes surpresas ao espectador, razão pela qual não tem fôlego para fascinar o público. É interessante, é inteligente, mas não é cheia de emoções para o espectador. Ao contrário, é até previsível em algumas passagens.

Maria Ribeiro se dá muito bem interpretando a protagonista, parecendo ter entendido a personagem. Também o elenco de apoio tem bom desempenho: Clarisse Abujamra como Clarice (mãe de Rosa), Paulo Vilhena como Dado (marido) e Felipe Rocha como Pedro (amigo). Há um maior destaque para Jorge Mautner, intérprete de Homero: o pai de rosa é um verdadeiro alucinado, uma pessoa única, que não paga a escola da filha mais nova porque acha que a "escola da vida" ensina mais (e porque assim pode gastar o dinheiro com obras de arte, que a esposa qualifica como "quinquilharias"), ou que leva a mesma filha na casa da meia-irmã para dormir, mas sem avisar. Homero é mais um homem que abusa da boa-vontade de Rosa, contudo, seu afetuoso jeito de ser o torna carismático e contagia facilmente as mulheres que o cercam. Ele é um sanguessuga simpático.

"Como Nossos Pais" é uma obra autoral de Laís Bodanzky, responsável por "Bicho de Sete Cabeças", de 2001. Sua filmografia não é extensa, participando dessa vez como diretora e roteirista. Ela é melhor no roteiro do que na direção, que também é boa. Embora a razão de aspecto pequena não privilegie planos mais abertos, Bodanzky dá preferência a eles, em especial two-shots em cenas de diálogos. Exceção é uma cena mais ao final, em um diálogo mais intimista, no qual a filmagem é em primeiro plano. A predileção por planos abertos é coerente com a frequente filmagem fora dos recintos onde ocorre a ação (como no jantar do prólogo e na reunião de trabalho), que representa uma metáfora da visão global da vida de Rosa, isto é, a inafastabilidade da análise holística da vida da personagem. A película se enquadra no gênero drama, porém, jamais despido de criticidade. A trilha sonora é tímida, tendo como canção principal a famosíssima MPB que dá nome ao filme, que, todavia, é ouvida apenas na forma instrumental, em uma cena delicada e que passa a mensagem de maneira muito clara, mesmo sem ser explícita. O ritmo do longa é levemente arrastado no segundo ato, mas não chega a prejudicar o resultado. Como se pode perceber, a diretora tem recursos técnicos refinados, inclusive criativos, um deles é uma elipse através do sexo, que pode deixar o espectador desatento confuso. Um exemplo final de domínio da mise en scène: no almoço do prólogo (imagem do cartaz), enquanto o irmão de Rosa fica sentado ao lado da esposa, o que simboliza a união do casal, a protagonista fica em frente ao marido, simbolizando contraposição.

COMO NOSSOS PAIS é um fidedigno retrato de um Zeitgeist, ao menos de acordo com uma perspectiva que valoriza a igualdade entre os gêneros. Para quem aprecia o drama enquanto gênero cinematográfico, o filme provavelmente agradará, porém, certamente seu escopo verdadeiro é estimular a reflexão do espectador. Quantas Rosas não se frustram silentes?

sábado, 9 de setembro de 2017

It - A Coisa -- Apenas bom

Atenção: a presente crítica pode contar alguns flashes sobre a trama, o que alguns qualificariam como spoilers. Certamente são informações que não revelam nada substancial sobre o filme, contudo, cabe o alerta de spoiler.
--

Nem todo filme de terror é estúpido, embora seja essa a regra, com jump scares inúteis, roteiros sem sentido e atuações risíveis. IT - A COISA é prova que existe terror bem idealizado e bem executado, apresentando, grosso modo, o oposto da maioria.

De maneira resumida, o filme conta a história de um grupo de crianças que se unem como "Clube dos Perdedores", considerando-se assim por sofrerem bullying na escola. A tranquilidade do grupo é afetada com uma série de desaparecimento de crianças e visões esquisitas que eles mesmos encaram, em especial quando encontram o assustador palhaço Pennywise.

O melhor dessa vez vem para o começo: Pennywise é o elemento mais fascinante do longa, por diversos motivos. O primeiro deles é a esplendorosa performance de Bill Skarsgård, cuja dedicação é merecedora de incontáveis elogios. Seja pela voz fina, pela risada alucinada, pela baba escorrendo pelos lábios, pelo corpo solto ou pela pronúncia forte das palavras, o ator dá ao palhaço uma interpretação fenomenal. Não se pode olvidar que também a caracterização é magnífica, nomeadamente maquiagem e figurino, com uma vividez que o tornam ainda mais assustador. É um conjunto muito assustador, não se pode negar.

Especialista em terror (responsável por "Mama", de 2013), Andy Muschietti aparentemente foi a escolha ideal para a direção. Isso fica claro nos primeiros minutos, pois a película tem um início que pode ser qualificado como tão grandioso quanto surpreendente e chocante: uma tarde chuvosa, música instrumental no piano ao fundo, dois irmãos ainda criança procurando uma maneira de se divertir; pouco tempo depois, o menor está conversando com Pennywise, que parece ser amigável - até tudo mudar. Sem dispensar simbolismos, o irmão menor tinha desenhado um smile no vidro, que some em alguns instantes, o que faz sentido, porque a sua alegria não iria durar muito tempo. Muschietti é extremamente eficaz para construir a atmosfera de tensão que cada cena precisa, como quando Georgie desce para o porão da sua casa, ou quando Ben é perseguido - no primeiro caso, prevalece o silêncio e a escuridão, deixando o garoto lento até descobrir o que está ao seu redor; no segundo, a luz pisca e o caminho é desconhecido (sem contar o desfecho, isto é, se ele vai ser pego). Medo e terror fazem uma mescla sensacional, deixando o espectador tensionando todos os músculos em diversas sequências.

Não é só nesse sentido que a direção é muito boa. Por óbvio, no terror, o escopo é incutir medo no público, todavia, esse é apenas o primeiro passo. Quando exigido pela cena, o diretor conseguiu uma estética bem feita, com zênite na cena do banheiro de Beverly, que é impressionante e tem uma beleza (do ponto de vista cinematográfico) exótica. O CGI é bom e, sempre que cabível, era dada preferência às sutilezas, como na cena em que Bill segue pegadas (antes, ele ouve barulho de passos; antes, havia uma sombra na sua porta). O que mais surpreende no longa é que há muita violência e muito sangue, da primeira à última sequência. Pelo fato de o elenco ser majoritariamente infantil, é uma surpresa que existam tantos golpes e tantos ferimentos.

O roteiro tem duas engrenagens narrativas, uma real, outra, surreal. O lado realista da narrativa é a vida difícil na escola: quando Beverly está se escondendo no banheiro, outras meninas a encontram e jogam lixo nela; Mike é quase atropelado; e Ben tem a pele marcada com uma faca. Esses são apenas alguns exemplos do bullying sofrido pelas crianças que protagonizam o filme, é esse o seu drama real e, de fato, é esse o drama real sofrido pelas crianças reais. Salvo por piadas episódicas, nessa perspectiva, o roteiro faz questão de ser verossímil. Vai além, com ameaças tão sombrias que assustam muitos adultos, como o pai de Beverly, ou momentos edulcorados, como a temática do primeiro amor. Na perspectiva surrealista, ou sobrenatural, o que se tem são as altas taxas de desaparecimentos na cidade, maiores ainda com crianças, ou seja, as maldades de Pennywise. E o longa fica nessa gangorra de vida normal de criança versus Pennywise, ou real versus sobrenatural. Em outras palavras, sem o terror, "It" seria um filme "água-com-açúcar" sobre a passagem da infância para a adolescência (uma mistura de "Sempre Amigos" com "ABC do Amor" ou algo do tipo), por outro lado, sem o drama infantil, "It" não teria personalidade.

Isso significa que os dois lados se completam? Não exatamente. Há uma incoerência sistêmica entre a violência exacerbada (ou sangue em exagero) e as temáticas infantis: em um momento, Ben está escrevendo um poema de amor para Beverly; em outro, há um banho de sangue no banheiro da garota. Soa, no mínimo, paradoxal. Além disso, as cenas infantis são bem infantis, parecendo mais "Conta Comigo" (também filme baseado em obra de Stephen King que virou filme) do que "It".

Por outro lado, é nesses momentos que ocorre a exemplar construção de personagens. No primeiro ato, cada uma das crianças é apresentada, algumas com maior espaço do que outras. Vários recebem seus arcos dramáticos pessoais, por exemplo, Mike é duramente cobrado por seu avô por não ter a mesma coragem do pai, Stan é exigido por seu pai para estudar mais hebraico para estar pronto para ler seu Torá em seu Bar Mitzvá, e assim por diante. O script acrescenta detalhes às suas personalidades: Ben é fã de New Kids on the Block e rapidamente se apaixona por Beverly, Eddie é um sanitarista nato. Porém, o roteiro também erra: como poderia Eddie, com tanto conhecimento, não saber o que é placebo? Por que Ritchie é tão pouco desenvolvido? Por que há um hiato tão grande em relação a Mike, esquecido em boa parte da narrativa? Isso sem contar eventuais conveniências de roteiro.

Todo o elenco mirim está ótimo, sem exceção que mereça ser mencionada. O que mais se destaca é Jaeden Lieberher, intérprete de Bill, que é o líder e grande herói, representação da coragem que os amigos eventualmente não possuem, mas, ironicamente, gago - e o garoto é ótimo para simular a gagueira (presumindo que é uma simulação, é claro). Várias personagens têm algum detalhe que chame a atenção: Bill é gago, Ritchie usa óculos (de um alto grau, com certeza), Eddie usa pochete e é asmático, Beverly é a única garota etc. Embora sejam várias personagens, é difícil confundi-los, pois são bem diferentes.

Enquanto gênero, o terror tem fãs fiéis, mas tem também os que o detestam. IT - A COISA provavelmente vai decepcionar aquele público acostumado com jump scares, pois, a exemplo de "A Bruxa", aposta em outro estilo de terror. O filme tem recebido, contudo, uma publicidade enganosa, como se fosse um dos melhores do ano. Do seu gênero, certamente. No geral, apenas bom.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Polícia Federal: a lei é para todos -- Visão simplista das pessoas

"Os mercadores de escravos do Brasil de hoje são as empreiteiras" (fala atribuída a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e primeiro delator da Operação Lava Jato, no filme "Polícia Federal: a lei é para todos")

É certamente um trabalho difícil falar sobre um filme que incentiva debates acalorados no seio social. Cabe alertar que o presente texto é uma crítica cinematográfica, não um ensaio político. Evidentemente, em razão da temática, muitos aspectos políticos são envolvidos, contudo, sempre em uma ótica que valorize a sétima arte.

A sociedade brasileira, em sua maior parte, divide-se em dois grupos: um grupo enxerga, de um lado, heróis de moral inabalável, e, de outro, bandidos merecedores das penas mais severas; o outro grupo enxerga, de um lado, mártires injustiçados e perseguidos politicamente, e, de outro, carrascos vis e inescrupulosos. Para essa maioria da sociedade, não existe uma zona cinzenta, não existem pessoas comuns. Como POLÍCIA FEDERAL: A LEI É PARA TODOS comunga da visão do primeiro grupo, é evidente que o filme tem um viés ideológico bem delineado, agradando quem adota a mesma perspectiva, mas errando ao insistir no radicalismo. Por exemplo, o juiz não precisaria ser corrupto - seria um abalo sísmico para parcela da nação -, mas poderiam apontar, talvez, que ele não estaria juridicamente correto ao divulgar uma escuta em que um dos envolvidos tem foro por prerrogativa de função. Mas não: nesse filme, os bons são bons e os maus são maus, retratando um triste episódio da história brasileira em moldes fabulescos.

A sinopse do longa é bastante conhecida: como a Operação Lava Jato começou e como chegou até o ex-Presidente Lula. São fatos de conhecimento público, expostos em linguagem cinematográfica para adicionar bastidores e dramaticidade; ainda assim, nada realmente novo ou surpreendente. Nomes como Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa são mencionados diversas vezes, mas também já eram muito citados nos noticiários, isto é, eles já são figuras conhecidas. A novidade da película talvez seja o fato de trazer alguns detalhes, todavia, todos eles sem relevância. Como a dramaticidade é ínfima e surpresas não existem, não é um filme de fortes emoções.

O roteiro começa em Youssef e encerra em Lula, tendo como fio condutor as investigações. Ele tem duas preocupações: explicar a rede de conexões e algumas ações executadas durante a Operação. No primeiro caso, trata-se da investigação em si: o foco é expor como a Polícia Federal chegou a um ex-diretor da Petrobras se investigava um doleiro - na verdade, antes do doleiro, investigava tráfico. É bem verdade que esse tema é vasto e complexo, entretanto, não se pode olvidar que o texto é bastante falho na explicação de alguns passos da investigação, provavelmente por ter muito para resumir. A Lava Jato não é simples, explicá-la em cerca de duas horas é tarefa hercúlea para qualquer roteirista. De todo modo, os saltos são bruscos, subsistindo diversos lapsos, em especial no início. Já no que se refere às ações executadas, nada há que se reparar: nas cenas de execução (em que a Polícia age em campo), o êxito é inegável.

Nesse sentido, é possível concluir que a direção de Marcelo Antunez é uma direção apressada e reducionista em razão da própria ambição ao querer abordar um assunto tão grande em pouco tempo, porém, é também uma direção dinâmica e atrativa, jamais deixando seu filme monótono ou com cenas sem utilidade. Uma das melhores cenas é a da busca e apreensão na casa de Marcelo Odebrecht: não tem tanta ação, flertaria mais com o suspense, mas é exceção ao ritmo frenético que prevalece no longa, por isso que é tão boa. As elipses são artificiais e incômodas, de modo que, em visão macro, o retrato da Operação Lava Jato é mal elaborado. "Menos é mais": todos os momentos mais calmos e mais verticalizados são os mais aprazíveis. Como Antunez utiliza bastante a linguagem do gênero ação, com montagem rápida, frases de efeito e ritmo acelerado, a trilha sonora é bastante presente e bem intensa, até em excesso, e com agressividade desnecessária - os momentos de alívio do filme não recebem músicas à altura.

Quem lidera o elenco é Antonio Calloni como o delegado Ivan Romano. Sua participação é tão importante que a ele coube a narração voice over, recurso que normalmente denota preguiça do roteiro, o que não é o caso em "Polícia Federal", pois havia muito a ser dito - ou seja, a narração voice over colaborou na necessidade de passar muitas informações ao público. Calloni é ótimo ator e é, na maioria das vezes, a representação da tranquilidade em meio a delegados irrequietos e nervosos. Totalmente diferente é o delegado Julio Cesar, interpretado por Bruce Gomlevsky, um vulcão prestes a entrar em erupção. A interpretação do ator é impecável, também porque Julio é a única personagem bem construída pelo roteiro: tem sua própria opinião política, é dedicado no trabalho, é bom investigador, faz doutorado e constantemente faz companhia aos pais. A bem da verdade, segundo o filme, sem ele, não haveria Lava Jato, tamanha a sua importância. Flávia Alessandra vive Beatriz, uma delegada braba e mandona. Como são essas as suas características - e como o roteiro precisou de uma cena inteira para expor isto, em uma didática excessiva e dispensável, subestimando a inteligência do espectador -, a atriz recorre ao overacting: certamente, Alessandra é a pior do elenco.

Outros dois nomes são essenciais. Marcelo Serrado aparece como um juiz humanizado: dando aula, fazendo piadinha com o filho adolescente, ansioso com a condução coercitiva... sempre sereno. Muitas vezes ele aparece sozinho (ou está prestes a ficar sozinho), fazendo expressões de reflexão e seriedade. Serrado acerta na atuação, imprimindo sobriedade e minimalismo. O mesmo não se pode dizer de Ary Fontoura, responsável por interpretar o ex-Presidente. O filme coloca Lula na posição de vilão, o que é plenamente legítimo, tendo em vista a sua premissa, de dividir as personagens entre heróis e vilões, conforme já ressaltado. O problema é que o Lula de Fontoura é rabugento, visão que não é muito fidedigna - afinal, supostamente, a ideia é imitar os fatos reais. Falas como "isso é um absurdo" e "cadê o japonês da federal" podem ter sido ditas por ele na realidade, mas não com a entonação dada pelo ator, como uma cobrança. Se o ex-Presidente disse isso, foi em tom de deboche ou cinismo, não de cólera. Em síntese, faltou o deboche de Lula, que lhe é muito mais característico.

Ainda sobre Lula, recentes debates questionaram se ele podia ser condenado, já que, segundo alguns, não haveriam provas em seu desfavor. De acordo com o filme, se o que existem não são provas desfavoráveis ao ex-Presidente, seriam coincidências absurdas. Entretanto, ele não é o único, são incontáveis os nomes mencionados. No começo, o filme já parte do seguinte ponto de partida: a corrupção é endêmica no Brasil, foi trazida pelos portugueses em 1.500 e, de lá para cá, prolificou-se mais e mais (logo, a Lava Jato não é um episódio isolado, existe um precedente, o Mensalão, que também tem um precedente, e assim por diante). Conectando isso ao desfecho do filme, a mensagem final não poderia ser mais óbvia e trivial.

Existe um pequeno vestígio de senso crítico, quase imperceptível. A Operação Lava Jato é seletiva? O longa adota um posicionamento bastante claro, entendendo que as autoridades foram imparciais, "investigando o fato e não as pessoas". Porém, não deixa de mencionar as pessoas que não pensam dessa forma (pessoas próximas da equipe responsável e jornalistas) e, em um momento solitário, faz uma personagem admitir a dúvida (se agiram certo o tempo todo). Isso enriquece bastante a narrativa, mas aparece de maneira tão tímida que passará despercebido por muitos. Fato é que deveria ser melhor lapidado.

POLÍCIA FEDERAL: A LEI É PARA TODOS sabe seu público-alvo e certamente vai agradá-lo. É superficial, excessivamente resumido e profundamente maniqueísta (justamente como seu público-alvo). Acaba funcionando mais como marketing em favor das investigações do que obra cinematográfica. De todo modo, é uma produção que tem suas virtudes. Pena que tem uma visão tão simplista das pessoas.