domingo, 31 de dezembro de 2017

Bright -- Will Smith x filme ruim

Unindo os gêneros ação e comédia com a temática policial, surgiu, na década de 1980, o subgênero buddy cop film, cujo precursor foi "Máquina Mortífera". Desde então, poucas versões conseguiram o mesmo sucesso, ainda que com grandes nomes - por exemplo, "Showtime", que tinha Eddie Murphy e Robert De Niro. Ainda hoje surgem tentativas nessa área, como "Dois Caras Legais" e "Zootopia" (que, de certa forma, também se enquadra no subgênero). Will Smith esteve presente em um buddy cop film de razoável sucesso comercial, que virou franquia: "Bad Boys". Agora, ele estrela BRIGHT, nova atração da Netflix, empresa que pagou o alto preço de US$ 90 milhões ("Star Wars: O Despertar da Força", por exemplo, teve orçamento de US$ 200 milhões).

A má notícia é que a Netflix pagou caro por um filme ruim, talvez um dos piores de 2017. Na esteira dos buddy cop films, dois policiais de personalidade diferentes precisam trabalhar juntos por um bem maior, o sucesso da missão. É assim em todos os filmes do subgênero, esse não é exceção. Aqui, um é humano e o outro é orc, a missão é evitar que uma varinha mágica seja pega por uma pessoa mal intencionada ou mesmo por sua dona, uma elfa maligna que pretende ressuscitar o Senhor das Trevas. Ou seja, o filme mistura ação, comédia e fantasia: é fraco na ação, pavoroso na comédia (exceto quando o humor não é intencional, hipótese "vergonha alheia") e fajuto na fantasia.

O longa é fraco na ação, embora os momentos de adrenalina sejam os menos ruins: não se sabe exatamente o que acontece, nem precisamente as razões, mas se sabe quem são os mocinhos e para quem se deve torcer. Depois do fracasso retumbante de "Esquadrão Suicida", o diretor David Ayer deve achar que está sendo perseguido pelos críticos... porém, os projetos que ele tem aceito são horríveis - ainda que, talvez, comercialmente favoráveis para ele. Na comédia, não é culpa dele que as piadas sejam ruins (o que não é raro quando se mistura ação e comédia). Na fantasia, o grande erro é o excesso de CGI, um verdadeiro festival que mais parece o Gandalf alegrando os hobbits no Condado (só que durante muitos minutos, ao invés de alguns segundos). E, claro, um CGI de má qualidade.

Há quem elogie desmedidamente o trabalho de maquiagem e penteado, porém, é necessário fazer uma ressalva. A caracterização de Édgar Ramírez, por exemplo, ficou ridícula, mais parecendo um cover do saudoso David Bowie (versão platinada) do que a imagem comumente associada aos elfos (basta comparar ao que foi feito em "O Senhor dos Anéis"). Já com Noomi Rapace, que também interpretou uma elfa, não houve esse vexame. Joel Edgerton certamente é quem mais chama a atenção como o orc Nick, com uma (provável) maquiagem reforçada por CGI bem feita e convincente, tornando-o quase irreconhecível. Porém, quem realmente foi transformado pela equipe foi Enrique Murciano, abandonando a imagem de "mauricinho" para aparecer como um convincente líder de uma gangue local. Murciano equilibra a balança em relação a Ramírez, logo, de fato, o saldo, nesse quesito, é positivo (o que não exclui a ressalva).

Mas isso de nada adianta, já que o roteiro de "Bright" é terrível. É tão ruim que é difícil escolher por onde começar a apontar os defeitos. A subtrama da família de Daryl é esquecida: o policial humano não está satisfeito com a casa onde mora, com a profissão, nem com o parceiro, mas se aposenta logo; a esposa e a filha estão preocupadas com os riscos que ele corre... mas tudo isso fica apenas no primeiro ato. Responsável pelo bom "Poder Sem Limites", pelo frágil "Victor Frankenstein" e pelo torturante "American Ultra", o roteirista Max Landis parece ter nesse o seu primeiro roteiro, diante de tantos furos e tamanha superficialidade. Por exemplo, a irritante elfa Tikka (interpretada por Lucy Fry, que aparentemente só sabe atuar em dois polos, quais sejam, inexpressividade e overacting) varia entre uma garotinha assustada e uma raivosa guerreira pronta para a luta. Como se não bastasse, aos poucos ela revela que não fala apenas a língua dos elfos, mas também entende inglês, aliás, não apenas entende como também fala. O fato é tão patético no texto que um dos policiais ironiza, ao que ela responde que precisava confiar neles. Ora, ela confia o suficiente para que eles a protejam e protejam a varinha, mas não confia o suficiente para se comunicar? Mesmo quando era útil e até necessário? Isso tudo sem mencionar as incoerências e conveniências, típicas de um roteiro mal elaborado, como os policiais federais que só aparecem quando é conveniente para a narrativa ou os elfos poderosos que não conseguem vencer uma luta contra policiais (um humano, inclusive) exaustos.

Em se tratando de um longa com viés cômico, o policial orc tenta dar humor, mas acaba sendo sempre um teste sem paciência. O humor que existe é oriundo das falas acidentalmente risíveis, o que não é positivo. Como não rir de: "a traidora escapou. Está com a varinha"? Sabendo do contexto, pode até fazer sentido (e, agora, com esses leves spoilers que dão algum sentido mínimo à trama, é possível compreender um pouco), todavia, sem saber nada da película, o espectador é feito de palhaço. Que traidora? Por que ela traiu? Não que as explicações sejam satisfatórias, ao revés, tudo é tão mal feito que, quando o filme explica algo, o faz mais de uma vez, mas sempre en passant. Na mitologia criada pelo longa, em que orcs, fadas, elfos e humanos convivem, há dois mil anos, orcs e humanos eram inimigos, de modo que orcs seriam maus por natureza. Por que? Porque sim. Essa é, inclusive, a resposta a muitos questionamentos dentro dessa mitologia (que não serão mencionados para evitar mais spoilers).

Que diferença faz se as personagens de "Bright" são arquetípicos e unidimensionais, se quase todo o resto é também ruim? É óbvio que nem Will Smith salva, afinal, antes de salvar um filme, ele precisa salvar a própria carreira, já que seu último filme razoável ("Eu Sou a Lenda") tem dez anos. Mais uma vez, sua atuação é ruim. E se nem tudo pode piorar, nesse caso específico, pode: existem planos para uma continuação. O que não é surpresa, vide "Hancock" e "Esquadrão Suicida". Hoje, Will Smith é sinônimo de filme ruim.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Roda Gigante -- A monogamia morreu

Woody Allen é um patrimônio do cinema, não um mero cineasta. Responsável por clássicos como "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" e "A Rosa Púrpura do Cairo", ele recentemente brindou a sétima arte com obras-primas como "Blue Jasmine" e filmes muito bons como "Meia-Noite em Paris". Porém, RODA GIGANTE é o pior filme da carreira recente de Allen.

De início, um enredo clichê de triângulo amoroso (a rigor, surgem dois triângulos amorosos). Já está tão ultrapassado que o próprio cineasta o utilizou ano passado, em "Café Society" (que é infinitamente superior a "Roda Gigante"). Se ao menos a abordagem fosse mais original, valeria a pena retomar esse argumento, mas não, o roteiro é construído de uma maneira extremamente previsível, com uma narrativa que beira o entediante, de tão óbvia no seu desenvolvimento. É verdade que a inteligência de Woody Allen está lá camuflada, como se verifica na primeira conversa entre Ginny, Humpty e Carolina, estabelecendo um conflito nuclear na trama sem mastigar para o espectador. Porém, o uso da narração voice over (intercalando com a quebra da quarta parede) é deplorável, mais ainda considerando que o narrador é Justin Timberlake, certamente o pior do elenco. Sua falta de naturalidade nas falas (tanto nos diálogos quanto nas narrações) é assustadora, parecendo ter tido aula de atuação com o Murilo Benício. O que Justin Timberlake está fazendo em um filme de Woody Allen? É inegável: o aspirante a ator estragou ainda mais o filme.

James Belushi e Juno Temple também não ajudam. O primeiro é de interpretação monotônica (só consegue expressar raiva); a segunda, pavorosamente insossa. Já Kate Winslet é um alento, fazendo do melodrama cinquentista um trabalho soberbo de interpretação. A atriz flutua entre o estresse e o alívio, o ciúme e o desespero, fazendo com que sentimentos difíceis de expressar soem naturais em tão curta duração - afinal, é apenas um filme (e é por isso que comparações com séries são sempre injustas). Todas as personagens do plot têm sua complexidade, mas Ginny é dotada de uma personalidade mais realista e muito mais desenvolvida (não à toa, é a única que se relaciona constantemente com todas as personagens principais). Da mulher insegura - seja pelo simples ciúme, seja pela idade (que, como ficou claro, sempre foi uma questão incômoda) - à mãe indecisa, o papel tem mais camadas e é mais desafiador.

Alia-se a tudo isso uma técnica que nunca é censurável em um filme de Woody Allen. A filmagem é irrepreensível, dos enquadramentos à montagem: a melhor cena é um diálogo entre Ginny e Mickey na casa da primeira, um plano longo em que o diretor faz closes no rosto dela quando suas falas são mais longas. O figurino é mais modesto do que em outros longas, mas consegue ser representativo - por exemplo, Ginny usa branco quando enfim encontra a sua paz. O design de produção é razoável no retrato da Coney Island da década de 1950 e a fotografia é bem participativa no uso de filtros e luzes azuis nas cenas noturnas e alaranjadas nas cenas taciturnas. Ainda, a trilha sonora não é muito bem escolhida, já que usa ritmos de jazz alegres demais para uma película que evoca tamanha melancolia. Exemplo é e belíssima "Kiss of Fire", de Georgia Gibbs, originalmente um tango ("El Choclo", de Ángel Villoldo): apesar da letra compatível, a melodia é muito empolgada para um longa que cita expressamente as tragédias gregas.

Se a construção narrativa é falha, semanticamente, o roteiro é digno da genialidade do seu responsável (concordando ou não com a mensagem). Como de costuma, verifica-se uma amálgama temática, que vai desde a maneira pela qual o rompimento do relacionamento dos pais pode reverberar na psique dos filhos (o exagero do menino piromaníaco foi inserido para dar humor à trama) até violência doméstica. Existe também uma menção à psicanálise freudiana, através da referência ao Complexo de Édipo. Há muito conteúdo inteligente no texto, apesar de algumas subtramas ficarem sem soluçãoEntretanto, o "resumo da ópera" é a visão segundo a qual a monogamia morreu. De acordo com o filme, os relacionamentos afetivos estão sujeitos a inúmeras instabilidades inerentes aos seres humanos, que são fracos por natureza e acabam cedendo, por mais que se arrependam depois. Ou pior, podem até saber que fazem uma escolha equivocada quanto ao parceiro afetivo, todavia, teimosos, preferem insistir no erro. Inicia-se assim um interminável ciclo de infelicidade, também sujeito às intempéries, que é fadado a dar errado. Isto é, o desfecho dos relacionamentos afetivos é o rompimento, para um novo início (e assim sucessivamente), ou a infidelidade. A "roda gigante" é justamente essa: não há perenidade alguma na vida afetiva. Concordando ou não com essa visão, a reflexão é válida. E também vale uma ressalva feita em críticas anteriores: essa interpretação não exclui outras.

"Roda Gigante" é uma versão minúscula de Woody Allen, que se confunde um pouco com a vida pessoal do cineasta (segundo setores da psicologia, os escritores fazem isso de maneira inconsciente). O que é marcante no filme não é (a mensagem) da morte da monogamia, mas a interpretação magistral de Kate Winslet - embora nenhuma delas seja novidade.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Jumanji: Bem-vindo à Selva -- Honra o primeiro

O primeiro grande acerto de JUMANJI: BEM-VINDO À SELVA foi respeitar o legado da obra original sem olvidar a necessidade de ser criativo. Isso porque, na indústria cinematográfica, na qual a regra é copiar sem criar, as incontáveis derivações (remakes, reboots, prequels, sequels e spin-offs) são, no geral, dignas da mais alta censura. Não são expressões artísticas, não são homenagens, não são manifestações nostálgicas, mas sim uma forma de explorar ao máximo um produto que fez algum sucesso, lucrando às custas de um consumidor tão voraz que se torna quase cego. Algumas derivações são mais reprováveis que outras - basta comparar "Velozes e Furiosos 8643" com "Animais Fantásticos e Onde Habitam" ou "Transformers: A Era do Não Aguento Mais e Me Recurso a Assistir" com "Missão Impossível 6". "Jumanji 2" é exceção à regra: embora não esteja à altura do primeiro (já que não é "fato novo"), acerta em cheio no que se propõe.


E no que ele se propõe? De início, o primeiro filme possibilita um universo expandido, com uma continuação anos depois. Foi o que fizeram, o que fica claro no prólogo - e, para não deixar dúvidas, há uma referência expressa a Alan Parrish, personagem do eterno Robin Williams no longa de 1995. Fazer desse uma continuação longínqua do primeiro foi uma opção inteligente, primeiro porque mantém uma distância segura, do ponto de vista do respeito à película clássica (inclusive em razão do falecimento precoce de Williams), e segundo justamente porque a diegese de Jumanji permite esse compartilhamento. Isto é, se Jumanji é um jogo, outro grupo de pessoas pode jogar. Tem-se aí um novo enredo, com novas personagens.

É aí que entra a necessidade de atualização, outro acerto dessa versão. É por isso que a forma de jogar não é mais por tabuleiro, mas por videogame. Claramente, em seu viés de ação cômica, o filme vai muito bem, porque é isso que ele quer ser, o que se coaduna, inclusive, com a atualização. A vibe cinematográfica é essa, basta ver os filmes de heróis. Um filme lucrativo precisa ter muita ação, comédia realmente engraçada e, preferencialmente, pitadas de romance. O humor é ótimo, ainda que eventualmente dispensável, já que algumas cenas cômicas não acrescentam nada à narrativa (como a que o dr. Shelly Oberon urina pela primeira vez). A ação também se desenvolve de maneira razoável, sem nada extraordinário e com muitos exageros que já estão inscritos no pacote, previamente. Tendo ação e comédia, ninguém melhor que Dwayne Johnson e seu carisma gigantesco para o protagonismo. Jack Black tem as melhores cenas cômicas,  enquanto Kevin Hart tem pouca relevância.

Há muita perseguição, sequências de corrida, lutas e tiros, a maioria é bem dirigida por Jake Kasdan. É notória a preferência do diretor pela comédia, seu trabalho de maior destaque até hoje tinha sido "Sex Tape - Perdido na Nuvem" (aliás, nota-se uma predileção por comédias ruins com Cameron Diaz, pois tinha dirigido também "Professora Sem Classe"). Nesse sentido, "Jumanji 2" é um salto gigantesco de qualidade, não apenas porque o humor é mais requintado, mas porque existem boas cenas de ação, o que inclui um surpreendentemente correto uso da tecnologia 3D (ativo e passivo). Contudo, o CGI para criar os animais é deveras artificial. Por outro lado, partindo da premissa que quase todo o filme se passa dentro de um jogo, isso pode fazer algum sentido, principalmente porque o próprio filme jamais esquece que as personagens estão dentro de um jogo, tamanha a fidelidade em relação a essa premissa. É por isso que aparecem personagens irrelevantes repetindo várias vezes a mesma fala, dando dicas relativas à missão concernente à fase a ser enfrentada (exatamente como um jogo), também é por isso que, durante as missões, tocam músicas tensas, típicas dos games. Por sinal, na trilha sonora, destaca-se apenas a excelente "Baby I Love Your Way", da banda de reggae Big Mountain: a canção foi escrita originalmente por Peter Frampton, um rockeiro que surgiu nos anos 1970, porém, nos anos 1990, a banda de reggae surgiu e, em 1994 (um anos antes do primeiro "Jumanji"), lançou seu álbum "The Best Of", com essa bela versão alternativa. O que é importante é que a música combina perfeitamente com os momentos em que é utilizada no longa.

Também merece ser ressaltada a maneira pela qual o filme consegue situar o espectador nos locais e nas épocas corretas. Por exemplo, no prólogo, aparece um adolescente de cabelo comprido e regata preta com a estampa da banda Metallica, ganhando o tabuleiro de Jumanji, dizendo para si mesmo "quem ainda joga jogo de tabuleiro?". Abandonando-o, o adolescente volta para seu Playstation 1 - visivelmente um videogame desatualizado quando comparado aos tecnológicos que existem hoje. Com uma elipse, aparece outro adolescente, interessado em videogames atuais. Nesse sentido, o design de produção é feito com bastante esmero, apesar da caracterização desnecessariamente bizarra do vilão Van Pelt, interpretado por um fraco Bobby CannavaleNote-se que, embora uma personagem assuma o papel de vilão, o antagonista é o jogo, que precisa ser vencido pelo quarteto adolescente que serve de argumento para o longa.

O argumento, por sinal, acaba sendo uma das falhas do projeto. A sinopse do filme seria algo como o que segue: um nerd, um atleta, uma patricinha e uma antissocial são colocados na detenção, com a missão de autoconhecimento, para descobrirem quem são e quem querem ser. Embora muito diferentes, acabam formando um laço que jamais imaginariam. Ora, o argumento é uma cópia do clássico "Clube dos Cinco"! A diferença é que tiraram o quinto aluno, o estereótipo do jovem delinquente, provavelmente para tornar o filme mais leve. No resto, a estrutura do plot é idêntica, adicionando a aventura de Jumanji (inclusive na parte do autoconhecimento). O problema é que, retirando os diálogos e adicionando a aventura da selva, o roteiro tornou-se muito mais raso - afinal, "Clube dos Cinco" não se tornou um clássico à toa.

Existem, porém, duas exceções. A primeira é a crítica feroz ao vício causado pelo celular em alguns jovens, presente em várias passagens em que Bethany reclama do sofrimento causado pela ausência do objeto (ou da ausência do sinal de celular). Também é mencionada a futilidade do uso dado ao celular, como quando a adolescente reclama que postou uma foto há duas horas e que alguém ainda não tinha comentado, nem curtido. Quanto a isso, o filme é certeiro. A outra exceção é uma pseudo-crítica à objetificação da mulher, consistente na personagem vivida por Karen Gillan, que logo no início reclama do figurino usado. Reclama, mas não muda. Em outro momento, a personagem é usada para seduzir, o que também é questionável. A matéria não é simples e teria sido melhor não abordar dessa forma.

Quando o filme tenta ser sério, no geral, ele falha miseravelmente (como na patética tentativa de drama por parte do péssimo Nick Jonas, que deveria abandonar a atuação e dedicar-se apenas à música). Porém, dentro da proposta descontraída e de blockbuster descompromissado, diverte bastante e, principalmente, honra o primeiro "Jumanji".

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O Rei do Show -- Cinema com Rapadura

O nome P. T. Barnum é familiar? Clique aqui e confira, no Cinema com Rapadura, a minha crítica do musical cinebiográfico que conta a sua história!

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Star Wars - Os Últimos Jedi -- Mais um (crítica com spoilers)

Tratar de um filme que tem uma legião de fãs é sempre uma dificuldade: os fãs sempre encontram desculpas para explicar os maiores problemas. Mesmo os maiores paradoxos dos roteiros conseguem receber uma explicação por um grupo que idolatra algo. É por isso que a crítica de STAR WARS - OS ÚLTIMOS JEDI, além de fazer essa ressalva preliminar, vai desconsiderar as teorias mirabolantes feitas pelos fãs para explicar as lacunas presentes na obra - que, a bem da verdade, já é marca registrada na saga.


É verdade que existe um universo expandido de SW, porém, qualquer filme deve ser pensado para um espectador comum, não para os fãs. Isso significa que eventuais fanservices são irrelevantes: podem empolgar essas pessoas, mas nem todos que assistem ao filme buscam tanto conhecimento tão amplo desse universo. Provavelmente, a maioria só quer assistir a um bom filme, alguns nem tendo visto os episódios anteriores. A conclusão é que preencher gaps com o universo expandido é ainda pior que criar teorias mirabolantes. Em síntese, portanto, há quem encontre soluções paliativas para problemas que o próprio filme cria, ficando satisfeito com isso. Não é o melhor caminho.

Em tempo: excepcionalmente, essa crítica tem spoilers.

"Os Últimos Jedi" é o episódio VIII, o intermediário da nova trilogia. É aceitável que não responda (ainda) a fundamental questão sobre a ascendência de Rey - afinal, Kylo Ren pode ter mentido -, porém, alguma explicação sobre a facilidade que ela tem no uso da força precisará ser dada, pois mesmo Luke precisou de treino para chegar ao seu estágio (e ainda foi treinado por um grande mestre). A protagonista é boa, carismática e consegue encarar bem a difícil tarefa de assumir uma personagem tão difícil. Daisy Ridley fica claramente confortável no papel, ao contrário de John Boyega, que não apenas piora o trabalho em relação ao que fez no episódio anterior, mas interpreta um papel que prejudica o longa (o que, claro, não é sua dupla).

É simples: o roteiro não conseguiu criar coadjuvantes minimamente interessantes. Enquanto Rey, Luke e Leia estão em cena, o filme empolga; porém, quando assumem coadjuvantes de menor peso, em especial Finn, o longa se torna insosso. Claro que ele não chega aos pés de Han Solo em termos de carisma, tanto que sua nova parceira de cena, Rose (Kelly Marie Tran) não precisa ter muito tempo em cena para ser menos desinteressante. Não se pode negar que as personagens evoluem, todavia, o subplot de Finn e Rose, além de desviar o foco da trama, não agrega nada à narrativa, apenas tornando o filme mais longo e cansativo.

O mesmo não pode ser dito do papel vivido por Oscar Isaac: Poe Dameron cresce e se torna o principal dos novos coadjuvantes, de modo que o ator entende a medida certa entre, de um lado, o herói preocupado, mas irresponsável, e, de outro, o piloto arrogante e imprudente. É a diferença de atuação com Domhnall Gleeson, ótimo ator que errou muito no overacting com General Hux. Laura Dern brilha no pouco que aparece como Almirante Holdo, uma líder de pulso firme nas aparências, mas altruísta em seu coração. É bom ver uma atriz qualificada atuando em um papel diferente dos últimos, já que Holdo tem uma acidez peculiar - e a interação com Poe rende bons momentos. Por outro lado, é com ela que ficam alguns furos de roteiro: se ela morreria de qualquer jeito, por que não lançou a própria nave em direção à do Snoke antes? E outra: por que ela deixou tudo ir tão longe, se tinha um plano inteligente? Não era mais fácil revelar o plano, ao invés de aceitar passivamente o motim?

Também no elenco está Benicio Del Toro com uma participação muito pequena (só não menor que a de Lupita Nyong'o), fazendo um gaguejo dispensável. Os outros nomes possuem maior relevância, a começar por Andy Serkis, o rei do CGI, desta vez aparentemente com pesada maquiagem, novamente como o Supremo Líder Snoke. Como sempre, Serkis está ótimo, não tendo culpa que o roteiro se desfez de um vilão como quem se desfaz de um descarte qualquer. Embora seja positiva a coragem de matar uma personagem tão importante, sua morte tão fácil (afinal, ele tinha se mostrado o mais forte da nova trilogia) é frustrante esvaziou a sua representatividade. Ele nem precisava ser tão poderoso, imponente, amedrontador ou misterioso para ser o líder da Primeira Ordem, já que ia morrer de uma maneira tão simples. De onde ele veio, quem ele era? São perguntas que se tornaram irrelevantes, assim como ele, que pouco fez. Afinal, sua única função relevante foi trazer Ben para o lado negro. Ironicamente, muito tempo depois, ele conecta Rey e Ben através da força, segundo ele mesmo disse. Fica a dúvida: como ele faria isso, sem saber onde Rey estava?

Falando nele, não se pode negar que Kylo Ren melhorou exponencialmente (aliás, o próprio Adam Driver desenvolveu sua carreira nos últimos tempos). Sua dubiedade constante é sedutora para a personagem, tornando-a mais complexa, inclusive fazendo com que Star Wars abandone um pouco o esquema engessado da jornada do herói. Há um aprimoramento nesse sentido, pois Ren (falando nisso, onde estão os "Cavaleiros de Ren"?), boa parte do tempo, não é exatamente um antagonista. Entretanto, sua irregularidade é excessiva e incômoda, inclusive levando em conta o filme anterior. Ele não ia terminar o que Darth Vader começou? Qual o sentido disso, nesse caso, ao matar Snoke e querer a morte de Luke? Na verdade, no final, o progresso de Kylo Ren é abandonado e ele volta a ser o adolescente birrento do primeiro filme (tudo enquanto análise de personagem, que fique claro), que não quer que os adultos fiquem perto e quer mandar sozinho em tudo. O conflito interno que existe nele é enriquecedor, sua megalomania, por outro lado, é entediante. Talvez fizesse sentido se fosse fome de poder, uma vontade de governar tudo sozinho. Também faria sentido uma raiva de Luke por ter tentado matá-lo, ou seja, Ren queria uma vingança pessoal. Mas querer um novo paradigma, no qual ele e Rey ditassem as regras, parece "aborrescência".

Em um filme com tantas personagens, é impossível não gastar muitas linhas falando sobre várias. É claro que BB-8 é quem mais chama a atenção, com um carisma ímpar. A participação de Yoda também tem sua importância: embora pareça mero fanservice, na verdade, mostra que, mesmo como mestre, Luke ainda é um aprendiz. Dentro de uma gigantesca mitologia por vezes pueril, existem preciosos ensinamentos em Star Wars, alguns mais claros - como quando Yoda diz para Luke que "melhor professor, o fracasso é" -, outros mais disfarçados - como quando Finn aprende que fornecedores de armas trabalham para quem paga, não vendo um lado certo ou errado, não havendo mocinho ou bandido, que seriam invenções. É por isso que a aparição de Yoda é significativa: Luke é mestre de Rey, é um jedi experiente e poderoso, o que não significa, todavia, que não é falho (pelo contrário, quase matou o próprio sobrinho, em um momento que acabou sendo decisivo para que este fosse para o lado negro, o que, talvez, poderia não ter acontecido) e, principalmente, que não precisa mais aprender nada. Ao contrário: mesmo um mestre (como Luke) está em constante aprendizado, ainda que Yoda precise aparecer para lembrar.

Mark Hamill retoma o papel que lhe deu o estrelato, contudo, não é o mesmo Luke de antes, já que está amargurado e frustrado consigo mesmo e com as experiências vividas com os jedi. Embora o texto inicial diga que ele é a esperança dos rebeldes, na verdade, a Resistência segue fazendo o que lhe cabe, seguindo as ordens de Leia (um digníssimo trabalho final de Carrie Fisher), já que o paradeiro do que aparentemente seria o último jedi é desconhecido. A morte do último Skywalker (não o último jedi) foi outra decisão corajosa do roteiro, moldada com sagacidade, enganando até mesmo o espectador mais atento, apesar das pistas (embora fosse difícil imaginar que suas habilidades fossem tão longe). Quando ele começa a treinar sua discípula, o filme se torna mais empolgante, todavia, o pontapé inicial é um claro deus ex machina, recurso usado vez ou outra pelo roteiro do episódio VIII: não apenas R2-D2 o está esperando, como já sabe o argumento que vai convencê-lo a mudar de ideia. Isso sem contar a falta de atenção de Chewie, apesar do barulho dos dois. Falando nele, Chewbacca participa da película apenas para interagir com as novas criaturas, que, por sua vez, foram criadas por apenas dois motivos: gerar momentos cômicos e vender brinquedos. Infelizmente, esse é outro equívoco do texto: inserir piadas desnecessárias e que sequer combinam com o momento e/ou com a personagem. Exemplo é a cena em que Luke e Leia se reencontram. "Eu sei o que você vai dizer: eu mudei o meu cabelo".

Se no roteiro Rian Johnson não foi um ás, no geral, a direção foi boa. Por exemplo, o prólogo é uma cena de ação que honra o nome da franquia, na qual é possível entender tudo o que acontece, ao contrário daqueles diretores (como um tal de Michael Bay) que colocam explosões confusas e desconexas, tentando enganar o espectador (e se um episódio de SW fosse dirigido pelo Michael Bay, como seria?). Para além de uma competente edição de som, é no design de produção que o filme tem o seu melhor atributo. Com referências às touradas espanholas e aos cassinos de Las Vegas (cena de Finn e Rose), o visual atinge o ápice no belíssimo deserto de sal vermelho. Mesmo no minimalismo a estética é chamativa: no covil de Snoke, as paredes são vermelhas (cor que transmite a sensação de dor e é compatível com o antagonista) e a decoração é preta (também coerente), porém, ele usa um kimono dourado (afinal, como um líder, ele precisa ser rico e poderoso). A cena em que Rey cai em um buraco é similar ao desafio pelo qual Luke passou em um episódio anterior, em uma caverna, antes de se tornar jedi. O que ela aprende lá não é sobre seus pais, mas sobre si: quanto mais ela procura por eles, mais ela encontra apenas ela mesma, não havendo nenhuma informação relevante a ser encontrada sobre os genitores, mas somente acerca de si. Na estética, a cena é deslumbrante.

O 3D é aceitável, embora não essencial, enquanto o CGI, no geral, é bom, embora tenha deslizes consideráveis, como a cena em que Leia revela que é kryptoniana e retorna à nave - mesmo que ela tenha afinidade com o uso da força por ser uma Skywalker, aquilo extrapola todos os limites do razoável para alguém sem treinamento. Claro, é difícil falar em razoabilidade depois do que Poe fez no prólogo. A cena é quase cômica, de tão absurda, dentro dos próprios limites estabelecidos naquele universo.

Na verdade, o que Leia fez e o que Rey tem feito mostram que a escola de padawans era uma inutilidade: estudo, dedicação, foco, repetição e treino, ensinamentos anteriores da própria franquia SW, se esvaem agora, para uma nova lição. A nova lição é: treinar é inútil para quem já tem habilidades; para esses, bastam duas lições, ou, às vezes, nem isso pode ser preciso. Bem lembrado: qual era a terceira lição de Luke? Mais um furo de roteiro... Sem contar as conveniências, como a história do combustível da nave. Se visualmente "Os Últimos Jedi" é excelente, no roteiro, a despeito da elogiável coragem de não fazer um espelho do episódio V (como o episódio VII fez do IV), trata-se, no máximo, de um filme ordinário, com alguns furos e uma narrativa que não se destaca em nada. Não está entre os melhores da franquia, tampouco, entre os piores. É mais um filme SW. Exceto para os fãs, é claro.

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Em tempo: se o filme deixou uma gama tão grande de questionamentos, ele certamente é falho em transmitir a sua narrativa de forma coesa. Dito de uma maneira mais simples: ele não é "redondo". A falha é inegável. Podem aparecer fãs querendo explicar, depois de terem "devorado" a obra completa. Não torna o episódio VIII menos falho, pois, se o filme demanda muito raciocínio para solucionar os furos, é porque o texto foi mal elaborado.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Thelma -- Cinema com Rapadura

A publicação demorou, por motivos alheios à vontade deste crítico, mas lá está! Clique aqui e confira a crítica de THELMA, sensacional filme norueguês que merece ser visto (provavelmente quando chegar em algum sistema de streaming, pois já deve ter saído de cartaz dos cinemas brasileiros).

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Estreias da semana -- 14/12/2017

A estreia do episódio VIII de Star Wars ofusca as demais estreias (que também não são muito significativas, exceto por um filme suíço, que, infelizmente, não encontrará muitas salas nos cinemas brasileiros).


STAR WARS - OS ÚLTIMOS JEDI
Episódio intermediário da trilogia contemporânea da saga SW. Luke está de volta, agora em 3D e Imax!
SinopseApós encontrar Luke Skywalker em uma ilha isolada, a jovem Rey busca entender o balanço da Força a partir dos ensinamentos do mestre jedi. Paralelamente, o Primeiro Império de Kylo Ren se reorganiza para enfrentar a Aliança Rebelde.
Pré-conceito: se for um espelho do episódio V (como o episódio VII foi do IV), o filme vai ser apenas bom, se, por outro lado, optarem por inovar, o potencial é estratosférico.


TUDO É PROJETO
Documentário brasileiro.
SinopseO longa mostra a história do arquiteto Paulo Mendes da Rocha e é contado pelo ponto de vista de sua filha.
Pré-conceito: interessante, talvez, para os familiares dos envolvidos.


JESUS - A ESPERANÇA
Drama gospel brasileiro, sem nomes conhecidos.
SinopseO filme relata a história de Jesus Cristo, narrada pela perspectiva bíblica, baseada nos quatro evangelhos sinóticos, retratando sua vida pública, os milagres, a conspiração em torno de sua existência, sua morte e ressurreição.
Pré-conceito: amadorismo puro.


CORAGEM! - AS MUITAS VIDAS DE DOM PAULO EVARISTO ARNS
Documentário brasileiro que estreará nas salas Espaço Itaú de Cinema do país.
SinopseDom Paulo Evaristo Arns foi um importante cardeal brasileiro que defendeu os Direitos Humanos, enfrentando o regime militar e construindo os centros comunitários na periferia para que a população de baixa renda de São Paulo se reunisse para que se organizasse e reivindicasse por seus direitos.
Pré-conceito: desnecessário.


PROFESSOR MARSTON E AS MULHERES-MARAVILHAS
Drama estadunidense com Luke Evans e Rebecca Hall.
SinopseHistória de Wiliam Marston, psicólogo que ajudou a tornar real o detector de mentiras e que também criou a Mulher-Maravilha, personagem dos quadrinhos, em 1941. 
Pré-conceito: curioso, mas muito modesto, em termos cinematográficos.


LUMIÈRE! - A AVENTURA COMEÇA
Documentário francês dirigido por Thierry Frémaux.
SinopseUma jornada no universo dos fundadores do cinema, os irmãos Louis e Auguste Lumière.
Pré-conceito: imperdível para os verdadeiros amantes da sétima arte.


MULHERES DIVINAS
Drama suíço muito bem recebido na crítica internacional.
SinopseEm 1971, a jovem dona de casa Nora vive com seu marido e seus dois filhos numa pequena aldeia. Até então sua vida era tranquila e não tinha sido afetada com as grandes revoltas sociais e o movimento de 1968, mas, é aí que Nora começa a fazer campanha pelo direito de voto das mulheres.
Pré-conceito: extremamente promissor, infelizmente ofuscado pela estreia de um gigante, na mesma semana.


O PODER E O IMPOSSÍVEL
Drama estadunidense com Josh Harnett.
SinopseO jovem e rebelde Eric é um atleta de snowboard, que vive em busca de adrenalina. Durante um fim de semana, numa estação de esqui, ele acaba preso por uma grande tempestade de neve. Sem conseguir fazer contato com ninguém, ele precisa fazer de tudo para sair dessa situação.
Pré-conceito: se a originalidade é zero, a qualidade não deve ficar longe.


CORA CORALINA - TODAS AS VIDAS
Documentário brasileiro.
SinopseHistória da escritora e poeta brasileira Cora Coralina.
Pré-conceito: deve ter seu público.


SILÊNCIO NO ESTÚDIO
Documentário brasileiro.
SinopseO longa mostra a história da escritora e poeta Edna Savaget, que viveu mais de 30 anos nos estúdios da televisão carioca fazendo história e amigos. Foi precursora dos primeiros programas femininos da TV brasileira.
Pré-conceito: deve ter seu público [2].

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Em Busca de Fellini -- Fellinesco

O que é real? O que é fruto da imaginação? Sem conseguir distinguir o imaginário do real (ou, mais precisamente, vendo muita realidade no imaginário), o imortal cineasta Federico Fellini certa vez afirmou que "realismo não é uma boa palavra". É assim que ele entendia e foi assim que ele fez seus filmes, várias obras-primas veneradas ainda hoje. EM BUSCA DE FELLINI é uma admirável homenagem a 'Il Maestro', que segue a lógica fellinesca, embora não alcance o brilhantismo do italiano. O que seria um feito histórico.

A protagonista do longa é a jovem Lucy, vivida pela bela e quase insossa Ksenia Solo, muito convincente para o papel de uma moça tímida, ingênua, inexperiente, que é assim em razão da maneira pela qual sua mãe a criou. A mãe, interpretada por uma satisfatória Maria Bello, é uma genitora excessivamente protetora, que não quer que a filha conheça sentimentos negativos como tristeza, decepção, perda e morte, razão pela qual animais de estimação, por exemplo, não morrem, mas viajam repentinamente para locais distantes, sem intenção de retorno, deixando apenas um cartão postal avisando - o mesmo ocorre com os parentes humanos. Na adolescência, enquanto os colegas descobrem a sexualidade, Lucy descobre sentimentos, de modo que, aos vinte anos, ainda é bem inocente para a idade. Tudo muda quando ela descobre a filmografia de Fellini e consegue uma oportunidade de conhecê-lo na Itália. O que era para ser "apenas" uma viagem para conversar com Il Maestro acaba sendo uma jornada de autodescoberta por cenários belíssimos e imensurável aprendizado de uma maneira bastante fellinesca.

Mas, afinal, o que significa o adjetivo "fellinesco"? O cineasta era dos grandes, como Hitchcock e Kubrick, logo, fazia um cinema autoral: partia de um contexto comum para, repentinamente, fugir para o extraordinário, quase surreal, talvez imaginário, sem alcançar o fantástico. A filmografia de Fellini combinava ambientes oníricos e remanescentes da memória com experiências pessoais e doses de luxúria, dando sempre uma visão ácida da sociedade e do ser humano e colocando as personagens em situações esquisitas. O que há de marcante, enfim, são os desdobramentos extraordinários dentro da narrativa ordinária. Isso está em várias obras do Ilusionista e está também na película "Em Busca de Fellini", que almeja homenageá-lo - desse ponto de vista, atinge bem o objetivo.

São várias as referências no longa, inclusive literárias - Shakespeare, quando Lucy "visita" Julieta e quando é recitado em seu ouvido um trecho de "Macbeth". Evidentemente, os filmes de Fellini são as principais referências, em especial: "La Strada" ("A Estrada da Vida"), "La Dolce Vita" ("A Doce Vida"), "8 1/2" ("Oito e meio") e "Satyricon" ("Fellini - Satyricon"). Chegam a aparecer imagens reais das fitas, com razão de aspecto diminuída. É fascinante a forma como o diretor Taron Lexton reverencia a obra d'Il Maestro e seu legado, sem olvidar a magia italiana quando a protagonista de seu próprio filme chega ao local. Afinal, Lucy está em um filme autônomo, desembarcando na Itália pela primeira vez. Assim, quando chega em Verona, fica maravilhada, filmada em um quase spinning shot ao som de "O Sole Mio".

Inegavelmente, considerando que o objetivo não é fazer marketing da Itália, a exibição periférica do que o país oferece a um turista é charmosa. A cena em que Lucy vai a uma confeitaria provar um doce tem seu encanto, inclusive graças à mise en scène. O plot também é sagaz ao aproveitar bem o que cada cidade italiana oferece geograficamente para combinar com o desenvolvimento narrativo: << SPOILER ALERT: em Verona, cidade de Romeu e Julieta, Lucy encontra um terno romance, que encanta o público, que fica assustado na cidade seguinte, Veneza, onde suas ruelas labirínticas servem perfeitamente para um suspense FIM DO SPOILER >>. A valorização das músicas italianas na trilha sonora merece menção (trilha, por sinal, muito boa).

Trata-se do segundo longa-metragem em que Lexton atua como diretor (o primeiro foi o documentário "The Way to Happiness"). Antes, ele trabalhava como diretor de fotografia: é notório o esmero maior com a fotografia, todavia, com algum exagero. Na casa de Lucy, é usado filtro amarelo, na cidade (Ohio), filtro azul, porém, o uso constante de filtro torna as imagens demasiadamente artificiais, inclusive em planos que seriam bonitos per si, sem essa demanda. Por outro lado, em especial nos cenários fechados, há muito uso de contraluz, tirando a nitidez da imagem, propositalmente, dando mais foco ao que está mais próximo da câmera.

O enredo em si não sai muito da homenagem, não permite extrair um conteúdo denso. É nisso que "Em Busca de Fellini" fica aquém do cineasta. A homenagem, porém, é bela. Certamente agradará o espectador que gosta da filmografia d'Il Maestro.

sábado, 9 de dezembro de 2017

Assassinato no Expresso do Oriente -- Quase fica um saldo positivo

A primeira observação a ser feita sobre ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE é que é um filme que não tem razão de existir, reflexo do ocaso criativo hollywoodiano. Estrelas reunidas por um grande estúdio (Fox) para um remake cujo original cinematográfico já atingiu o potencial máximo da obra. O longa de 1976, versão britânica, contava com Ingrid Bergman, que ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel de Greta Ohlsson (ausente na película de 2017), Albert Finney como o protagonista Hercule Poirot (indicado ao Oscar de Melhor Ator) e Anthony Perkins (o eterno e icônico Norman Bates) como Mr. McQueen - único papel relevante que se repete (na versão contemporânea, optaram por um ator que, esteticamente, é seu oposto: Josh Gad, o LeFou do último "A Bela e a Fera"). Sidney Lumet dirigiu o filme de 1976, que foi indicado ao Oscar (além das categorias já mencionadas) de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora em Drama. Dificilmente uma nova versão superaria a antiga, melhor seria partir para novos projetos.

As duas produções foram baseadas no clássico livro de Agatha Christie, que conta a história de um grupo de estranhos, preso em um trem, onde ocorre um assassinato em razão do qual todos são suspeitos. Apenas o famoso detetive Hercule Poirot, também presente no trem, é capaz de solucionar o quebra-cabeça, descobrindo quem cometeu o homicídio, antes que mais alguém seja vítima.

O elenco é estelar: Michelle Pfeiffer (bem, mas longe de seu auge), Johnny Depp (discreto), Penélope Cruz (o auge foi enterrado anos atrás), Willem Dafoe (entre altos e baixos, aqui, está mediano), Judi Dench (discreta), Derek Jacobi (no mesmo papel que interpreta sempre), Tom Bateman (convincente) e Daisy Ridley (sem dúvida, a mais fraca do cast, ao menos dos nomes conhecidos).

O grande nome, porém, é Kenneth Branagh: se dependesse de Branagh, o longa seria grandioso, contudo, havia um problema de concepção que nem mesmo ele podia solucionar (a falta de originalidade). Ele é ator, diretor e roteirista irlandês, tornando-se célebre pela especialização em Shakespeare. A escola britânica de atuação é, provavelmente, a melhor do mundo, foi lá que Branagh aprendeu muito do que sabe e ainda leva um viés shakespeareano em seus papéis. Hercule Poirot é uma personagem riquíssima criada por Agatha Christie, um papel desafiador por consistir em uma marca na literatura. Branagh consegue criar uma persona autônoma em Poirot, nada sublime, mas digno de elogios.

O detetive está sempre um passo à frente de todos os demais, desde os detalhes que compõem seus atos, como no prólogo, até nas suas falas, como ao se referir a "amenidades antes de uma negociação" com Ratchett. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que é perfeccionista e obsessivo (como com as medidas dos ovos), se diverte e ri lendo Dickens, bem como manifesta algumas superstições ("número três dá azar"). Isso é reflexo da sua mente maniqueísta, insistente na frase "há o certo e há o errado", o que aquilata o sentido do desfecho. Por outro lado, a ausência de feedback quanto ao seu passado emocional, relatado apenas em lances superficiais e quase aleatórios, torna-se raso e muito insatisfatório. Enfim, ele é um homem de valores, o que fica claro quando ele se motiva para investigar o caso. Poirot é um excelente protagonista, ofuscando naturalmente o desinteressante grupo de coadjuvantes, que só causa algum mínimo interesse enquanto pista para o caso.

Branagh é também um diretor muito eficiente, ainda que não seja brilhante. O CGI utilizado, por exemplo, embora pareça bem feito, na verdade, é rasteiro, pois criar neve à noite não é o trabalho mais difícil em termos de computação gráfica. Ainda assim, existem momentos visualmente belos, como a linda fotografia em Istambul, além de um estonteante figurino e um cenário avassalador (são os aspectos que mais chamam a atenção). Também os movimentos de câmera são, em geral, bem executados, com destaque para a cena em que a câmera fica por cima das personagens, em um corredor apertado, dando uma visão mais global. O básico também é feito, como flashbacks em preto e branco. A solução final é como quis a autora da obra na qual o filme se baseou, porém, a cena do crime é muito mal filmada e soa artificial, inclusive em razão da má atuação dos artistas envolvidos. Isso não condiz com o material-base, já que o livro de Christie é muitíssimo bem elaborado, não sendo necessário lê-lo para concluir dessa forma: atemporal, o mistério que envolve a trama é adequadamente amarrado e convincente, com uma narrativa que recebe plot points que enganam o espectador (parece que vai ter um desfecho, mas novos factos criam um recomeço).

"Assassinato no Expresso do Oriente" não se justifica enquanto obra cinematográfica, não agrega no currículo do elenco e pouco diverte. Mas não é mal produzido. Com um cinema nivelado por baixo, quase fica um saldo positivo.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Estreias da semana -- 07/12/2017

A semana não empolga, com apenas um filme garantidamente bom.

DUDA E OS GNOMOS
Animação da Imagem Filmes.
SinopseDuda e sua mãe estão de mudança para a antiga casa da tia Silvia. A casa tem muitos gnomos e eles parecem estar sempre mudando de lugar. Duda descobre que os gnomos podem ganhar vida e uma grande amizade surgirá entre eles com o propósitos de proteger a casa.
Pré-conceito: até os pequenos devem dormir.


VERÃO 1993
Drama espanhol.
SinopseFrida, de seis anos de idade, após a morte de sua mãe, se muda de Barcelona para o interior da região da Catalunha para viver com seus tios e terá que aprender a lidar com suas emoções e se adaptar a nova vida.
Pré-conceito: representante espanhol para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Merece ser visto, apesar da sinopse vaga.


EM BUSCA DE FELLINI
Drama estadunidense com Maria Bello no elenco.
SinopseLucy ama filmes e descobre os longas excêntricos de Federico Fellini. Ela começa uma viagem estranha e bonita pela Itália para encontrá-lo. Ao longo do caminho descobre muito além do que jamais esperou.
Pré-conceito: ideal para os admiradores do belíssimo país e, claro, da arte do eterno cineasta.


LUCKY
Drama protagonizado por Harry Dean Stanton, com David Lynch como coadjuvante e dirigido por John Carroll Lynch.
SinopseLucky segue uma jornada espiritual de um homem de 90 anos e os personagens peculiares que habitam uma cidade fora do mapa no deserto. 
Pré-conceito: imprevisível.


CORPO DELITO
Documentário brasileiro dirigido por Pedro Rocha.
SinopseO documentário cearense aborda a questão da imagem e o crime, tentando transmitir a experiência de como produzir novas imagens sobre esse tema. Para isso, o filme acompanha a rotina de Ivan, um homem inconformado, pois mesmo depois de ganhar o direito de sair da cadeia, continua preso a uma tornozeleira eletrônica.  
Pré-conceitovoltado a um público muito restrito.


APENAS UM GAROTO EM NOVA YORK
Comédia dramática dirigida por Mark Webb, com um elenco qualificado (Callum Turner, Kate Beckinsale, Pierce Brosnam, Cynthia Nixon e Jeff Bridges).
SinopseUm jovem descobre que o pai está tendo um caso. Ele tenta impedir que a situação continue, mas acaba se envolvendo com a amante.
Pré-conceito: provavelmente, nada muito denso. Porém, o argumento é espinhoso o suficiente para despertar a curiosidade quanto ao desfecho. Pode ser bom.


PERFEITA É A MÃE 2
Comédia que continua o primeiro filme, com o mesmo elenco.
SinopseNessa continuação de Perfeita é a Mãe, Amy, Kiki e Carla lidam com o stress familiar da época natalina e com as visitas de suas respectivas mães. Será que elas conseguirão jogar tudo para o alto novamente?
Pré-conceito: sessão tortura.

ALTAS EXPECTATIVAS
Comédia romântica brasileira, sem um elenco de nomes populares.
SinopseDécio é um treinador de cavalos vencedor que constantemente questiona acontecimentos de sua vida por causa de uma deficiência física. Lena é uma jovem que recebeu como herança um empreendimento todo endividado no Jockey Clube do Brasil. Ela vai cruzar no caminho do rapaz, que irá fazer de tudo para conquistar sua atenção.
Pré-conceito: talvez uma versão brasileira do argentino "Coração de Leão - O Amor Não Tem Tamanho". Evidentemente, de nível muito inferior. Melhor ficar em casa e ver/rever o argentino.


NO LIMITE
Filme franco-belga-estadunidense de ação com Scott Eastwood, Freddie Thorp, Ana de Armas e Gaia Weiss no elenco. Mais precisamente, do pseudo-subgênero carros, crimes e fugas.
SinopseDois irmãos são ladrões de carros no sul da França. Eles estão bem financeiramente e agora querem levar uma vida dentro da lei. No entanto, o passado deles os leva a cruzar o caminho de um chefão do crime.
Pré-conceito: "Need For Speed" misturado com "Velozes e Furiosos" sem grife. Mais previsível, impossível.


EXTRAORDINÁRIO
Já é possível ler a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura, desse filme que foi a principal estreia da semana. Clique aqui para ler!


ENCANTADOS
Fantasia brasileira com Carolina Oliveira, Thiago Martins e Letícia Sabatella no elenco.
SinopseZeneida é filha de um importante político do Pará e, dentre os seus irmãos, ela se destaca por seu jeito perseverante e teimoso em suas escolhas. Por ser sensitiva, vê coisas que mais ninguém vê. Quando ela conhece Caruana, uma figura encantada que encontrar na floresta, ela se apaixona e começa a entrar em conflito com sua família.
Pré-conceito: comédia acidental. Vergonha alheia!