terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Star Wars - Os Últimos Jedi -- Mais um (crítica com spoilers)

Tratar de um filme que tem uma legião de fãs é sempre uma dificuldade: os fãs sempre encontram desculpas para explicar os maiores problemas. Mesmo os maiores paradoxos dos roteiros conseguem receber uma explicação por um grupo que idolatra algo. É por isso que a crítica de STAR WARS - OS ÚLTIMOS JEDI, além de fazer essa ressalva preliminar, vai desconsiderar as teorias mirabolantes feitas pelos fãs para explicar as lacunas presentes na obra - que, a bem da verdade, já é marca registrada na saga.


É verdade que existe um universo expandido de SW, porém, qualquer filme deve ser pensado para um espectador comum, não para os fãs. Isso significa que eventuais fanservices são irrelevantes: podem empolgar essas pessoas, mas nem todos que assistem ao filme buscam tanto conhecimento tão amplo desse universo. Provavelmente, a maioria só quer assistir a um bom filme, alguns nem tendo visto os episódios anteriores. A conclusão é que preencher gaps com o universo expandido é ainda pior que criar teorias mirabolantes. Em síntese, portanto, há quem encontre soluções paliativas para problemas que o próprio filme cria, ficando satisfeito com isso. Não é o melhor caminho.

Em tempo: excepcionalmente, essa crítica tem spoilers.

"Os Últimos Jedi" é o episódio VIII, o intermediário da nova trilogia. É aceitável que não responda (ainda) a fundamental questão sobre a ascendência de Rey - afinal, Kylo Ren pode ter mentido -, porém, alguma explicação sobre a facilidade que ela tem no uso da força precisará ser dada, pois mesmo Luke precisou de treino para chegar ao seu estágio (e ainda foi treinado por um grande mestre). A protagonista é boa, carismática e consegue encarar bem a difícil tarefa de assumir uma personagem tão difícil. Daisy Ridley fica claramente confortável no papel, ao contrário de John Boyega, que não apenas piora o trabalho em relação ao que fez no episódio anterior, mas interpreta um papel que prejudica o longa (o que, claro, não é sua dupla).

É simples: o roteiro não conseguiu criar coadjuvantes minimamente interessantes. Enquanto Rey, Luke e Leia estão em cena, o filme empolga; porém, quando assumem coadjuvantes de menor peso, em especial Finn, o longa se torna insosso. Claro que ele não chega aos pés de Han Solo em termos de carisma, tanto que sua nova parceira de cena, Rose (Kelly Marie Tran) não precisa ter muito tempo em cena para ser menos desinteressante. Não se pode negar que as personagens evoluem, todavia, o subplot de Finn e Rose, além de desviar o foco da trama, não agrega nada à narrativa, apenas tornando o filme mais longo e cansativo.

O mesmo não pode ser dito do papel vivido por Oscar Isaac: Poe Dameron cresce e se torna o principal dos novos coadjuvantes, de modo que o ator entende a medida certa entre, de um lado, o herói preocupado, mas irresponsável, e, de outro, o piloto arrogante e imprudente. É a diferença de atuação com Domhnall Gleeson, ótimo ator que errou muito no overacting com General Hux. Laura Dern brilha no pouco que aparece como Almirante Holdo, uma líder de pulso firme nas aparências, mas altruísta em seu coração. É bom ver uma atriz qualificada atuando em um papel diferente dos últimos, já que Holdo tem uma acidez peculiar - e a interação com Poe rende bons momentos. Por outro lado, é com ela que ficam alguns furos de roteiro: se ela morreria de qualquer jeito, por que não lançou a própria nave em direção à do Snoke antes? E outra: por que ela deixou tudo ir tão longe, se tinha um plano inteligente? Não era mais fácil revelar o plano, ao invés de aceitar passivamente o motim?

Também no elenco está Benicio Del Toro com uma participação muito pequena (só não menor que a de Lupita Nyong'o), fazendo um gaguejo dispensável. Os outros nomes possuem maior relevância, a começar por Andy Serkis, o rei do CGI, desta vez aparentemente com pesada maquiagem, novamente como o Supremo Líder Snoke. Como sempre, Serkis está ótimo, não tendo culpa que o roteiro se desfez de um vilão como quem se desfaz de um descarte qualquer. Embora seja positiva a coragem de matar uma personagem tão importante, sua morte tão fácil (afinal, ele tinha se mostrado o mais forte da nova trilogia) é frustrante esvaziou a sua representatividade. Ele nem precisava ser tão poderoso, imponente, amedrontador ou misterioso para ser o líder da Primeira Ordem, já que ia morrer de uma maneira tão simples. De onde ele veio, quem ele era? São perguntas que se tornaram irrelevantes, assim como ele, que pouco fez. Afinal, sua única função relevante foi trazer Ben para o lado negro. Ironicamente, muito tempo depois, ele conecta Rey e Ben através da força, segundo ele mesmo disse. Fica a dúvida: como ele faria isso, sem saber onde Rey estava?

Falando nele, não se pode negar que Kylo Ren melhorou exponencialmente (aliás, o próprio Adam Driver desenvolveu sua carreira nos últimos tempos). Sua dubiedade constante é sedutora para a personagem, tornando-a mais complexa, inclusive fazendo com que Star Wars abandone um pouco o esquema engessado da jornada do herói. Há um aprimoramento nesse sentido, pois Ren (falando nisso, onde estão os "Cavaleiros de Ren"?), boa parte do tempo, não é exatamente um antagonista. Entretanto, sua irregularidade é excessiva e incômoda, inclusive levando em conta o filme anterior. Ele não ia terminar o que Darth Vader começou? Qual o sentido disso, nesse caso, ao matar Snoke e querer a morte de Luke? Na verdade, no final, o progresso de Kylo Ren é abandonado e ele volta a ser o adolescente birrento do primeiro filme (tudo enquanto análise de personagem, que fique claro), que não quer que os adultos fiquem perto e quer mandar sozinho em tudo. O conflito interno que existe nele é enriquecedor, sua megalomania, por outro lado, é entediante. Talvez fizesse sentido se fosse fome de poder, uma vontade de governar tudo sozinho. Também faria sentido uma raiva de Luke por ter tentado matá-lo, ou seja, Ren queria uma vingança pessoal. Mas querer um novo paradigma, no qual ele e Rey ditassem as regras, parece "aborrescência".

Em um filme com tantas personagens, é impossível não gastar muitas linhas falando sobre várias. É claro que BB-8 é quem mais chama a atenção, com um carisma ímpar. A participação de Yoda também tem sua importância: embora pareça mero fanservice, na verdade, mostra que, mesmo como mestre, Luke ainda é um aprendiz. Dentro de uma gigantesca mitologia por vezes pueril, existem preciosos ensinamentos em Star Wars, alguns mais claros - como quando Yoda diz para Luke que "melhor professor, o fracasso é" -, outros mais disfarçados - como quando Finn aprende que fornecedores de armas trabalham para quem paga, não vendo um lado certo ou errado, não havendo mocinho ou bandido, que seriam invenções. É por isso que a aparição de Yoda é significativa: Luke é mestre de Rey, é um jedi experiente e poderoso, o que não significa, todavia, que não é falho (pelo contrário, quase matou o próprio sobrinho, em um momento que acabou sendo decisivo para que este fosse para o lado negro, o que, talvez, poderia não ter acontecido) e, principalmente, que não precisa mais aprender nada. Ao contrário: mesmo um mestre (como Luke) está em constante aprendizado, ainda que Yoda precise aparecer para lembrar.

Mark Hamill retoma o papel que lhe deu o estrelato, contudo, não é o mesmo Luke de antes, já que está amargurado e frustrado consigo mesmo e com as experiências vividas com os jedi. Embora o texto inicial diga que ele é a esperança dos rebeldes, na verdade, a Resistência segue fazendo o que lhe cabe, seguindo as ordens de Leia (um digníssimo trabalho final de Carrie Fisher), já que o paradeiro do que aparentemente seria o último jedi é desconhecido. A morte do último Skywalker (não o último jedi) foi outra decisão corajosa do roteiro, moldada com sagacidade, enganando até mesmo o espectador mais atento, apesar das pistas (embora fosse difícil imaginar que suas habilidades fossem tão longe). Quando ele começa a treinar sua discípula, o filme se torna mais empolgante, todavia, o pontapé inicial é um claro deus ex machina, recurso usado vez ou outra pelo roteiro do episódio VIII: não apenas R2-D2 o está esperando, como já sabe o argumento que vai convencê-lo a mudar de ideia. Isso sem contar a falta de atenção de Chewie, apesar do barulho dos dois. Falando nele, Chewbacca participa da película apenas para interagir com as novas criaturas, que, por sua vez, foram criadas por apenas dois motivos: gerar momentos cômicos e vender brinquedos. Infelizmente, esse é outro equívoco do texto: inserir piadas desnecessárias e que sequer combinam com o momento e/ou com a personagem. Exemplo é a cena em que Luke e Leia se reencontram. "Eu sei o que você vai dizer: eu mudei o meu cabelo".

Se no roteiro Rian Johnson não foi um ás, no geral, a direção foi boa. Por exemplo, o prólogo é uma cena de ação que honra o nome da franquia, na qual é possível entender tudo o que acontece, ao contrário daqueles diretores (como um tal de Michael Bay) que colocam explosões confusas e desconexas, tentando enganar o espectador (e se um episódio de SW fosse dirigido pelo Michael Bay, como seria?). Para além de uma competente edição de som, é no design de produção que o filme tem o seu melhor atributo. Com referências às touradas espanholas e aos cassinos de Las Vegas (cena de Finn e Rose), o visual atinge o ápice no belíssimo deserto de sal vermelho. Mesmo no minimalismo a estética é chamativa: no covil de Snoke, as paredes são vermelhas (cor que transmite a sensação de dor e é compatível com o antagonista) e a decoração é preta (também coerente), porém, ele usa um kimono dourado (afinal, como um líder, ele precisa ser rico e poderoso). A cena em que Rey cai em um buraco é similar ao desafio pelo qual Luke passou em um episódio anterior, em uma caverna, antes de se tornar jedi. O que ela aprende lá não é sobre seus pais, mas sobre si: quanto mais ela procura por eles, mais ela encontra apenas ela mesma, não havendo nenhuma informação relevante a ser encontrada sobre os genitores, mas somente acerca de si. Na estética, a cena é deslumbrante.

O 3D é aceitável, embora não essencial, enquanto o CGI, no geral, é bom, embora tenha deslizes consideráveis, como a cena em que Leia revela que é kryptoniana e retorna à nave - mesmo que ela tenha afinidade com o uso da força por ser uma Skywalker, aquilo extrapola todos os limites do razoável para alguém sem treinamento. Claro, é difícil falar em razoabilidade depois do que Poe fez no prólogo. A cena é quase cômica, de tão absurda, dentro dos próprios limites estabelecidos naquele universo.

Na verdade, o que Leia fez e o que Rey tem feito mostram que a escola de padawans era uma inutilidade: estudo, dedicação, foco, repetição e treino, ensinamentos anteriores da própria franquia SW, se esvaem agora, para uma nova lição. A nova lição é: treinar é inútil para quem já tem habilidades; para esses, bastam duas lições, ou, às vezes, nem isso pode ser preciso. Bem lembrado: qual era a terceira lição de Luke? Mais um furo de roteiro... Sem contar as conveniências, como a história do combustível da nave. Se visualmente "Os Últimos Jedi" é excelente, no roteiro, a despeito da elogiável coragem de não fazer um espelho do episódio V (como o episódio VII fez do IV), trata-se, no máximo, de um filme ordinário, com alguns furos e uma narrativa que não se destaca em nada. Não está entre os melhores da franquia, tampouco, entre os piores. É mais um filme SW. Exceto para os fãs, é claro.

--
Em tempo: se o filme deixou uma gama tão grande de questionamentos, ele certamente é falho em transmitir a sua narrativa de forma coesa. Dito de uma maneira mais simples: ele não é "redondo". A falha é inegável. Podem aparecer fãs querendo explicar, depois de terem "devorado" a obra completa. Não torna o episódio VIII menos falho, pois, se o filme demanda muito raciocínio para solucionar os furos, é porque o texto foi mal elaborado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário