segunda-feira, 31 de julho de 2017

O Mínimo para Viver -- Cinema com Rapadura

O MÍNIMO PARA VIVER é mais um filme original Netflix que trata de uma questão socialmente relevante, a anorexia. O filme é bom? Clique aqui para ler a crítica, publicada no Cinema com Rapadura, e confira!

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Dunkirk -- Cinema com Rapadura

DUNKIRK (estreia hoje!) novo filme do diretor (e roteirista) Christopher Nolan, é uma das grandes apostas para a próxima temporada de premiações - em especial o Oscar. O longa faz jus à fama? Confira clicando aqui e lendo a minha crítica no Cinema com Rapadura.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Um Contratempo -- Agatha Christie encontra Alfred Hitchcock

"Psicose", "Seven", "Clube da Luta"... são muitos os thrillers que se tornaram notórios também por suas reviravoltas surpreendentes (sem olvidar, evidentemente, das suas virtudes inquestionáveis). Suspense ou terror, o filme que reserva surpresas ao espectador costuma ser mais charmoso, ao menos para o público que gosta de ser tomado pela surpresa. Mais ainda quando envolve um crime para ser solucionado, como "O Silêncio dos Inocentes" e "O Segredo dos Seus Olhos". Nesse caso, agrada o espectador que gosta de ser desafiado. CONTRATIEMPO (no Brasil, "Um Contratempo") pode não ter a qualidade dos clássicos mencionados, mas tem a mesma veia intelectual que apenas os grandes suspenses instigantes conseguem ter.

Na trama, o advogado Adrián Doria acorda em um quarto de hotel, após um golpe na cabeça, encontrando sua amante morta no banheiro e coberta com várias notas de dinheiro. Sua vida de sucesso fica prestes a desmoronar, pois Doria não consegue convencer ninguém da sua inocência, já que o quarto do hotel é trancado por dentro, sem nenhuma maneira de entrar ou sair. Sua única saída parece ser a melhor advogada de defesa da Espanha, em seu último caso, a experiente Virginia Goodman. Fica então proposto o primeiro desafio ao espectador: como o crime realmente aconteceu? Provavelmente até mesmo Agatha Christie teria dificuldades em solucionar.

De um lado, Doria sustenta a própria inocência, mas não traz elemento algum para corroborar a própria tese. A polícia chegou logo após o evento, como o assassino poderia ter saído, se não fosse o próprio Doria? Por outro lado, a ideia de que foi ele quem matou a amante parece simplista e incoerente, afinal, eles eram amantes. Com vários flashbacks, o filme apresenta a conexão entre duas mortes, dando pistas que, porém, podem facilmente enganar. E é isso que o filme faz melhor: ludibriar o espectador. Quando uma questão parece estar solucionada, a inteligente advogada mostra que nada é tão simples como pode parecer, surgindo uma constante imprevisibilidade no texto que lhe confere camadas cada vez mais complexas. O script consegue como poucos inserir variáveis inimagináveis na narrativa - como o pai de uma das pessoas mortas - e, ainda mais impressionante, ligar os eventos pretéritos sem deixar lacunas ou pontas soltas. Ao contrário: no final, tudo faz sentido. Se visto uma segunda vez, o filme revela o quão óbvias as pistas eram (no melhor estilo "O Sexto Sentido").

Entretanto, há um equívoco na dosagem das reviravoltas. Os dois primeiros atos funcionam como uma montagem do quebra-cabeças instaurado, enquanto o terceiro ato parece uma brincadeira para manipular o público, quiçá confundi-lo a ponto de arriscar tornar o longa confuso ao final, sob pretexto de surpreender à Hitchcock. Provavelmente por empolgação, o roteirista Oriol Paulo escreveu "Contratiempo" com plot twists rocambolescos e que, se adiantados na trama (para o segundo ato), soariam menos forçados. O que importa é a naturalidade, que não se fez presente ao final (isto é, no terceiro ato) - exceto, talvez, no desfecho (leia-se, na solução do filme como um todo).

Com frases de efeito, a advogada Virginia Goodman é um show graças à estupenda atuação de Ana Wagener. Doria não sabe, mas quando Goodman diz para ele que "não haverá salvação sem sofrimento" e que ele não é mais esperto que ela, não se trata de um blefe, mas de um fato que ele descobrirá com o tempo. O custo para manter o sucesso seria mais alto que ele imaginava. Coube a Mario Casas o papel de protagonista, o que ele exerce de forma competente, ao contrário de Bárbara Lennie, intérprete de Laura, a amante falecida, que não consegue lidar com as finas nuances da personagem. O papel é difícil, mas o recurso adotado pela produção em cortar o cabelo da atriz para representar o twist do arco dramático da personagem não foi suficiente para esconder a falta de habilidade da artista. José Coronado faz um coadjuvante bem interessante, interpretado impecavelmente pelo ator.

"Contratiempo" é apenas o segundo trabalho cem por cento autoral de Oriol Paulo. Após co-roteirizar "Os Olhos de Júlia", Paulo foi roteirista e diretor do razoável "El Cuerpo", de 2012. O longa conseguiu ser original, tendo muito êxito no suspense e com um grand finale, contudo, a atmosfera de terror se revelou desnecessária. Comparativamente, Paulo evoluiu bastante de um trabalho para outro. O roteiro da película de 2016 é mais engenhoso, ademais, a direção abandona a sugestão de terror que havia no filme de 2012. Desta vez, ele investe em uma estética noir e uma climatização de suspense, por exemplo pela trilha sonora instrumental. Nesse sentido, o prólogo é eloquente mesmo sem falas, transmitindo tensão graças à interpretação (de Wagener) e à direção. Em seguida, Oriol Paulo utiliza um recurso sagaz de linguagem cinematográfica: ao invés de adotar mecanismos tradicionais de narração, cria um pretexto verossímil para tirar uma personagem de cena para situar outra - bem como o espectador - através do noticiário da televisão. Com isso, em poucos segundos o argumento da obra fica bem delineado e de maneira fluida, o que revela uma direção inteligente. A isso tudo se alia a competente fotografia de Xavi Giménez (diretor de fotografia de "O Operário", aquele filme no qual o Christian Bale fica assustadoramente magro), investindo em cenários gélidos e escurecidos nos momentos mais sombrios.

É óbvio que CONTRATIEMPO não chega no nível dos clássicos mencionados. Assim como Oriol Paulo não alcançou, ainda, um status de Buñuel ou de Almodóvar. No entanto, considerando a já boa qualidade e os aprimoramentos, parece parcimonioso afirmar que o cineasta pode trazer obras ainda melhores - e, garantidamente, as duas que já produziu são melhores que a maioria dos enlatados hollywoodianos tais como a franquia Transformers. O futuro dirá se Paulo vai se firmar como um grande nome do tímido cinema espanhol. Sua segunda película é um modesto encontro entre Agatha Christie e Alfred Hitchcock, talvez ambos iniciando suas carreiras. Faz sentido, afinal, Oriol Paulo também está no início da dele.

(P.S.: o filme está disponível no Netflix!!)

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Dedico esta crítica aos amigos Deborah e Leonel, fãs do cinema espanhol.

sábado, 15 de julho de 2017

Em Ritmo de Fuga -- Um dos melhores blockbusters de 2017

Já é praticamente lugar-comum na crítica de cinema afirmar que o maior problema dos filmes de ação reside no roteiro. Franquias como "Velozes e Furiosos" apostam exageradamente nas cenas de ação e esquecem que um filme precisa ter uma narrativa. Pior, esquecem também a necessidade de outros elementos, como boas atuações e boa direção. No caso de EM RITMO DE FUGA, é apenas o roteiro que deixa a desejar, pois todo o resto é muito bom.

Na trama, Baby (Ansel Elgort) é motorista de uma gangue, cuja peculiaridade é a necessidade de sempre ouvir músicas para silenciar um zumbido que escuta desde um acidente que teve na infância. É o pretexto que o filme tem para unir, com maestria, corridas de carros e trilha sonora intensa. O protagonista encontra na música um refúgio para as angústias físicas, mas também para o sofrimento psicológico, tanto de seus traumas pretéritos quanto dos problemas presentes. Baby tem uma vida ruim e a música é o que atenua essa condição - além, talvez, das corridas de carro, pois ele gosta da direção. Há uma suave incoerência logo no início: as músicas o ajudam a dirigir, auxiliando-o na concentração, porém, quando ele está a pé, quase é atropelado várias vezes. Ou seja, os fones o concentram no carro e o desconcentram fora do carro? Ou ele às vezes se deixa levar pelo som? Enfim, nada que prejudique o roteiro até então.

Participando da gangue, ainda que "apenas" como motorista, Baby conhece bandidos com perfis muito distintos. Buddy (John Hamm) é um enigmático apaixonado; Darling (Eiza Gonzalez) é a femme fatale de pouca relevância; e Griff (Jon Bernthal, o Justiceiro da série "Demolidor") é o bullie irritadiço. Jamie Foxx decepciona um pouco: em se tratando de um ator vencedor do Oscar, é frustrante vê-lo fazendo um papel cuja personalidade é tão instável. Em alguns momentos, Bats parece um psicopata que "só quer ver o circo pegar fogo" - à la Coringa -, em outros, é um racional que cobra pela atenção de Baby na reunião do grupo. A personagem pouco contribui para a trama, tornando-se, ao contrário, um pouco inconsistente. Outro grande nome no elenco é Kevin Spacey, atuando no piloto automático como Doc, o comandante da organização criminosa. Talvez Spacey tenha ficado desleixado em razão de uma reviravolta inverossímil da sua personagem, no terceiro ato.

Em termos de atuação, porém, o grande destaque é Ansel Elgort, cada vez melhor. O jovem teve o cuidado de fazer "caras e bocas" nas cenas de direção, como se estivesse concentrado ao executar as arriscadas manobras e se esforçando enquanto as executava, imprimindo realismo na cena. Elgort parece se divertir no papel, com uma linguagem corporal leve quando necessário, dançando sozinho, esbanjando alegria sempre que cabível. O carisma do ator e sua capacidade dramática já foram vistos em "A Culpa é das Estrelas", isso não é novidade, apenas repetição de um talento notório. O diferencial aqui, realmente, é um desempenho mais solto quando a cena permite. Muito diferente de Lily James, bem aquém do jovem astro. James se mostra uma atriz artificial e - o que é pior - sem timing. Isso fica claro quando Baby revela seu nome: se a atriz quisesse que a cena parecesse real, daria alguns segundos para se surpreender; mas não, responde logo em seguida com pretensa surpresa, mostrando que decorou o texto, mas não consegue interpretá-lo com naturalidade. Elgort ótimo ator; James é fraquíssima. A personagem, porém, é essencial.

O filme é escrito, mas também dirigido por Edgar Wright, responsável por "Scott Pilgrim Contra o Mundo" e "Chumbo Grosso". Certamente, é o melhor filme de Wright na direção, quesito em que "Em Ritmo de Fuga" é excelente. No primeiro ato, por exemplo, há um plano-sequência de Baby na rua que mostra a qualidade técnica da película. A construção de cenários é também muito boa, como no local onde se reúnem - o "covil" da gangue -, que tem apenas uma luz central, deixando as margens na obscuridade. A mise en scène do longa é sublime: em vários momentos, como no prólogo, Wright mescla sons extradiegéticos (mais precisamente, a trilha sonora) com intradiegéticos que o protagonista faz no carro (para-brisa se movimentando, batidas na porta etc.); outro momento que chama a atenção é quando Baby se locomove na rua, com seus movimentos correspondendo, em parte, à música, por exemplo quando um trompete aparece numa vitrine, ele simula estar tocando um trompete e ouve-se um solo de trompete na música. Em síntese, "Baby Driver" (nome original) tem muita adrenalina, muitas perseguições, é adrenalina pura, inclusive com uma montagem elaborada em cortes rápidos em razão da dificuldade de filmagem das cenas. Um filme feito para quem gosta desse combo.

Já para quem gosta de um roteiro bem elaborado, ele deixa a desejar - ironicamente, a responsabilidade, reitera-se, também é de Edgar Wright. O motivo é bastante simples: existem alguns furos de roteiro. Alguns podem ser mencionados sem incorrer em spoilers. Fica claro que Baby e Doc se conhecem há algum tempo, porém, aquele não esteve sempre no mundo do crime, sendo inserido por este. A questão é exatamente esta: como Doc inseriu Baby nisso? Há uma pista, nada mais, tornando-se superficial - só não mais superficial que o relacionamento entre Baby e Joe (CJ Jones). Esta é uma falha também bastante incômoda: os dois são muito próximos e seria interessante mostrar flashbacks disso, já que aparecem flashbacks dos pais de Baby. A identificação cinematográfica secundária que o espectador tem é por Joe ser vulnerável (idoso e deficiente), não por representar uma pessoa importante na vida do protagonista. Da mesma forma, superficial é também o romance com Debora, já que o filme prioriza em demasia a ação (e nisso, verdade seja dita, ele é extraordinário). Porém, o script tem suas falhas, como coincidências questionáveis: em uma cena, Baby precisa de um carro para fugir, quando o roteiro elabora uma detestável conveniência, surgindo um Dodge Charger vermelho e duas vítimas dentro, prontas para serem roubadas. É o tipo de facilidade que o texto cria que sugere preguiça. Sem contar o que é questionável pela própria proposta, como a dificuldade de comunicação entre Baby e Debora: a película tem um estilo visual próprio e um quê vintage, contudo, é inegável que se passa nos dias de hoje, já que existem ipods e carros modernos, o que torna estranho o fato de não existirem smartphones para facilitar a comunicação (no caso do protagonista, celular algum!). A tudo isso se une um desfecho apressado, só para não deixar o final em aberto.

Seria um crime encerrar a crítica sem mencionar a estupenda trilha sonora, que tem clássicos como Barry White, Queen e James Brown, grandes nomes da trilha sonora do cinema como Ennio Morricone e Hans Zimmer e nomes atuais como Gwen Stefani - sem contar os menos conhecidos. E muitas músicas falam com a narrativa, como é o caso de "Easy" (The Commodores), "Baby I'm Yours" (Barbara Lewis), "Debora" (T. Rex) e "Debra" (Beck). O último filme que usou tão bem esse recurso foi "Guardiões da Galáxia Vol. 2".

Enfim, EM RITMO DE FUGA tem uma ideia muito clara do que é e do que quer ser. Tem seu público-alvo certo e vai agradá-lo, com toda certeza. Em poucas palavras, é um filme de direção excelente e de roteiro deficiente, mas muito acima do nível da imensa maioria dos filmes de ação porque apenas o roteiro tem algumas falhas. Em 2017, provavelmente já é um dos melhores blockbusters.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Homem-Aranha: De Volta ao Lar -- Chega de bandido pra prender (CRÍTICA SEM SPOILERS!)

É visível a migração do subgênero "filme de herói" para gêneros diferentes da ação pura. "Logan" mostrou que o drama é um caminho. "Deadpool" investiu na comédia. Agora, colocaram mais um super-herói em uma comédia de ação, o que resultará em mais um sucesso de público e possivelmente de crítica - o que não necessariamente significa qualidade e, principalmente, não afasta a grande crítica que o subgênero sofre: o ocaso de criatividade infla a indústria de remakes, reboots e filmes de super-heróis, quando não une tais ideias, como é o caso de HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR.

Para quem aprecia cinema, fazer o sexto filme solo do mesmo super-herói em seu segundo reboot é artisticamente lamentável. A sétima arte sempre envolveu inovação, criatividade, ousadia, jamais repetição. É verdade que não se trata de repetição pura e simples, até porque o filme é um reboot e não um remake. Agora, Peter é mais jovem, tem aparência de adolescente; o tio Ben já está morto; a tia May é bem mais nova; ele já tem domínio de seus poderes - e assim por diante. Ainda assim, são 6 filmes solo e 3 atores em 15 anos, um absurdo em termos de cinema. Não matematicamente, pois a média não é tão alta - é semelhante à de James Bond, por exemplo, que recebeu 24 filmes (oficiais) em 55 anos, com 7 atores. O problema é que quase não há intervalo para o novo reboot: encerrada a trilogia de Sam Raimi em 2007, iniciou-se a saga Espetacular logo em 2012; encerrada esta em 2014 - de maneira precoce, pois o plano era ir mais longe -, já em 2017 surge essa nova versão. São muitos recomeços em pouco tempo! Note-se que o problema não é apenas mudar o ator, mas todo o encaminhamento dado à personagem, dado que aquela investigação que Peter fez, sobre seu passado, quando era encarnado por Andrew Garfield, não adiantou coisa alguma. Portanto, enxergando cinema como arte, era melhor não fazer um novo filme solo, caso a opção fosse realmente recomeçar. Claro, como produto, sempre haverá demanda por mais Spiderman na telona, até porque é um dos super-heróis mais populares.

É justamente a razão pela qual ele é popular que o terceiro reboot soube aproveitar melhor que os outros: Peter Parker é um super-herói, mas também precisa lidar com problemas de qualquer outro jovem da sua idade. O embate humanidade versus heroísmo sempre esteve presente, mas nunca de uma maneira tão pujante naquele viés realista. Peter não é mais um jovem deprimido, não é um esquisitão que dança sozinho e sem música nas ruas, nem um skatista descolado e namorador. É um adolescente qualquer, absolutamente ordinário. Porém, é também um super-herói, razão pela qual, enquanto seus colegas têm uma vida normal, ele não pode desfrutar da mesma condição: enquanto eles vão se divertir na piscina ou ficam em uma festa, ele luta contra o crime. Embora veja isso com pesar em alguns momentos, sempre prepondera o seu senso de heroísmo, do qual decorre o prazer de ser super-herói. É por isso que, quando Peter coloca o traje de Spiderman, parece chegar ao momento mais esperado do seu dia e fala "finalmente" para si mesmo. Não por outra razão, fica ansioso para a próxima missão, caso Tony Stark/Homem de Ferro o chame. Apesar de todo esse ímpeto, a inexperiência fica patente: é um herói ainda desastrado, ainda que empenhado. Há uma longa sequência de perseguição em que o Homem-Aranha encontra problemas de locomoção - já que não corre rápido, não voa nem tem veículo que o conduza -, quebrando muito do que encontra pelo caminho. Para compensar, surge Karen (Jennifer Connelly, irreconhecível pela voz modificada por computador, mas competente pela entonação intencionalmente mecânica), que funciona ora como rica fonte de piadas, ora como deus ex machina nos momentos de ação - ou seja, um recurso de roteiro bastante questionável, pois é fácil de inserir e solucionar problemas que o próprio roteiro cria.

As personagens coadjuvantes não são muito bem desenvolvidas, quando são. Tia May divide-se entre a piada reiterada da tia atraente que todos conhecem e única figura maternal que o protagonista conhece, um desperdício do talento de Marisa Tomei. Liz é um interesse amoroso sem nada particular que permitisse a Laura Harrier fazer algo no papel. Ned é o amigo tonto, o que Jacob Batalon vive bem; Flash é o bullie obrigatório em qualquer colégio, também interpretado com qualidade por Tony Revolori. Um elenco bem escalado, mas com personagens unidimensionais e arquetípicas. Tony Stark (Robert Downey Jr.), Pepper (Gwyneth Paltrow) e Happy (Jon Favreau) aparecem pouco e já são bem conhecidos no MCU. Exceções são o protagonista e o antagonista (afinal, o longa é bastante maniqueísta): Tom Holland é um ator que ainda está fazendo a sua carreira, aproveitando com êxito a chance nesse grande blockbuster, pois é um ótimo Peter/Spiderman; Michael Keaton já é reconhecido como ator, pegando sua experiência para fazer de Abutre um vilão cruel, mas repleto de camadas. Aqui, um acerto: trata-se de um vilão consistente, com motivação e muito bem interpretado, já que não é mau por ser mau, ele tem suas motivações, tem seu histórico e é como é em razão de várias circunstâncias. O elenco conta ainda com a famosa desconhecida Zendaya como Michelle, papel mais inútil que o árbitro atrás do gol no futebol. É apenas a garota esquisita que, por exemplo, frequenta a detenção sem precisar.

Nesse sentido, com o pretexto de fazer piadas, o roteiro é inflado de maneira desnecessária, repleto de informações inúteis que, no máximo, tiram mais risadas da plateia (em especial a infantil), sem agregar à trama. É uma comédia de ação, é esse o viés, mas seria melhor se feita apenas com piadas que acrescentassem à narrativa. Sem contar que as piadas são extremamente pueris e que o roteiro, salvo por uma louvável surpresa, é bastante simplório enquanto narrativa, parecendo ter sido elaborado por um adolescente de quatorze anos. Primeiro, pela ingenuidade das piadas: em que pese algumas serem genuinamente engraçadas, a maioria arranca aquele "sorriso de canto de boca", não por sagacidade do humor, mas porque o público-alvo é inegavelmente o infantil. E também não é uma estrutura bem montada, tampouco um conteúdo inteligente. Não é mal feito, é pobre e não é sequer original. Como dar crédito a um produto assim? Jon Watts é um diretor ainda inexperiente, seu único trunfo foi uma simulação de filmagem caseira no primeiro ato - além de referências aos anteriores, como quando o Homem-Aranha segura um navio após lutar contra o Abutre, como havia feito após lutar contra o dr. Octopus em um filme anterior, ou como quando segura sua amada enquanto um elevador cai.

Conforme já foi dito, como produto, o filme consegue ser satisfatório: tem bastante comédia (nem sempre exitosa), boas doses de ação (nem sempre bem filmada) e uma ótima dupla principal. Diverte, portanto. É uma verdadeira diversão blockbuster escapista, descompromissada e familiar, vez que adequada para qualquer idade. Em tempos hodiernos, contudo, não é necessário esse tipo de filme de herói. Parafraseando Jorge Vercilo, "hoje o herói aguenta o peso das compras do mês", ou fica "acordado a noite inteira pra ninar bebê". O Peter Parker da Marvel chegou perto, mas sua proposta não se adéqua a esse tipo de carência. "Chega de bandido pra prender", ao menos para o Homem-Aranha sozinho.

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* A primeira cena pós-créditos é de pouca relevância, apenas um adiantamento do futuro.
** A segunda cena pós-créditos é muito inútil e muito engraçada, em igual proporção.