quinta-feira, 30 de março de 2017

Estreias da semana

O período está cinematograficamente decepcionante, com o encerramento da temporada do Oscar. Assim, para não deixar o Recanto sem atualização, aqui vão as estreias da semana:

A VIGILANTE DO AMANHÃ
SinopseNum mundo pós 2029, cérebros se fundem facilmente a computadores e a tecnologia está em todos os lugares. Motoko Kusanagi é uma ciborgue com experiência militar que comanda um esquadrão de elite especializado em combater crimes cibernéticos.

O ESPAÇO ENTRE NÓS
SinopseO adolescente Gardner Elliot é o primeiro humano nascido em solo marciano. Mas ele deseja fazer uma viagem à Terra para conhecer a verdade sobre seu pai biológico, e sobre seu nascimento. Nesta jornada, ele tem o apoio de Tulsa.

O PODEROSO CHEFINHO
SinopseUm bebê falante que usa terno e carrega uma maleta misteriosa une forças com seu irmão mais velho invejoso para impedir que um inescrupuloso CEO acabe com o amor no mundo. A missão é salvar os pais, impedir a catástrofe e provar que o mais intenso dos sentimentos é uma poderosa força.

O ORNITÓLOGO
SinopseFernando (Paul Hamy) é um solitário homem de 40 anos que trabalha como um ornitólogo. Ele decide viajar pelo curso de um rio a bordo de um caiaque, mas quando uma correnteza forte derruba sua pequena embarcação, ele inicia uma jornada sem volta e repleta de perigos.

MULHERES DO SÉCULO 20
SinopseNa Califórnia dos anos 70, uma mãe (Annette Bening) tenta cuidar de sua família da melhor forma possível enquanto também procura respostas para as vidas de suas duas jovens amigas - uma fotógrafa aficcionada pela cultura punk (Greta Gerwig), e uma amiga de seu filho (Elle Fanning).

Gostou de algum? Ansioso para assistir a algum deles? Comente aqui!

domingo, 26 de março de 2017

Fragmentado (com spoilers!) -- No final, consegue ser desastroso

FRAGMENTADO é o tipo de filme que depende de spoilers para receber uma análise justa. Considerando que é um filme de três atos de qualidades distintas, e que o terceiro ato trilha um caminho bem diverso dos anteriores, ignorá-lo seria uma visão deveras parcial.

Baseado numa história real, o protagonista do filme é Kevin (James McAvoy), que possui dentro de si, habitando o mesmo corpo, 23 personalidades completamente distintas, alternando entre elas com a força do pensamento, modificando também a composição físico-química de seu organismo. Assim, enquanto algumas personalidades precisam de injeção de insulina em razão de diabetes, outras, não; enquanto algumas precisam de óculos de grau, outras, não - e assim por diante. A isso se segue um relato - também com base real, no mesmo caso - de sequestro de três adolescentes que ele encontra em um estacionamento. Ou seja, em síntese, é um filme de rapto cujas vítimas tentam fugir enquanto conhecem melhor o autor do crime (e suas facetas). Não é original, mas pode render bons momentos.

E de fato rende, pois, do ponto de vista da forma, o longa é ótimo, o que não acontece com o conteúdo, conforme se verá. O grande responsável pela fita é M. Night Shyamalan, diretor e roteirista de "Fragmentado" (no original, "Split"). Shyamalan é  responsável por obras-primas como "O Sexto Sentido", "Corpo Fechado" e "Sinais"; filmes bons/razoáveis como "A Vila" e "A Visita"; e lixos cinematográficos como "O Último Mestre do Ar" e "Depois da Terra". Alguns ficam no nível intermediário, como "Fim dos Tempos", que não é lixo, mas também não é bom. "Fragmentado" é mais que razoável, mas não chega perto de "obra-prima". Afinal, se "Split" é obra-prima, "O Sexto-Sentido" é o quê?

Considerando o desnível entre as obras, conclui-se que o diretor sabe fazer bons trabalhos, mas tem uma carreira sem solidez, razão pela qual ainda não se consolidou entre os grandes. Na virada do século, ele era prodígio, agora, inconstante. Não é nenhum gênio, portanto. Em "Split", a direção é muito boa e bastante eficiente. Tratando-se de um suspense (ou terror, a depender do ponto de vista), a atmosfera intrigante é bem montada, deixando o público com dúvidas e curioso em relação ao desfecho. O que Dennis quer? O que significa "a Fera está vindo"? Elas conseguirão se salvar? Logo no prólogo, a câmera se movimenta fora e dentro do carro, manipulando a visão do espectador para que veja apenas um vulto. O diretor de um filme nada mais é que um manipulador do público, logo, Shyamalan acerta nesse e em outros momentos. Infelizmente, o pesado marketing da película não apenas elevou as expectativas (atingidas pela maioria dos cinéfilos, não se pode negar) como também revelou partes ótimas do que apareceria, principalmente do primeiro ato, que é o melhor. O trailer revelou as melhores cenas. No segundo ato, a câmera de Shyamalan permanece ocultando propositalmente parcela do local onde as garotas ficam raptadas: é como se o espectador não pudesse ver muito mais que as vítimas conseguem, ampliando o suspense.

Nesse sentido, a direção de arte é inteligente ao criar um local labiríntico e repleto de detalhes. Cada frame mereceria uma pausa apenas para visualização do que está lá, em especial nos recintos de Kevin (e suas personalidades) onde ninguém mais tem acesso. Mesmo a pobreza dos quartos onde elas ficam é acertada. Também no consultório da dra. Fletcher há acerto: um local bastante impessoal, não muito acolhedor pela seriedade, e repleto de livros que mostram que a profissional estudou muito para estar onde está. A escadaria em formato de espiral no prédio é uma metáfora para a complexidade da mente humana. Seria injusto mencionar a fotografia, que também é ótima, em especial no interior do covil (?) a maior parte das cenas se passa.

Outro que merece elogios é James McAvoy, certamente o que o filme tem de melhor. O trabalho de interpretação de McAvoy é espetacular e digno dos maiores elogios. O ator usa de expressões faciais, entonação e dicção vocais, trejeitos e até timbre de voz para diferenciar as personalidades que habitam o corpo de Kevin. Ou seja, linguagem corporal, voz e expressões faciais são a base para fazer as personagens tão diferentes no mesmo corpo, de sorte que artifícios que ajudam (vestuário, em especial) são dispensáveis quando a narrativa avança. Em outras palavras, no início, o figurino é importante para diferenciar, por exemplo, Dennis de Patrícia, ou Barry de Dennis, porém, quando McAvoy já explorou bastante o conjunto de cada um (a maneira como podem ser reconhecidos para além do figurino), o vestuário é dispensado por circunstâncias do roteiro e, ainda assim, é facilmente possível distinguir Hedwig de Dennis, e assim por diante. Para viver Patricia, basta puxar o casaco sobre os ombros. É assim que McAvoy comprova a competência imensurável da sua atuação: sua face chega a ser suficiente para distinguir as personagens! É a cena em que Dennis revela ser ele, e não Barry, conversando com a dra. Fletcher. Há exagero e maneirismos, é verdade, todavia, revelam-se como um facilitador para a hercúlea tarefa que incumbe ao ator. Também o conteúdo das personalidades é fator diferenciador: Dennis tem fobia por sujeira (limpa a cadeira antes de se sentar, reclama da sujeira do banheiro, manda uma das meninas tirar a blusa porque está com migalhas etc.) e é perfeccionista (arruma objetos da casa da dra. Fletcher, fator este que faz com que ela desconfie não estar conversando com Barry).

O problema reside no roteiro, que contém várias falhas - e é aqui onde os spoilers começam a ser mais intensos. Primeiramente, pela perfídia com o público por fazer uma continuação de uma obra anterior sem anunciá-la como tal, certamente para ter maior bilheteria. Isso não é genial, mas sim desleal. Quem não viu "Kill Bill vol. 1" dificilmente assistirá a "Kill Bill vol. 2" (é um exemplo qualquer) nos cinemas sem ao menos ter visto o primeiro em casa. Porém, se Tarantino tivesse anunciado as obras sem título de continuação e sem marketing de continuação, quem não viu o primeiro e também quem não gostou dele tem mais chances de assistir ao segundo. Ou seja, é uma estratégia de malícia para aumentar a bilheteria. Sagaz, Shyamalan faz disso um plot twist, criando seu próprio universo cinematográfico expandido. Sim, sagaz, porém, desleal. E desleal com quem não viu "Corpo Fechado", pois fica sem entender o final.

Além disso, o plot padece do mesmo mal de "Rua Cloverfield, 10": tem um primeiro e um segundo ato razoavelmente realistas, recaindo em um surrealismo no terceiro que é uma afronta à inteligência humana e, mais uma vez, deslealdade com o público. Não há razão nenhuma para descambar para uma versão exageradamente fictícia, transformando Professor Xavier em Wolverine. Se a Fera fosse um pouco mais forte e mais selvagem, talvez fosse mais aceitável. Mas não, é um super-vilão que vai enfrentar o policial John McClane David Dunn em uma trilogia esquisita. Se a propaganda é de um suspense, fugir para uma ficção científica (?) de segundo escalão é uma afronta à inteligência do espectador. Pior ainda, é ofensivo com as pessoas que possuem T.D.I. (transtorno dissociativo de identidade), que NÃO possuem poderes irreais, mas padecem de uma DOENÇA séria. Francamente, qualquer pessoa com TDI veria a versão de Shyamalan um ultraje!

Mais: qual a razão para a insistência no abuso infantil? O que há de belo nisso? Novamente, a ofensa é clara: a violência contra criança é algo positivo (afinal, salva Casey) e torna a menina igual a Kevin. Ser sexualmente violado quando criança, na visão de "Fragmentado", é algo benéfico! Não é essa a mensagem que o filme passa? Então por que a Fera diz para Casey que "seu coração é puro"? Por que ele não a mata, como fez com as demais, se não por ela ser igual a ele? O abuso infantil é a causa de todos os males psicológicos então? O texto é claro: "os perturbados são os mais evoluídos". A não ser que evolução queira ali significar algo negativo (o que não consta nos dicionários), a conclusão é bastante óbvia. Alegar que essa é a visão de Kevin é um argumento desonesto, pois nada mais é que a mensagem que o filme passa, pois - salvo engano - Kevin está no filme. Em síntese, o filme diz: "parabéns, você foi abusada quando criança, então você é pura, teve algum sofrimento e está salva da morte". Aliás: por que a Fera mata as outras? Por que aquelas meninas? Que garantia tem que elas não sofreram? Quanta inconsistência! Realmente é dito que Dennis observou as garotas para que fossem as vítimas certas. E no caso de Casey? Ela apareceu sem ter sido prevista, ok. Então não deveria ser analisada se era a vítima ideal? Por que as cicatrizes eram garantia de que ela sofreu alguma violência humana? Melhor ainda: qual o sentido de matar as impuras? Maltratá-las não seria uma forma de purificar? Melhor que matar, torturá-las não geraria sofrimento para torná-las pura? Há também uma incoerência: se Dennis/Patrícia/Hedwig (e até Barry) queriam que o caso fosse reconhecido pela comunidade científica, e se a Fera era o argumento irrefutável, o que justifica essa mitologia imbecil de pureza? Como grand finale, a dra. Fletcher, ao invés de salvar a si mesma, prefere deixar um bilhete de salvação para as meninas que estavam trancadas. A psiquiatra comete suicídio? A Fera comeu a sua língua? Isso sem olvidar sua incompetência inigualável, pois, a rigor, ela poderia ter salvado as três se fosse mais racional.

O filme tem muito material bom, porém, é conclusão inafastável de que o roteiro é idiota, inverossímil, ofensivo e inconsistente. "Fragmentado" tem em McAvoy uma atuação inesquecível, em Shyamalan uma direção acertada, mas, no mesmo Shyamalan, um roteiro que se esforça para ser desastroso - no final, consegue.

quinta-feira, 23 de março de 2017

Trainspotting 1 e 2 -- Cinema com Rapadura

TRAINSPOTTING - SEM LIMITES é um filme que fez sucesso de público e crítica em 1996. Para a alegria do seu público, em 2017 surge a continuação, intitulada T2: TRAINSPOTTING. Confira as críticas, publicadas no Cinema com Rapadura (basta clicar nos títulos).



quarta-feira, 22 de março de 2017

Power Rangers -- Go, go!

Aviso: o texto seguinte pode conter spoilers, que, contudo, foram inseridos por necessidade, de modo a não reverberar na experiência cinematográfica. Se você é o tipo de leitor que foge até mesmo dos trailers, melhor ler após assistir ao filme; se, porém, você não se incomoda com pequenos spoilers, aqueles meramente relativos à sinopse e/ou a pequenos fatos, eventualmente contidos até mesmo nos trailers, leia tranquilamente.
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Por mais surpreendente que possa parecer, POWER RANGERS é um bom filme. Evidentemente, não se pode esperar uma direção de Kubrick ou um roteiro digno de Oscar. O longa tem um viés leve e pueril, mas sério dentro do seu próprio universo, exatamente como deve ser. Não é um filme que deixa o espectador refletindo durante dias, nem poderia ser. Ao revés, é um entretenimento divertido e altamente nostálgico - ao menos para quem acompanhava a febre que esse fenômeno causou há alguns anos. Aliás, praticamente tudo do universo PR está lá, o que amplifica a nostalgia, dando fidelidade.

O filme tem um prólogo sensacional: é a Terra na Era Cenozoica, com Rangers alienígenas lutando contra a vilã Rita Repulsa. Muito CGI, uma maquiagem azul eficiente no alienígena Zordon e comunicação em um idioma alienígena. Para continuar em bom nível, a montagem simula um corte usando um único elemento para a transição entre planos e a elipse. A técnica não é fácil, mas demonstra criatividade. E o argumento não poderia deixar de ser outro: cinco adolescentes escolhidos pelo destino para salvar o planeta como Power Rangers (que nada mais são que super-heróis).

O roteiro tem por tema nuclear o valor de uma amizade verdadeira. Afinal, é a reunião de fracassados - é assim que eles mesmos se consideram - que se unem para, com base na força da sua amizade e no trabalho em equipe, lutar contra o mal. Não é um plot original, é verdade, mas é o plot que fez sucesso na década de 1990. Agora até mais desenvolvido, pois, antes de serem heróis, eles precisam ser verdadeiros para si mesmos e para os outros, além de criar vínculos afetivos genuínos. Isto é, eles só são heróis quando a amizade se torna verdadeira, o que é uma inteligência do roteiro - porque a união do grupo, obviamente, não é fácil. Como dito, a película é produzida com fidelidade e respeito em relação à obra original, o que agrada aos fãs, embora, cinematograficamente, não apresente inovação substancial.

Isso não quer dizer, porém, que é mal feito. Pelo contrário, a direção de Dean Israelite é muito eficiente e por vezes inventiva. Logo no começo, há uma cena de ação em que a câmera fica dentro de um carro, com a ação efetiva acontecendo fora dele, apenas girando em trezentos e sessenta graus, como se o espectador estivesse junto com a personagem. Trata-se de uma imersão bem pensada e que não teria o mesmo efeito se a filmagem fosse em planos gerais. Mais adiante, Israelite faz uma parede de água, que protege um local seco. Na primeira aparição, além de um CGI de boa qualidade, os enquadramentos são inusitados e variados, com angulações dinâmicas. As coreografias de luta não são boas, mas esse nunca foi o forte da série original - cabe lembrar que, ao invés de sangrar, os Rangers soltavam faíscas quando golpeados. Não obstante, existem convincentes lutas dentro da água, o que requer um cuidado especial para parecer crível. O básico o diretor também faz: quando o grupo finalmente fala "é hora de morfar" (o que demora, pois depende do vínculo afetivo sincero, como já dito), aparecem juntos, em slow motion, andando em um piso levemente íngreme com uma empolgante música eletrônica tocando. Algumas bobagens não poderiam ficar de fora: uma personagem corta o próprio cabelo com uma tesoura em frente a um espelho, deixando o penteado melhor que o trabalho de um cabeleireiro - aliás, a mesma tesoura consegue fincar em uma parede de um banheiro!

Da mesma forma, o roteiro tem furos e obviedades: locomoção sem explicação (não, não foi por teletransporte), o truque de enganar alguém simulando uma situação e assim por diante. Também tem piadinhas tolas, como aquela do trailer, que só é engraçada em inglês ("I'm black!"). O próprio plano da vilã, conquistar o universo, é um clichê imensurável, o que significa, em tese, falta de criatividade. Contudo, é oportuno reiterar a novidade que o texto traz: antes de serem heróis, os jovens são amigos. A consequência disso é bastante óbvia, bem como as dificuldades que enfrentam, mas essa união afetiva verdadeira como premissa para tudo dar certo não é tão clara na obra original. E vai além, porque a transição dos poderes (em relação à humanidade obsoleta anterior) é lenta, o que dificulta a jornada dos heróis. O final é previsível, todavia, o itinerário não é fácil como era na série. Eles precisam não apenas merecer a condição de Rangers como aprender a lidar com os poderes (e como usá-los).

Com tantos apontamentos negativos, parece que o script é ruim. Entretanto, o roteiro constrói personagens um pouco mais complexas do que se espera do maniqueísmo do subgênero (filme de super-heróis). A fotografia escura pode facilitar a confusão entre Kimberly e Trini, pois as atrizes são um pouco parecidas, todavia, a personalidade dos cinco é bastante distinta. Jason é o herói valente, mas frustrado, que vê seu sonho ruir em razão de um ato próprio. Ele acaba desenvolvendo um senso de liderança em razão das circunstâncias, crescendo enquanto pessoa. É, sem dúvida, a personagem cuja personalidade é a mais desenvolvida (é o que mais se aproxima da figura de protagonista). Ele assume, inclusive, uma posição de irmão mais velho para Billy, onde começa a surgir a amizade que é vetor principal da trama. Billy é o nerd atrapalhado, mas muito inteligente, dividindo-se entre o alívio cômico e o coração do grupo. Coração, pois existem momentos mais introspectivos, o mais longo é o que brilha Trini, cujo arco dramático é o mais inovador. Infelizmente, Jason e Billy usam espaço demais para que os outros apareçam. Mesmo Kimberly, que também tem arco dramático pessoal, não desenvolve tanto a própria personalidade, mas é importante porque indica que mesmo heróis são imperfeitos - passa a mensagem de que todos são humanos e, como tais, falhos. Por fim, Zack é o mais misterioso sobre si, revelando apenas um fator familiar como peculiaridade.

Na atuação, os cinco são bastante satisfatórios: Dacre Montgomery é o galã sério que Jason (Ranger Vermelho) precisa ser; RJ Cyler não é o negro coadjuvante que só serve para fazer piadas - isso até existe, mas seu Billy (Ranger Azul) é fundamental na fita -; Naomi Scott é uma Kimberly (Ranger Rosa) comedida (talvez a única abaixo do nível ideal); Becky G dá a Trini (Ranger Amarelo) o tom introverso que precisa; e Ludi Lin é a encarnação de um Zack (Ranger Preto) extrovertido, intenso e insano. Bryan Cranston é de difícil análise, pois Zordon é quase que apenas um trabalho de voz - em uma personagem razoavelmente equivocada: arrogante, grosseiro e egoísta, salvo por um único momento. O Zordon clássico é um arauto de sabedoria, este é um ranzinza que só sabe reclamar e cobrar. Já a Rita Repulsa vivida por Elizabeth Banks é a que melhor atua em todo o elenco, pois Banks mostra estar confortável e mesmo empolgada com o papel, passando a verossimilhança que a vilã merece.

Cabe mencionar, ainda, a ótima trilha sonora: coerente e contemporânea, com pops eletrônicos bem atuais, mas também a consagrada "Stand by me", em uma versão belíssima. A música-tema também toca, mas é pouco percebida, exceto para os fãs. Em uma cena, é feito um trocadilho com "Survivor", da extinta Destiny's Child. Não, o filme não pode ser ruim. Aliás, um filme que menciona Transformers de uma maneira discretamente jocosa já merece bastante crédito.

domingo, 19 de março de 2017

A Bela e a Fera -- Melhor ficar com o original

Seria melhor inovar muito, esbanjando novidades, como feito em “Malévola”, ou meramente dar nova roupagem, tal qual em “Cinderela”? Certamente, A BELA E A FERA optou por pertencer ao segundo grupo, o que lhe reduz drasticamente o valor artístico.

A sinopse é a mesma da versão de 1991: uma jovem e Bela moça é feita prisioneira por uma Fera cruel, amaldiçoada quando era um príncipe humano. Com o passar do tempo, porém, Bela descobre que Fera não é tão malvada quanto pode parecer e que, na verdade, há uma pessoa agradável além da aparência assustadora – ainda que a própria Fera não saiba disso.

Então é caso de um remake ipsis litteris da versão clássica? Não: existem sim novidades, que, porém, são suaves e por vezes imperceptíveis. Agora, Bela é intelectual (leitora voraz da cidade, inclusive), mas também habilidosa, até melhor que o pai. Sua personalidade é de uma mulher forte, tal qual a sua mãe, rotulada como destemida pelo seu pai – a mãe de Bela aparece um pouco mais, ainda assim, pouquíssimo. Há um avanço nisso, mas o terreno ainda é inexplorado (e poderia dar maiores novidades se aprofundado).

Outra novidade, essa mais substancial, é relativa à maior representatividade no elenco e nas personagens: um bibliotecário negro, um baile com pessoas de variadas etnias e até uma travesti já ao final – nesse caso, infelizmente, a comicidade é uma indireta da impossibilidade de tratar a matéria de maneira mais séria e realista. O mesmo ocorre com LeFou, apaixonado por Gaston – um homossexual evidente, ainda que não expresso, negado apenas, talvez, por preconceito de quem não quer enxergar os fatos –, que também tem a homossexualidade como objeto de piada (o coadjuvante é claro alívio cômico), o que indica falta de coragem para tratar com seriedade um assunto sério. Isso remete a um pretérito hollywoodiano, em que homossexuais eram estereotipados, sempre participando como coadjuvantes, e sempre servindo como motivo de riso. De todo modo, melhor que se façam presentes do que ignorados como outrora.

Assim, o filme consegue ser fantástico e entediante ao mesmo tempo. Em razão do fabuloso design de produção – cenários, figurinos, arte, é tudo belíssimo –, impossível negar que a fantasia fascina. A cena da dança, por exemplo, tem toda a magia que apenas os Estúdios Disney conseguem expor. Porém, como são poucas as novidades, o filme se torna previsível do começo ao fim, sinônimo de tédio. A fantasia aparece já no prólogo (que conta com a clássica expressão “once upon a time”), onde o argumento do longa aparece com a bruxa – que, no remake, tem um pouco mais de espaço. Afinal, aqui já se pode concluir: o filme é sim um remake, só não é cópia idêntica.

Bill Condon é um diretor cuja qualidade dos trabalhos pode ser muito questionada. Seu currículo inclui o aceitável “Sr. Holmes”, mas também os intragáveis dois capítulos finais da saga “Crepúsculo”. Em "A Bela e a Fera", o trabalho foi facilitado porque é tradução em live action do que já foi feito antes, ainda assim, as atualizações são boas, como a linguagem 3D, que, em sua maioria, é bem usada, ainda que dispensável - ou seja, não faz valer o ingresso mais caro. Por exemplo, o castelo fica numa região onde é sempre inverno, símbolo de tristeza. Metáfora coerente, mas repetida da versão anterior. O filme foi filmado tanto em chroma key que fizeram a Fera com CGI - teria sido melhor apostar mais em maquiagem e menos em CGI.

Quanto às músicas, é um filme mais musical que o de 1991, pois as canções são mais constantes - em sua imensa maioria, são as mesmas, cantadas por outros artistas. Uma das cenas musicais tem um show pirotécnico desnecessário, fruto do exagero em CGI. Especificamente no aspecto musical, o longa deixa a desejar, principalmente em termos de inovação (são apenas duas músicas novas). Porém, vence no quesito Gaston, que aqui é um vilão mais feroz, fazendo o espectador questionar quem é a verdadeira fera.

Nesse sentido, os coadjuvantes vão muito bem. Ewan McGregor é facilmente o melhor deles, mantendo Lumière como o empregado mais esperto e divertido, oposto do Cogsworth de Sir Ian McKellen, um relógio medroso. A interação dos dois rende momentos bem divertidos e seu trabalho de voz é irretocável. Já Emma Thompson e Stanley Tucci, respectivamente, como Mme. Samovar e Cadenza, deixam a desejar, talvez pelo menor espaço. O mesmo vale para Audra McDonald, exagerada nas entonações vocais. No polo antagonista, o Gaston de Luke Evans é excelente, um dos melhores trabalhos do ator, provavelmente porque a personagem se assemelha ao ator, inclusive por serem ambos "canastrões". Elogiar Kevin Kline se mostra desnecessário, primeiro porque já é um ator confiável, segundo porque o roteiro agora lhe dá um pouco mais de espaço, o que enriquece a personagem.

O casal principal é também muito bom. Emma Watson ainda tem muito da Hermione e é difícil separá-la da saga que a deu notoriedade. Entretanto, como Bela ela é convincente, não deixando a desejar em nada. Ao revés, quando ela faz a transição da raiva para a paixão, acertadamente gradual, Watson se revela boa atriz. Difícil analisar a atuação de Dan Stevens, pois a máscara de CGI prejudica o olhar atento no que se refere à atuação. Isto é, com um CGI tão carregado, o que resta, em tese, é a voz do ator. Porém, nem isso sobra, pois há muito efeito digital também na voz. Nas poucas cenas que ele aparece, ainda assim, parece confortável no papel. O que é mais importante é que os dois passam a mensagem principal que é extraída do romance, qual seja, a de que um romance deve ter por parâmetro as virtudes para além da beleza exterior. Já dizia Saint-Exupéry: o essencial é invisível aos olhos.

Há um outro problema: vários furos no roteiro. Quando Bela foge, como o cavalo ainda está lá, se teria levado seu pai? Quando Fera leva um tiro, como sua roupa não fica sujo? Como Gaston tem tanto poder perante a comunidade, não existe um líder político? Como Bela consegue sair e não ser atacada pelos lobos pela segunda vez? Alegar que são problemas do roteiro do longa de 1991 é inócuo, pois nada impediria uma solução agora.

Em síntese, A BELA E A FERA provavelmente vai deixar satisfeito quem já é fã do filme de 1991. Não é tão bom, não tem a mesma magia, mas é bonito e razoavelmente bem feito. Ainda assim, melhor ficar com o original.

terça-feira, 14 de março de 2017

Negação -- Cinema com Rapadura

O Holocausto realmente existiu? NEGAÇÃO é um filme que traz à tona essa questão, que pode parecer óbvia, mas não é - ao menos não foi numa incrível história real. Nota 8 na minha crítica (clique aqui para ler).

segunda-feira, 13 de março de 2017

Versões de um Crime -- Cinema com Rapadura

Para um jurista, em tese, VERSÕES DE UM CRIME seria um filme fascinante. Mas não é o caso, o filme é muito fraco, conforme desenvolvo na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura (clique aqui para ler).

quinta-feira, 9 de março de 2017

Kong: A Ilha da Caveira -- Cinema com Rapadura

Entrou hoje em cartaz o filme KONG: A ILHA DA CAVEIRA. Confira a minha crítica do longa, publicada no Cinema com Rapadura, clicando aqui.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Loving -- Cinema com Rapadura

Clique aqui para conferir a minha crítica de LOVING, publicada no Cinema com Rapadura. O filme narra uma história que rompeu barreiras nos EUA, só por isso merece ser visto. Vale mencionar, ainda, que Ruth Negga concorreu ao Oscar de melhor atriz pelo seu desempenho.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Logan -- Nada mais, nada menos (crítica sem spoilers!)

Para os fãs do Carcaju, LOGAN é o primeiro filme digno do Wolverine. Entretanto, talvez não satisfaça os fãs dos X-Men, que buscam algo mais amplo sobre o rico universo dos mutantes. Não é dessa vez, pois o filme é sobre o Wolverine.

O filme tem como temática principal a solidariedade e o amor ao próximo. Isso pode até não parecer compatível - à primeira vista - com a personalidade do Wolverine, todavia, mesmo nas suas primeiras aparições no cinema, já era possível que, por trás do esqueleto de adamantium, há um bom coração. Não por outra razão, Vampira encontra nele uma figura paterna. Agora, Logan está velho, com os poderes enfraquecidos e bastante solitário. Os dois únicos mutantes com quem convive são Caliban (Stephen Merchant) e Charles Xavier (Patrick Stewart). Em razão da idade (noventa anos), Xavier está debilitado, tendo em Logan e Caliban seus enfermeiros. Quando aparece, de um lado, duas pessoas pedindo ajuda, e, de outro, um sujeito misterioso intimando o herói a entregá-las, Wolverine se vê obrigado a ajudar as duas, sem saber o nível do seu envolvimento na história.

Agora, Logan está muito enfraquecido, física e psicologicamente. Logo no prólogo isso fica bem claro, onde se vê um herói caído, cansado e despreocupado com a própria integridade física. Ele cicatriza e melhor, mas não como antes. Suas garras de adamantium ainda funcionam, mas não como antes. E ele continua ingerindo bastante álcool, na ausência de um horizonte a ser visto da sua perspectiva. Os cabelos brancos e a barba branca são reflexo do descuido pessoal, embora o emprego o obrigue a usar ternos. Como diz Caliban, ele está "doente por dentro". O intento é de uma humanização da personagem, o que é atingido. A empreitada que ele fica prestes a enfrentar pode ser maior que suas habilidades, todavia, a coragem e o senso protetivo continuam intactos. É isso que o faz ser quem é.

Também é nesse norte que Hugh Jackman interpreta muito bem o papel principal (em tese, pela última vez). Não há grande diferença agora, exceto pela caracterização estética, em especial as cicatrizes que antes se curavam plenamente. Jackman se vê despido de qualquer vaidade que possa ter (há não muito tempo atrás, ele exibiu o corpo nu) para convencer na versão proposta. É visível o talento (já inquestionável) do ator em uma cena que lhe exigiu maior emoção, saindo do ritmo frenético do longa. Também Patrick Stewart aparece envelhecido e debilitado, na sua melhor interpretação na série X-Men. Sir Patrick já é um ator consagrado que brindou os fãs da franquia com um Xavier fiel ao original. Agora, o Professor X está senil, falando coisas sem sentido, completamente fora de si. Pior, sem o pleno domínio dos seus impactantes poderes, embora ainda os tenha. Principalmente no primeiro ato, Stewart vive o melhor Charles Xavier já visto no cinema. O Caliban de Stephen Merchant não tem o mesmo destaque (exceto pela pesadíssima maquiagem), mas é eficiente.

Diferente do que foi visto até agora, o diretor James Mangold não teve freios na violência e no sangue (aliás, o prólogo é um belo resumo do que aparece adiante). São vários os membros decepados e diversas as cenas de ação bem feitas: a câmera se movimenta, sem deixar todo o trabalho para a montagem; o sangue aparece sem parecer uma personagem à parte; a fotografia em tons pastéis é coerente; são boas as coreografias de luta (com uma ressalva que ainda será feita); e a mixagem de som é certeira na difícil missão de dividir os efeitos sonoros - ainda mais em se tratando de um road movie que exige muitos sons de carros e colisões. Como prevalecem cenários abertos, a construção dos espaços ocupados é singela, inclusive no principal espaço fechado (exceto os veículos), onde inicialmente aparece Xavier. Mangold é certeiro também nas cenas de surto do telepata, criando uma atmosfera incômoda até mesmo para o público.

"Logan" é o melhor filme da trilogia de Wolverine, o que, todavia, não significa muito. O roteiro é o melhor dos três, mas não possui nada de extraordinário que torne o filme inesquecível. Como sempre, parte de uma premissa maniqueísta, o que é marcante na franquia X-Men, até por se tratar de heróis. Embora Wolverine não seja o herói tradicional, ao menos no cinema, ele é representação clara do "lado do bem". O problema é que o polo antagonista é extremamente frágil. O vilão principal é Donald Pierce, interpretado de maneira adequada por Boyd Holbrook. Em síntese, é um vilão que não coloca medo em ninguém. Não é cruel, não é poderoso, não é amedrontador, é apenas o vilão. Persistente, mas em nada perigoso. Como Wolverine vai ter medo de alguém que admite ser seu fã? Claro que a fala é engraçada dentro do contexto, mas fragiliza ainda mais a personagem. Também habita o polo antagonista o dr. Zander Rice (Richard E. Grant, no máximo razoável), outro vilão insosso.

É acertada a escolha da solidariedade como temática condutora, inclusive porque a franquia sempre teve um viés social (e não seria diferente na década de vinte do século XXI, tempo em que a trama se passa). Trata-se de matéria que permeia o plot: Logan cuida de Xavier, os dois acabam ajudando desconhecidos na estrada e, claro, protegem Laura do vilão. No entanto, Laura é uma decepção. Ela deveria ser uma afilhada (conforme se depreende do roteiro) de Logan, aprendendo como usar suas habilidades de mutante. Contudo, é uma menina teimosa com perfil de adolescente que, pessoalmente, não é lá muito interessante (a história por trás da personagem é muito mais sugestiva). Sua passividade implosiva começa charmosa, porém, o silêncio é entediante. Talvez o grande problema seja que a menina não é boa atriz, o que fica perceptível quando as cenas exigem maior drama. Dafne Keen pode ser uma criança adorável, mas precisa caminhar muito para ser atriz - e alegar que seria exigir demais de uma infante é pura ignorância, basta ver Sunny Pawar em "Lion" para comprovar que idade não é sinônimo de talento. Duas incoerências também chamam a atenção negativamente. Laura pode ter os poderes de Wolverine, mas não tem a mesma experiência em técnicas de luta. Nesse caso, como ela pode ter uma coreografia tão boa? E mais: Logan assiste a um vídeo em um celular, filmado por Gabriela (Elizabeth Rodriguez). Se ela não tinha muito material, filmando imagens reais pelo próprio celular, como ela conseguiu editar tão bem o vídeo? Não, o plot twist no clímax da ação não compensa esses questionamentos (muito menos a inexpressividade da pequena).

Sem grandes equívocos e com uma trilha sonora mais presente que o normal (felizmente, de qualidade), a trilogia se encerra de maneira satisfatória. O roteiro não é primoroso, mas se mostra hermético e harmônico em si mesmo. Não é um desfecho grandioso, mas com certeza é satisfatório, com muita ação, bastante violência e um Wolverine nunca antes visto no cinema. E ainda alguma nostalgia, em especial quando Logan e Xavier mencionam a escola. Se era isso que o público queria, é isso que vai encontrar. Nada mais, nada menos.