sábado, 28 de janeiro de 2017

A Qualquer Custo -- Cinema com Rapadura

Se está entre os principais indicados ao Oscar, é bom. Certo? Nem sempre. É o caso de A QUALQUER CUSTO? Confira na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura (clique aqui)!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A Espera -- Cinema com Rapadura

Clique aqui para conferir a minha crítica publicada no Cinema com Rapadura do filme A ESPERA, que conta com Juliette Binoche no elenco e não muitos outros atributos positivos.

Max Steel -- Cinema com Rapadura

MAX STEEL (o filme, não o boneco animado) recebeu nota 2 em minha crítica no Cinema com Rapadura. Clique aqui e leia a crítica.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Oscar 2017 -- Primeiras impressões

Hoje, 23 de janeiro de 2017, a Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood anunciou seus indicados para a premiação que ocorrerá daqui aproximadamente um mês. Todos já estão comentando o fato de "La La Land", por exemplo, ter recebido quatorze indicações, igualando "Titanic" (1997) e "A Malvada" (1950). Nem todos os filmes chegaram no Brasil - aliás, "Fences", por exemplo, nem tem data de estreia aqui. Contudo, é interessante já fazer uma breve análise.

Lista de indicados:


Melhor Filme
- “A Chegada”
- “Fences”
- “Até o Último Homem”
- “A Qualquer Custo”
- “Estrelas Além do Tempo”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Lion – Uma Jornada Para Casa”
- “Manchester à Beira Mar”
- “Moonlight: Sob a Luz do Luar”

Melhor Diretor
- Damien Chazelle – “La La Land – Cantando Estações”
- Mel Gibson – “Até o Último Homem”
- Barry Jenkins – “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- Kenneth Lonergan – “Manchester à Beira Mar”
- Denis Villeneuve – “A Chegada”

Melhor Ator
- Casey Affleck – “Manchester à Beira Mar”
- Andrew Garfield – “Até o Último Homem”
- Ryan Gosling – “La La Land – Cantando Estações”
- Viggo Mortensen – “Capitão Fantástico”
- Denzel Washington – “Fences”

Melhor Atriz
- Ruth Negga – “Loving”
- Isabelle Huppert – “Elle”
- Natalie Portman – “Jackie”
- Emma Stone – “La La Land – Cantando Estações”
- Meryl Streep – “Florence: Quem é Essa Mulher?”

Melhor Ator Coadjuvante
- Mahershala Ali – “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- Jeff Bridges – “A Qualquer Custo”
- Michael Shannon – “Animais Noturnos”
- Lucas Hedges – “Manchester à Beira Mar”
- Dev Patel – “Lion: Uma Jornada Para Casa”

Melhor Atriz Coadjuvante
- Viola Davis – “Fences”
- Naomie Harris – “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- Nicole Kidman – “Lion: Uma Jornada Para Casa”
- Octavia Spencer – “Estrelas Além do Tempo”
- Michelle Williams – “Manchester à Beira Mar”

Melhor Roteiro Original
- “La La Land – Cantando Estações”
- “A Qualquer Custo”
- “O Lagosta”
- “Manchester à Beira Mar”
- “20th Century Women”

Melhor Roteiro Adaptado
- “Lion: Uma Jornada Para Casa”
- “Fences”
- “Animais Noturnos”
- “Estrelas Além do Tempo”
- “Moonlight: Sob a Luz do Luar”

Melhor Filme Estrangeiro
- “O Apartamento” (Irã)
- “Land of Mine” (Dinamarca)
- “A Man Called Love” (Suécia)
- “Tanna” (Austrália)
- “Toni Erdmann” (Alemanha)

Melhor Animação
- “Zootopia: Essa Cidade é o Bicho”
- “Minha Vida de Abobrinha”
- “The Red Turtle”
- “Moana: Um Mar de Aventuras”
- “Kubo e a Espada Mágica”

Melhor Fotografia
- “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- “A Chegada”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Lion: Uma Jornada para Casa”
- “Silêncio”

Melhor Edição
- “A Qualquer Custo”
- “A Chegada”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- “Até o Último Homem”

Melhor Trilha Sonora
- “Moonlight: Sob a Luz do Luar”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Lion: Uma Jornada Para Casa”
- “Jackie”
- “Passageiros”

Melhor Canção Original
- The Empty Chair – “Jim: The James Foley Story”
- City of Stars – “La La Land – Cantando Estações”
- Audition (The Fools Who Dream) – “La La Land – Cantando Estações”
- Can’t Stop the Feeling – “Trolls”
- How Far I’ll Go – “Moana: Um Mar de Aventuras”

Melhor Direção de Arte
- “Animais Fantásticos e Onde Habitam”
- “A Chegada”
- “Passageiros”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Ave, César”

Melhor Figurino
- “Florence: Quem é essa Mulher?”
- “Jackie”
- “Aliados”
- “La La Land – Cantando Estações”
- “Animais Fantásticos e Onde Habitam”

Melhor Edição de Som
- “Até o Último Homem”
- “A Chegada”
- “La La Land: Cantando Estações”
- “Sully: O Herói do Rio Hudson”
- “Horizonte Profundo – Desastre no Golfo”

Melhor Mixagem de Som
- “Até o Último Homem”
- “La La Land: Cantando Estações”
- “A Chegada”
- “Rogue One – Uma História Star Wars”
- “13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi”

Melhores Efeitos Visuais
- “Kubo e as Cordas Mágicas”
- “Doutor Estranho”
- “Horizonte Profundo – Desastre no Golfo”
- “Rogue One – Um História Star Wars”
- “Mogli – O Menino Lobo”


Melhor Maquiagem e Penteado
- “Esquadrão Suicida”
- “A Man Called Ove”
- “Star Trek: Sem Fronteiras”


Agora sim, os comentários, referente aos filmes que assisti até agora. Uma análise mais específica será feita com maior proximidade em relação à premiação.

Não há dúvida que "La La Land - Cantando Estações" é o grande destaque - confira a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura, clicando aqui. Damien Chazelle concorre (e tem grandes chances) como melhor diretor; Ryan Gosling, como melhor ator (uma das indicações mais injustas, pois Gosling não dá sequer uma das suas melhores interpretações); Emma Stone tem chances como melhor atriz. O filme foi indicado, ainda, a melhor roteiro original (talvez um exagero em razão da simplicidade, mas há justiça em razão do caráter hermético do script, sem pontas soltas), melhor fotografia, montagem, direção de arte e figurino. Claro, como ótimo musical que é, também concorre nas categorias sonoras: trilha sonora, canção original (com duas concorrentes!), edição de som e mixagem de som. O longa tem boas chances nessas categorias essencialmente técnicas, em especial trilha sonora e canção original. Embora tenha alcançado "Titanic" nas indicações, é pouco provável que faça recorde também nas vitórias (onze estatuetas, que apenas "Ben-Hur", "Titanic" e "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei" conseguiram), o que não significa que a fita não merecerá se ganhar. Ao contrário, o número de indicações é indício do quão magnífico o filme é, conforme eu ressaltei na crítica. Evidentemente, a aposta do momento como melhor filme é "La La Land", todavia, isso pode mudar com o decorrer da campanha (afinal, trata-se de uma eleição).

Se para "La La Land" a nota que dei foi dez, "A Chegada" não fica muito atrás. Entrando em cartaz no final de 2016, não foi difícil indicá-lo como um dos melhores do ano, com a nota nove e meio (confira a crítica clicando aqui). Denis Villeneuve foi indicado como melhor diretor e a ausência do nome da Lois Lane Amy Adams no rol das melhores atrizes surpreendeu muitos, até porque ela mereceria a honra tanto por "A Chegada" quanto por "Animais Noturnos". O filme também poderá ganhar as estatuetas de melhor roteiro adaptado (grandes chances), fotografia (idem), direção de arte (nem tanto), edição de som e mixagem de som. Esse longa também concorre como melhor filme, mas tem menos chances porque, de fato, não chega no mesmo nível. Enquanto "La La Land" faz história, "A Chegada" vai ser lembrado de forma, talvez, menos enérgica.

Além da surpresa na ausência de Amy Adams entre as atrizes, "Florence: Quem é Essa Mulher?" surpreende por receber duas indicações: melhor atriz (Meryl Streep, que desta vez não teve tanto brilho e muito provavelmente não vencerá) e melhor figurino (aceitável). O filme não gerou grande repercussão - apesar da presença de Streep -, mas é possível ler a minha crítica, publicana no Cinema com Rapadura, clicando aqui. Nas categorias de atuação, Casey Affleck ("Manchester à Beira Mar") e Viola Davis ("Fences") são os favoritos como melhor ator e melhor atriz coadjuvante, respectivamente. A Academia fez uma menção honrosa ao indicar Viggo Mortensen como melhor ator por "Capitão Fantástico", longa que merecia ser lembrado também, por exemplo, pelo roteiro. Seus atributos podem ser conferidos na minha crítica no Cinema com Rapadura, clicando aqui. Isabelle Huppert encantou a todos por sua performance, merecendo a indicação e, com boa campanha, terá chances concretas (confira clicando aqui a crítica de "Elle").

Com o perdão da ambiguidade, a Academia homenageou os animais em algumas indicações"Animais Noturnos" tem como representante Michael Shannon para concorrer como melhor ator coadjuvante (crítica aqui) - merecia mais indicações - e "Animais Fantásticos e Onde Habitam" (crítica aqui) foi indicado em melhor direção de arte e melhor figurino. Falando neles, "Zootopia: Essa Cidade é o Bicho" provavelmente vencerá como melhor animação, pois realmente é muito superior aos concorrentes. Trata-se de uma das melhores aventuras animadas dos últimos tempos, merecendo ser conferido também por adultos (que geralmente pensam que todas as animações são voltadas ao público infantil, o que nem sempre é verdade). Clique aqui e leia a minha crítica, também no Cinema com Rapadura. "Moana - Um Mar de Aventuras" corre por fora por ser Disney (clique aqui e confira a crítica publicada aqui no Recanto).

No CcR também escrevi (clique aqui para ler) sobre "Doutor Estranho", dando nota sete, mas ressaltando que, nos efeitos visuais, o filme é realmente fenomenal, tendo dura concorrência contra "Rogue One - Uma História Star Wars" (clique aqui e leia a crítica no Recanto do Cinéfilo) e "Mogli - O Menino Lobo". Quando à maquiagem e penteado, é irônico ver um filme ruim indicado com justiça na categoria - é o caso de "Esquadrão Suicida". Na minha crítica publicada no Recanto (clique aqui), ressaltei o atributo, porém, como filme, o rival "Star Trek: Sem Fronteiras" (também com crítica no RdC, clique aqui para ler) é muito superior. Dois filmes de pouca representatividade ainda receberam crítica aqui no Recanto: "Sully: O Herói do Rio Hudson" (clique aqui) concorre na edição de som (Tom Hanks chegou a ser cogitado como melhor ator), e "Passageiros" (clique aqui) em trilha sonora e direção de arte. Nenhum deles deve ganhar.

Por fim, de todos que foram indicados, "Café Society" fez falta, podendo concorrer em roteiro, direção e direção de arte, por exemplo (crítica aqui). De todo modo, a lista é muito satisfatória, sem injustiças gritantes - exceto, talvez, a ausência de Amy Adams, a nova DiCaprio de Hollywood. Pouco pode ser dito dos principais nomes porque muitos ainda não chegaram no Brasil - é o caso de "Fences", "Até o ùltimo Homem", "A Qualquer Custo", "Estrelas Além do Tempo", "Lion - Uma Jornada Para Casa" e "Monlight: Sob a Luz do Luar". "Manchester à Beira Mar" é um caso excepcional: já teve data oficial de estreia consumada, mas passou em pouquíssimas salas brasileiras - e em raras cidades. São esses os próximos nomes mais aguardados, que ainda receberão texto individualizado, nas próximas semanas. A nós cinéfilos cabe assistir a todos e torcer pelos favoritos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Eu, Daniel Blake -- Retrato do Zeitgeist

O Festival de Cannes foi agraciado com uma comédia de erros sem igual, um drama cômico (e não uma comédia dramática, pois prevalece a tristeza em detrimento do humor, também presente, mas em menor quantidade) capaz de deixar atônito o mais racional espectador. Trata-se de EU, DANIEL BLAKE, produção britânico-franco-belga que, apesar da origem, dialoga muito bem com países como o Brasil. Isto é, o retrato elaborado pelo filme é tão familiar ao público brasileiro que poderia tranquilamente se passar aqui, e não em Londres.

O nome do título pode parecer simplista, quando, na verdade, rende uma das melhores cenas do longa. Daniel Blake (Dave Johns) é um marceneiro que, após um ataque cardíaco, é obrigado a se afastar temporariamente do trabalho, buscando assistência social do Estado para prover a própria subsistência. Entretanto, Blake enfrenta enorme dificuldade para conseguir a ajuda estatal, principalmente em razão das burocracias homéricas e da sua imensa dificuldade com computadores. Na sua empreitada atrás de um auxílio a que tem direito, ele acaba conhecendo e depois se aproximando de Katie (Hayley Squires), mãe solteira de duas crianças que também não dá conta do sustento de si e dos filhos. Ou seja, uma narrativa comum, que pode se encaixar na vida de qualquer pessoa que não tenha nascido em berço de ouro. Sem julgamentos moralistas, a proposta de "Eu, Daniel Blake" é retratar o comum, acompanhar um cidadão que precisa da ajuda do governo e que encontra dificuldades enormes para efetivar o que é apenas direito seu.

O filme levanta diversos questionamentos e reflexões. Seria o cidadão, para o Estado, apenas um número? Isso justifica o tratamento impessoal? Existe um exagero na burocracia? De onde vem o caos na assistência social? Repleta de camadas, a fita menciona pessoas marginalizadas que estão próximas do protagonista: não apenas Katie, mas um vizinho seu que se vê impelido a vender tênis contrabandeado para auferir renda, em razão dos ínfimos ganhos no mercado de trabalho londrino. Nesse sentido, em Londres, o mercado de trabalho não é um corredor com várias portas abertas. Evidentemente, isso não é só lá. Seria esse o Zeitgeist ocidental?

A evolução da narrativa é sensacional. Com bastante humor, sem deixar de lado a seriedade inerente ao tema, o espectador consegue enxergar o lado ruim da tecnologia, referente ao analfabetismo digital. A visão da tecnologia como auxílio da humanidade já é solidificada, todavia, ela pode também ser vilã - e o filme mostra isso muito bem. Computadores e smartphones podem ser uma realidade cotidiana para a maioria, mas não para todos. No caso de Daniel Blake, o sofrimento não é apenas com computadores, vez que o governo não lhe é muito gentil. Novamente fiel à realidade, ele encontra no serviço social pessoas de diferentes perfis. Infelizmente, parece que nem todas são vocacionadas à função. Chega a ser concomitantemente revoltante e desesperadora a situação na qual Blake se encontra, um labirinto sistêmico feito para desamparar o cidadão a partir de uma legitimidade institucional. Pior é pensar que Daniel Blake não está apenas na ficção, mas que existem muitos naquele contexto (ou até pior) no mundo todo.

A situação de Katie não é menos dramática, cabendo a ela uma das cenas mais dramáticas da película. Quando Daniel e Katie interagem, torna-se perceptível a sensibilidade daquelas pessoas comuns, unidas pela solidariedade entre eles. Aos poucos, ele assume uma posição na família com o mero vínculo da fraternidade, sendo o afeto o ponto nevrálgico de suas vidas pessoais, isto é, justamente o que lhes falta (além de dinheiro, é claro). A materialização do carinho entre eles deságua nos filhos de Katie, que têm em Daniel uma figura paterna sem autoritarismo (estaria mais próximo de um avô).

O excelente roteiro acerta não apenas na narrativa em si como também na construção das personagens. O mau humor de Daniel Blake engana apenas nos minutos iniciais, ficando evidente que ele tem um enorme coração - tanto é assim que ajuda uma desconhecida. Katie poderia recair em personas estereotipadas, contudo, o plot prefere conceder a ela um posto nobre cuja sustentação é a amizade sem segundas intenções - e que isso não dê a entender que o filme é no estilo feel good. O bom trabalho do elenco corrobora para a identificação cinematográfica secundária das personagens, em especial, claro, Dave Johns, que atinge o lado humano da personagem de maneira a cativar no público o seu espírito de indignação e altruísmo.

Não fica atrás a competente direção de Ken Loach, que, se não alcança o brilhantismo, é eficaz numa tarefa ingrata. A burocracia que Blake enfrenta poderia se tornar enfadonha no longa, a opção pelo humor em doses tópicas se revela inteligente na medida em que escapa do tédio e facilita a já mencionada identificação cinematográfica secundária. A opção pelo minimalismo - exemplo é o prólogo, que consegue ser didático sem ser simplista, engraçado sem deixar de ser sério - é compatível com a proposta, distante de invencionices cabíveis, talvez, em outros gêneros. O realismo na mise en scène se torna explícito nas tomadas em que as personagens fazem caminhadas e enfrentam grandes filas, deixando fidedigna a contextualização. Ironicamente, é justamente ao fazer o básico que Loach encerra a sua obra com um grand finale, deixando estupefato o espectador que concorda com aquela visão de mundo. De ruim, apenas uma montagem sem norte técnico, que chega ao cúmulo de usar fades dentro de uma mesma sequência (como a da lan house), mas outras técnicas em outros momentos. Os fades são incômodos, mas a falta de propósito na sua utilização é de uma atecnia incompreensível.

A provável resposta a uma pergunta elaborada alguns parágrafos acima é positiva. EU, DANIEL BLAKE é um lamentável retrato do Zeitgeist ocidental (melhor excluir o oriente, fundado em premissas diferentes) - evidentemente, no que se refere à relação Estado-cidadão -, uma realidade banal, ainda que triste. Sua banalidade não obsta a indignação, mas não é suficiente para uma mudança de paradigma. É como se a existência de Daniel Blake fosse inafastável do aparato estatal como é concebido.  O status quo é péssimo, o que o longa faz é uma denúncia. O que não é pouco.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Assassin's Creed -- Desistência consumada

O primeiro grande blockbuster de 2017 chegou com a expectativa baixa em razão da recepção fria nos EUA - em especial, claro, da crítica. Não se pode negar: ASSASSIN'S CREED é um filme ruim. Filmes baseados em jogos costumam ser ruins, todavia, tendo um bom elenco, em tese, a decepção não seria tão grande. Mas não, comete o mesmo erro dos outros filmes baseados em jogos, que é partir da premissa que todos os espectadores conhecem o contexto, como se o público inteiro já tivesse jogado - ou que apenas quem jogou assiste ao filme (menos provável, não é?). Mastigar em demasia não é bom, mas a obra precisava ser mais mastigada para se tornar tragável, caso contrário, o resultado (que é o que ocorre) é uma indigestão. As explicações são nebulosas e excessivamente breves, o que impede que o espectador comum se sinta inserido na trama.

Trama que é praticamente inexistente, tendo em vista que o roteiro é muito mal elaborado, certamente um dos piores dos últimos anos. O protagonista é Callum "Cal" Lynch (Michael Fassbender), que, por meio de uma tecnologia capaz de desbloquear memórias, recupera a vida do seu ancestral Aguilar, no medievo espanhol. Cal descobre que Aguilar fazia parte de uma seita, os Assassinos, e que teria escondido a Maçã do Éden, artefato que a seita inimiga, os Templários, também desejam. Apesar de sentenciado à morte, ele acorda nas dependências de uma empresa que dispõe dessa tecnologia e que quer revolucionar o mundo com as memórias de Cal, encontrando a Maçã do Éden. A empresa é coordenada pelo misterioso Rikkin (Jeremy Irons) e sua filha Sofia (Marion Cotillard), cujos planos não são revelados para Cal. Ou seja, uma verdadeira bagunça sem explicação e sem nexo. É possível que a pessoa que conhece bem o jogo entenda isso tudo, mas não é esse o caso do grande público e não é isso que deve ser feito em um filme, afinal, diferentemente do jogo, que comumente cai em desuso com inovações constantes, a sétima arte é perene. Isso sem contar que as mídias são muito distintas.

Sendo mais enfático, o roteiro é ruim em todos os aspectos: construção de personagens, contextualização diegética, evolução narrativa e desfecho. Todos eles merecem menção específica, salvo o desfecho, para evitar spoilers, como sempre. Não é dificíl perceber que Cal é o protagonista. Mas quem é Cal? O que ele fazia? Quais suas atividades cotidianas? Como ele viveu a juventude após o evento trágico visto no início da fita? Por que ele teria matado alguém? São tantas dúvidas que se torna impossível identificar-se com Cal, o que prejudica bastante a experiência. Ora, a identificação cinematográfica secundária é fundamental, no caso de Cal, como pode o espectador torcer por ele sem saber quem ele é? Evidentemente, os coadjuvantes são construídos de maneira ainda mais superficial. A contextualização diegética é terrível, vez que são atiradas mitologias praticamente sem explicação, presumindo aceitação automática em razão de um discurso pseudocientífico. É com isso que terminologias como "efeito de sangramento" e "memórias genéticas" estão lá simulando um ar de seriedade, com conceitos mínimos que impedem que se possa afirmar que não há conceito algum. Isto é, até existe alguma explicação, contudo, extremamente superficial. Os anciãos, por exemplo, quem são? O que planejam? Não se pode olvidar, ainda, as várias falhas na mitologia - por exemplo, se Aguilar é ancestral (antepassado) de Cal, é uma pessoa diferente, então, como poderia Cal recordar as memórias? Elemento central é o animus, que permite a regressão, porém, também é uma ideia equivocada, não apenas pelo tom farsesco, como, inclusive, pelo paradoxo de permitir acrobacias enquanto prende Cal pela cintura. Repleto de obviedades e previsibilidades, o texto permite que Rikkin e Cal conversem, mas o objetivo do primeiro é elementar, o que reduz o impacto da cena. Para piorar, o plot sugere um romance para Aguilar, que, todavia, jamais é verticalizado - e que jamais contribui na narrativa. São tantos equívocos no script, mas tantos, que simplesmente não há salvação para o longa no que se refere ao texto.

Engana-se quem pensa que a direção salva. Justin Kurzel já foi superestimado com "Macbeth" (Shakespeare certamente se revirou no túmulo ao ter conhecimento da atrocidade), agora ele mostrou o potencial em fazer fitas de má qualidade. A direção é um descalabro, caótica como poucas (no pior sentido possível). O 3D é péssimo (o uso de pouca profundidade de campo deixa claro o desconhecimento da linguagem 3D), as imagens não são nítidas (prevalece uma fotografia escurecida, cheia de sombras e nuvens), o parkour típico do jogo se faz presente em dose pequena, há um exagero nos cortes que prejudica o acompanhamento da ação, são péssimas as coreografias de luta (sempre exibicionistas, com poses desnecessárias ao estilo "Kung Fu Panda") - sem contar as patéticas cenas em que ele luta com um fantasma que só ele vê - e, ainda, o CGI é completamente amador (principalmente nas imagens de voo da águia). Não importa se isso é originário do jogo, o que importa é que é mal feito. O design de som não é marcante, ao contrário do figurino (em especial de Cotillard), que é deplorável.

Nem mesmo o bom elenco salva o filme, já que o material de base é ruim. Não poderia Michael Fassbender fazer uma interpretação aceitável com um roteiro frustrante para o ator. E o mesmo se aplica a Marion Cotillard e mesmo Jeremy Irons: ela parece perdida em meio a uma narrativa nebulosa; ele trabalhou no piloto automático.

Não é difícil perceber que ASSASSIN'S CREED é uma ação genérica, provavelmente repleta de easter eggs, mas pouco (ou nada) significativa para o público em geral. Como cinema, o filme é ruim. Como adaptação de jogo, só mais um fracasso. O plano longo no desfecho, com o London Eye ao fundo, é um alívio para quem pouco viu e pouco entendeu durante longas e sofridas duas horas. Porém, é um momento de desistência consumada. Desistência de assistir a um longa, no máximo, medíocre. Ou não, nem isso.
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Em tempo: qual a função da Maçã do Éden? Será necessário esperar por um segundo filme (que, se os cinemas derem sorte, não terão o desprazer de exibir) para entender o mcguffin do primeiro?
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P.S.: aos fãs do jogo: declarar que o filme é ruim não significa desqualificar o jogo. Eu mesmo já o joguei no PS3.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

La La Land - Cantando Estações -- Cinema com Rapadura

Quem acompanha as premiações de cinema já percebeu que LA LA LAND - CANTANDO ESTAÇÕES tem recebido todas as estatuetas pelas quais concorre. E merece! Leia a minha crítica no Cinema com Rapadura (clique aqui) e entenda os motivos pelos quais considero "La La Land" um filme nota 10!

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Sing - Quem Canta Seus Males Espanta -- O poder da música

Com esse péssimo nome brasileiro, o filme espanta o espectador. O que é uma pena, pois SING - QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA é uma animação bastante agradável. É a nova animação dos estúdios Ilumination, de onde também saíram Gru ("Meu Malvado Favorito") e os minions. Quem trabalha lá prima pela comédia em suas animações, tendo sempre uma carga humorística satisfatória.

Na trama, Buster Moon é um animado coala dono de um teatro que cria uma competição de canto para melhorar a sua grave situação financeira. Para atrair competidores, ele promete um prêmio em valor modesto, todavia, um equívoco operacional resulta na promessa de cem mil dólares a título de prêmio, o que atrai muitos aspirantes. O roteiro adota uma das personagens (Buster Moon) como fio condutor da narrativa, mas não protagonista. O papel de Moon é conduzir os eventos ao se relacionar com todos os envolvidos, seria, então, personagem principal, mas não protagonista. Isso porque protagonista é a música e seu poderio metafísico extraordinário nas pessoas nos animais, indicando a força que a música tem para alavancar as pessoas - não apenas no aspecto monetário, nem somente do ponto de vista da fama, mas de satisfação pessoal (para chegar a tal conclusão, vide o arco dramático de Rosita). Antropomorfizar animais não é novidade, nem ao menos uma cidade inteira de animais ("Zootopia" é excelente exemplo), mas o foco é unir os animais (metáfora do humano) à música - e isso sim é novidade. Praticamente uma homenagem a reality shows de canto.

O filme tem dois trunfos: penetrante senso musical e boa construção das personagens. No primeiro caso, são exemplos da excelente trilha sonora: "Firework" (Katy Perry), "Crazy in love" (Beyoncé), "Bad romance" (Lady Gaga), "Kiss from a rose" (Seal), "Ben" (Michael Jackson, que não poderia faltar), "Stay with me" (Sam Smith), "The girl from Ipanema" (Frank Sinatra), "Call me maybe" (Carly Rae Jepsen), "All of me" (John Legend), "True colors" (Cindy Lauper), Nessun Dorma (ária de "Turandot", de Puccini), "Hallelujah" (com a interpretação magnífica da incomparável Jennifer Hudson), "My way" (Sinatra novamente), "Don't you worry 'bout a thing" (Stevie Wonder) etc. Todas as músicas são bem executadas pelos dubladores dos animais (a versão dublada do filme mantém o canto original, em inglês) - alguns vão melhor que outros, claro. De toda sorte, o uso das personagens é exemplar por diversos motivos. Facilmente se percebe que são todos carismáticos, mas nem todos virtuosos. O rato Mike, por exemplo, apesar do talento irrefutável - e a adaptação de "My Way" no trecho "for what is a man, what has he got?" para "for what is a mouse, what has he got?" (para que serve um homem/rato, o que ele tem?) -, é ganancioso, trapaceiro e arrogante, um verdadeiro arauto do complexo de Napoleão. Ou seja, hilário (provavelmente o mais engraçado). Não menos interessante é a porca Rosita, arquétipo da dona de casa trabalhadora que é desvalorizada em casa. A rotina da porquinha consiste em cuidar dos filhos e do marido: aqueles não lhe dão valor (chegam a brincar com seu canto caseiro) por serem crianças; este é o provedor da casa que nem percebe a presença ou ausência da esposa, desde que os problemas do lar sejam solucionados. Quer algo mais real? O gorila Johnny tem aparência amigável, mas é obrigado por seu pai a participar de uma associação criminosa. O que Johnny quer é cantar (e tocar piano), resultando disso um interessante conflito entre o que os pais desejam para os filhos e o que estes desejam para si, além da reflexão sobre o censo individual de moralidade. Ash é um porco-espinho fêmea cujo namorado insiste em oprimir, não admitindo que ela faça sucesso maior que ele na música. Meena é um elefante fêmea que representa o arquétipo da adolescente tímida. Por trás de um animal grande (quanto ao temanho), se esconde uma voz potente e muito talentosa. Comandando os cantores está o coala Buster Moon, personagem mais fascinante do longa, mesmo sem cantar. Moon é um otimista ("o bom de estar no fundo do poço é que só é possível ir para cima"), apesar dos problemas financeiras. Sua paixão pela música é notória, cristalizada não apenas pela devoção a uma grandiosa cantora (que o introduziu na área, quando criança, numa apresentação), mas também por realizar o próprio sonho de promover eventos de canto. Merece menção também sua secretária incompetente (mais uma figura arquetípica, recurso habitual das comédias), dona Kiki. Seria injusto deixar de fora da lista o hilário porco Gunter, cuja empolgação é inabalável tanto quanto a habilidade na dança. Cada personagem tem o seu espaço e alguma verticalização, o que é muito difícil quando são várias. Evidentemente, algumas recebem maior atenção, mas a variedade permite maior dinamicidade à narrativa.

O design de produção não alcança o nível Disney, contudo, é bem feito. Se em "Moana" os fios de cabelo da protagonista se mexem com o vento, em "Sing" os pelos de Buster Moon são visíveis, bem como as sardas de Rosita. Aliás, a porquinha está sempre com o mesmo traje, que é característico do seu papel: bolsa pendurada no ombro, calça jeans azul e camisa rosa. Diametralmente oposto, Gunter não é nem um pouco discreto, trajando sempre collants purpurinados para exibir suas danças. Os demais vestuários também são coerentes, como a jaqueta de couro de Johnny. O ambiente é essencialmente urbano, não sendo explorado muito além do teatro Moon e seus arredores - que tem uma lua no centro, é claro. Gareth Jennings faz uma direção eficiente ao valorizar o humor, rendendo inclusive cenas épicas, como a que Rosita dança "Bamboleo" no mercado, usando temperos como chocalhos. A apresentação das personagens é rápida em demasia, até mesmo atropelada, compensada por uma cena com tela dividida, muito criativa. O 3D é dispensável, se justificando apenas nos espinhos de Ash. Ademais, a dublagem brasileira é péssima. Em geral, os estúdios não escolhem os dubladores pelo seu talento (pois existem bons dubladores), mas pela fama, ou seja, são artistas globais que atraem público pelo seu nome. Sandy tem uma voz belíssima, verdadeiramente encantadora, mas seu trabalho de dublagem é pavoroso! Meena já não é a personagem mais cativante (Mike, por exemplo, é infinitamente mais chamativo), com aquela voz, menos ainda. O mesmo vale para os outros escalados.

SING é um filme bobo e pueril, mas divertido, engraçado e fiel ao seu viés humorístico e empolgante. Com efeito, o longa consegue empolgar o público porque, ao mesmo tempo em que faz o espectador rir de determinadas situações, usa o poder da música para envolvê-lo na empolgação dos animais cantantes. Dentro da proposta, o saldo é positivo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Moana - um mar de aventuras -- Honra o nome que tem

O título brasileiro é MOANA - UM MAR DE AVENTURAS, pois aqui existe uma insistência em dar subtítulos a títulos que não indicam nada sobre o enredo. Melhor o nome original, "Moana", que trata da jornada da primeira (no universo Disney) princesa polinésia. Tecnicamente, ela não é uma princesa e nem se assume como tal (refutando o rótulo), mas o título lhe cabe por ser ela a filha única do chefe da comunidade em que vive. Enfim, a protagonista abraça uma jornada para a qual ela se considera destinada (segundo a sua avó, o Oceano a escolheu): enfrentar Te Ka para, com a ajuda do semideus Maui, recuperar o coração de Te Fit.

É fácil perceber que o plot tem embasamento a partir da mitologia da Polinésia, cuja cultura é pouco conhecida nos continentes além da Oceania. Há todo o mérito por tratar sobre algo assim de uma maneira respeitosa - ao menos do ponto de vista de quem não é de lá. É tão fiel àquela realidade (ao menos na superfície, na visão de quem não conhece) que não há nenhuma personagem caucasiana.

O "calcanhar de Aquiles" do longa é que a narrativa não inova em praticamente nada. Uma princesa que enfrenta o desejo da família para conhecer lugares novos e se aventurar no desconhecido é repetição de Ariel ("A Pequena Sereia"). A mensagem de preservação da natureza e de limitabilidade dos recursos, embora de relevância inquestionável, se faz presente com maior contundência em "Avatar". Seguir o próprio desejo (e mesmo o instinto) de ser quem quer ser é muito melhor retratado em "Zootopia", também da Disney. Mesmo a elogiável ideologia de protagonismo feminimo e abolição da dependência masculina no viés de romance já existe em "Frozen" (lá, no contexto de lesbianismo meramente sugerido). Essa ideologia é recente nos estúdios Disney, que abraçaram o empoderamento feminino e enfim reconheceram que mulheres podem protagonizar uma história sem necessidade de dividir o protagonismo (não necessariamente a cena) com um homem. Existe uma figura masculina, mas é acessória e frágil, comparativamente. Moana não depende de Maui, aliás, se não fosse por ela, ele estaria recolhido e enclausurado por ainda mais tempo - ela chega a afirmar: "você não é meu herói e eu não estou aqui para ganhar o seu autógrafo". Mas o fato de não haver um resquício sequer de romance é um substancial passo à frente, no sentido de se reconhecer que as princesas não precisam ter um príncipe por quem suspirar. Isso é uma mudança de paradigma considerável. Quem é central é a Moana, todos os demais são coadjuvantes, todos de bom nível.

Para um semideus, Maui é bastante humano (leia-se, imperfeito), o que é uma virtude. O perfil psicológico de Maui alterna entre bons e maus momentos: ele é ególatra e, inicialmente, não muito heroico, porém, seu caráter duvidoso dá ensejo a uma personalidade instável e volúvel, a ponto de se tornar questionável a sua motivação para agir (exceto no desfecho, previsível, como não deixaria de ser). Falta consistência a Maui, diferente de Moana, que quer se aventurar no mar desde criança, sempre seduzida a descumprir as ordens paternas (a ponto de questionar uma lei antiga perante o pai). O vacilo do semideus prejudica uma eventual empatia com ele, efeito oposto ao da corajosa e encantadora princesa. Também é interessante a avó de Moana, que lhe serve como guia espiritual na jornada do herói da heroína. Completa o elenco o frango Heihei (dublado originalmente por Alan Tudyk), meio que um animal de estimação funcionando como alívio cômico cansativo pela repetição incessante.

Ou seja, o roteiro erra na estrutura narrativa nada original e pelos moldes previsíveis, acertando numa protagonista memorável e exemplar (para dizer o mínimo). Quanto à direção, responsabilidade de John Musker e Ron Clements, há um 3D dispensável em cenas boas de aventura, exceto uma com um siri, facilmente a mais detestável da fita (e que poderia ser reduzida, pois a obra é deveras longa pelo que retrata). O design de produção acerta em cheio ao fazer um oceano com inspiração em "As Aventuras de Pi": à noite, com um reflexo de luzes enaltecendo a vastidão do mar; de dia, com um brilho bastante vivo (literalmente, no caso da animação). Isso dá ensejo a momentos levemente assustadores, como na cena em que a protagonista se encontra sozinha em mar à berto à noite, com chuvas e trovões que causariam trauma a qualquer um. Por óbvio, mais uma vez o trabalho dos animadores é formidável, o que não é novidade em se tratando de Disney Studios. Salvo a mencionada cena do siri (que infelizmente também canta), a trilha sonora é agradável, empolgante e corajosa por criar algumas músicas na língua original adotada na Polinésia - porém, a ausência de legendas para esses trechos é incômoda. Algumas músicas não saem da cabeça, é bom alertar.

Sinteticamente, o filme honra o nome que tem, uma vez que Moana é um espetáculo por si só. A parte brasileira (das aventuras) é aquém do que se podia esperar após a guinada de "Zootopia" - que é a animação merecedora do Oscar vindouro -, vez que o discurso por trás do texto é singelo, exteriorizado por momentos divertidos e eventualmente engraçados, todavia, sem muito a acrescentar. Vale a experiência, mas não é um longa que entra no rol dos melhores.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Sete Minutos Depois da Meia-Noite -- Cinema com Rapadura

A primeira sessão de cinema (no cinema) de 2017 foi com um surpreendente filme nota 8. Clique aqui e leia, no Cinema com Rapadura, a minha crítica de SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA-NOITE.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Animais Noturnos -- Admiravelmente ousado, mas bastante heterodoxo

Um escritor pede para a sua ex-mulher que leia um exemplar do seu novo livro, que conta a história de um pai de família cuja vida muda drasticamente a partir de um trágico evento. Com esse enredo, ANIMAIS NOTURNOS não consegue indicar o quão diferenciado ele é. Indicado ao Leão de Ouro, se figurar em alguma(s) categoria(s) do Oscar, não será surpresa. Trata-se de um filme forte, por vezes chocante, que não agrada a qualquer tipo de público. Mas é fenomenal!

Ousado, compõe-se de três linhas narrativas - caminho fácil para uma bagunça, o que não ocorre. Cabe mencionar que o roteiro foi elaborado pelo diretor, porém, baseado em um livro. A primeira linha narrativa é a que acompanha a vida de Susan (Amy Adams), casada com Hutton (Armie Hammer) e divorciada de Edward (Jake Gyllenhaal). Aos poucos, se descobre (logo no começo, logo, não há spoiler aqui) que Susan é infeliz no seu casamento. Pior, se considera mal-agradecida por isso, pois não tem o direito de ser infeliz porque tem tudo. O que faz uma pessoa feliz? É esse o primeiro questionamento do plot, ao qual diversos outros se seguem. Susan foi casada com o escritor Edward, que encaminha para ela um manuscrito do seu novo livro (intitulado "Animais Noturnos"), que dá ensejo à segunda narrativa, decorrente da leitura de Susan. Antes, uma das várias simbologias inteligentes: ao abrir o pacote cujo remetente é o ex, a destinatária se corta com o papel. No livro de Edward, Tony (o mesmo Jake Gyllenhaal) sofre um abalo trágico na sua família, que faz dele outra pessoa, muito mais sombria e inescrupulosa. Há uma rebuscada metalinguagem: ficção dentro da ficção. Como se não bastasse, o roteiro aborda uma terceira narrativa, referente ao pretérito diegético, o casamento entre Susan e Edward, cuja temática central é atinente a desafios profissionais e conflitos familiares (natural, pois eles são mais jovens).

É graças à maravilhosa montagem que o longa não se torna confuso. São três enredos: um fictício dentro da diegese, um presente diegético e um pretérito diegético. Apenas dois do elenco estão em mais de uma: Jake Gyllenhaal, numa atuação formidável, embora não consiga estabelecer a sutileza necessária para diferenciar os papéis, exceto nos momentos extremos; e Amy Adams, em mais uma atuação excelente e que poderia justificar mais uma indicação ao Oscar (contudo, ela está melhor em "A Chegada", não pelo trabalho em si, mas porque tem lá mais espaço para desenvolver a personagem que interpreta). Gyllenhaal está na ficção dentro da ficção, onde quem vive a sua esposa é Isla Fisher, um trocadilho no cast, em razão da sua semelhança física com Adams. Fisher tem uma participação menor, ao contrário de outros três magníficos coadjuvantes: Michael Shannon, no melhor papel recente da sua carreira, muitíssimo bem caracterizado por uma magreza surpreendente, e carregando no sotaque texano, tendo como resultado uma interpretação espetacular; Laura Linney, numa participação diminuta, mas incisiva; e Aaron Taylor-Johnson, que vive um lunático de forma vívida, com linguagem corporal agitada (inclusive exibindo-o um pouco, numa cena nada delicada) - é a melhor atuação da sua carreira. Já Armie Hammer se mostra pouco expressivo. Com tantos elementos nesse quebra-cabeça, a montagem, inicialmente dificultosa, obra no sentido de variar os núcleos, isto é, a montagem intercala constantemente as narrativas, algumas vezes adotando um elemento visual como conectivo - personagens tomando banho, por exemplo. A caracterização estética ajuda bastante (Gyllenhaal aparece com e sem barba; e Adams ora bem maquiada e de cabelo liso, ora de cabelo ondulado e praticamente sem maquiagem), mas fato é que esse amálgama só não se torna ininteligível graças ao trabalho do montador (chefiado por Joan Sobel).

Por outro lado, há um claro desnível entre as narrativas, ainda que todas sejam instigantes. A do livro é a maior e melhor em termos de fato, conduzindo o espectador dentro de um suspense enervante. Já as "reais" servem, em verdade, como um estudo de personagem (melhor dizendo, personagens), cuja finalidade é que o público conheça seus perfis psicológicos e consiga entender as suas condutas, inexistindo um grande desenvolvimento no script (em termos de evolução narrativa). Isso não significa singeleza das duas em detrimento da metalinguística, pois todas têm seus predicados. Em termos narratológicos, prepondera a arte (a arte sobre a arte), e não a vida (a arte sobre a vida). Trata-se de um obstáculo que a impecável direção não conseguiu ultrapassar, apesar de todos os esforços de Tom Ford. Depois de um ótimo "Direito de Amar", Ford lapida seu talento inegável em "Animais Fantásticos": sua formação é na moda, portanto, a direção de arte é muito boa (e muito elegante com Susan), isso não significa, porém, que ele não domine o ofício de direção (em geral). Ao revés, os closes nas cenas mais intimistas (e nos diálogos) e os planos mais abertos nos momentos de ação revelam amplo conhecimento da linguagem cinematográfica, notadamente enquadramento. Há um certo exagero na cena inicial, estridente como o grito mais agudo, justificando-se pouco na medida em que o que se segue não tem a mesma energia. Mesmo a crítica aos padrões estéticos destoa do objetivo final - e do elenco repleto de pessoas que estão dentro do padrão, ou seja, é pouca a coerência nesse momento. É um prólogo violento (no sentido metafórico) e inesperado, mas a fita não mantém o ritmo. Apesar da trilha sonora diminuta, a edição de som é cirúrgica, podendo-se ouvir desde os barulhos de vento no deserto e passos na areia até a suave respiração de uma personagem.

Depreende-se que a película de Ford é tecnicamente fenomenal, apesar das ressalvas mencionadas - em especial, merece reiteração o desnível entre as narrativas e o exagero do prólogo. Também o final aberto pode desagradar ao público, pois afasta a didática "moral da história". Isso não é por si só um problema, mas é incômodo para alguns, que preferem maior contundência nos desfechos. Assim, a heterodoxia do longa não serve para todos - mas merece admiração pela ousadia.

ALERTA DE SPOILER: Edward não teve coragem para revê-la, pois seria doloroso por ainda amar Susan? Ou foi uma vingança pessoal, sabedor do sofrimento que a leitura geraria? Ou então ele decidiu seguir em frente, após o feedback dela?

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Passageiros -- Vai ser esquecido

O marketing pode consagrar ou destruir um filme. No caso de PASSAGEIROS, o exagero de publicidade elevou as expectativas - boa parte, em razão do elenco -, quando o que é entregue é apenas um filme "bom", nota 6,5.

Para evitar spoilers, a sinopse pode ser resumida como dois passageiros de uma nave que acordam noventa anos antes do previsto e que precisam arranjar uma forma de reverter isso, sob pena de morrerem antes de chegarem ao destino. O primeiro a acordar da sua cápsula é James Preston (Chris Pratt), tendo como companhia apenas o androide Arthur (Michael Sheen). Depois, quem acorda é Aurora (Jennifer Lawrence), que logo inicia um romance com James. Dizer muito mais que isso pode afetar a experiência cinematográfica.

Apesar de despido de originalidade, o argumento poderia ter sido bem trabalhado - mas não o foi. Como levar a sério um romance em que, antes de um diálogo com Aurora, James (ou Jim, como ele prefere) já a rotula como "perfeita" (apenas vendo vídeos da moça)? Ora, o romance já nasce artificial e forçado, perdendo crédito quando começa a se desenvolver. Não bastasse, a narrativa monta uma armadilha para si mesma ao anunciar um futuro drama óbvio. Novamente para evitar spoilers, basta afirmar que é previsível que uma conduta de Jim terá um resultado ruim, o que atenua consideravelmente o impacto do drama. É sabido o que vai acontecer, mas não como acontecerá - infelizmente, acontece da maneira menos intensa possível. Como Chris Pratt está no elenco, não poderia faltar humor: não são poucos os momentos cômicos, que podem ser divididos em comédia vazia e comédia crítica. No primeiro grupo, existem cenas que fazem o espectador rir - logicamente, uma risada sutil, nada comparável às gargalhadas oriundas de uma comédia hilária -, mas que não o fazem pensar enquanto ri (muito menos depois). As conversas entre Jim e Arthur estão no primeiro grupo, em que o diálogo acaba sendo uma "filosofia de boteco". Entretanto, existem momentos de comédia crítica, o que é raro na ficção científica - o auge é consolidado quando Aurora pede seu desjejum, explicitando (e criticando) o abismo socioeconômico. Seria uma mensagem de que o futuro não reserva nada diferente do que vemos hoje?

A latente hibridização dos gêneros é agradável (ação, ficção científica, romance, drama, comédia), vez que torna a narrativa mais dinâmica. Seria melhor se houvesse êxito: o filme é convincente apenas nos momentos iniciais de suspense, pois, à medida que os mistérios são desvendados, perde todo o encanto. Quando tudo que aconteceu é explicado, a sensação é de decepção em razão do simplismo. Não que surpreenda, porque, mesmo no núcleo reflexivo do roteiro, verifica-se um simplismo frustrante. Jim enfrenta um dilema ético, que, contudo, tem solução menos dolorosa do que deveria. Não seria absurdo questionar o próprio dilema, cuja existência por si só é reducionista (ALERTA DE SPOILER: por que Aurora? Por que apenas a Aurora? FIM DO SPOILER). Mesmo quando o dilema é retomado, através da participação do sempre subaproveitado Laurence Fishburne, isso é feito de maneira lacônica, provavelmente com escopo de atenuar a complexidade da película. A ideia não é fazer pensar. Quando Fishburne aparece, há um upgrade na narrativa, que estava em queda, todavia, a ele não é reservada uma participação tão especial - embora melhor que Andy Garcia, que aparece apenas por alguns segundos, e sem falas. A bem da verdade, a personagem de Fishburne, Gus, é um deus ex machina no roteiro, evidenciando a falta de habilidade para a construção da narrativa. Outro exemplo disso são os vários quase finais e o desfecho abusivamente clichê. As ressalvas seriam atenuadas caso o script fosse ousado.

Ironicamente, o romance tórrido entre Jim e Aurora tem um erotismo bastante encolhido - nada muito ardente. Existem cenas de nudez - estranhamente, o corpo de Pratt aparece muito mais que o de Lawrence, o que inverte a lógica habitual de esconder o homem e mostrar a mulher, comum no machismo hollywoodiano -, nada muito sensual, embora surpreendente. De tão brando, o erotismo é comparável com "Cinquenta Tons de Cinza", que de sensual não tem quase nada. Em "Passageiros", quase nada impressiona ou se faz envolver, reduzindo-se à esfera do palatável em grau mínimo. É o que ocorre com Arthur, interpretado com maestria por Michael Sheen - coadjuvante superior à dupla principal: Chris Pratt, embora saia do papel de sempre (aquele de "Guardiões da Galáxia" e de "Sete Homens e Um Destino"), o que é bom (significa alguma coragem na carreira), não demonstra talento além do ordinário; e Jennifer Lawrence é, como se sabe, uma fraude hollywoodiana, pois ainda não teve um papel digno da fama que lhe foi atribuída (isto é, ela é boa, mas distante, pelo menos ainda, do nível extraordinário que alguns enxergam). Como personagem, Arthur foi inserido no plot, apenas e tão-somente, para conceder charme (no sentido da comicidade e de ser inusitado) e evitar uma solidão radical para Jim. Salvo um pequeno (do ponto de vista temporal) momento, sua existência na trama seria indiferente. Porém, como ator, Sheen é extremamente convincente no papel.

Visualmente, nada encanta - "Gravidade", de Cuarón, ainda é infinitamente superior. O 3D é inútil em razão da insistência na pouca profundidade de campo (demonstração de ignorância quanto à linguagem do 3D), sequer o 3D ativo de água na tela é bem executado. Exceção a isso é uma cena, a de ausência de gravidade em uma piscina, cena épica, original e criativa, que está muito acima da qualidade do resto da fita. Boas elipses na barba de Jim não servem para seduzir o público.

Foi vendido um filme magnífico, mas entregue um filme comum. "Passageiros" não é um longa ruim, de mal gosto ou ofensivo. É apenas ordinário. Um filme que vai ser esquecido.
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O que vai ser esquecido?