terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Moana - um mar de aventuras -- Honra o nome que tem

O título brasileiro é MOANA - UM MAR DE AVENTURAS, pois aqui existe uma insistência em dar subtítulos a títulos que não indicam nada sobre o enredo. Melhor o nome original, "Moana", que trata da jornada da primeira (no universo Disney) princesa polinésia. Tecnicamente, ela não é uma princesa e nem se assume como tal (refutando o rótulo), mas o título lhe cabe por ser ela a filha única do chefe da comunidade em que vive. Enfim, a protagonista abraça uma jornada para a qual ela se considera destinada (segundo a sua avó, o Oceano a escolheu): enfrentar Te Ka para, com a ajuda do semideus Maui, recuperar o coração de Te Fit.

É fácil perceber que o plot tem embasamento a partir da mitologia da Polinésia, cuja cultura é pouco conhecida nos continentes além da Oceania. Há todo o mérito por tratar sobre algo assim de uma maneira respeitosa - ao menos do ponto de vista de quem não é de lá. É tão fiel àquela realidade (ao menos na superfície, na visão de quem não conhece) que não há nenhuma personagem caucasiana.

O "calcanhar de Aquiles" do longa é que a narrativa não inova em praticamente nada. Uma princesa que enfrenta o desejo da família para conhecer lugares novos e se aventurar no desconhecido é repetição de Ariel ("A Pequena Sereia"). A mensagem de preservação da natureza e de limitabilidade dos recursos, embora de relevância inquestionável, se faz presente com maior contundência em "Avatar". Seguir o próprio desejo (e mesmo o instinto) de ser quem quer ser é muito melhor retratado em "Zootopia", também da Disney. Mesmo a elogiável ideologia de protagonismo feminimo e abolição da dependência masculina no viés de romance já existe em "Frozen" (lá, no contexto de lesbianismo meramente sugerido). Essa ideologia é recente nos estúdios Disney, que abraçaram o empoderamento feminino e enfim reconheceram que mulheres podem protagonizar uma história sem necessidade de dividir o protagonismo (não necessariamente a cena) com um homem. Existe uma figura masculina, mas é acessória e frágil, comparativamente. Moana não depende de Maui, aliás, se não fosse por ela, ele estaria recolhido e enclausurado por ainda mais tempo - ela chega a afirmar: "você não é meu herói e eu não estou aqui para ganhar o seu autógrafo". Mas o fato de não haver um resquício sequer de romance é um substancial passo à frente, no sentido de se reconhecer que as princesas não precisam ter um príncipe por quem suspirar. Isso é uma mudança de paradigma considerável. Quem é central é a Moana, todos os demais são coadjuvantes, todos de bom nível.

Para um semideus, Maui é bastante humano (leia-se, imperfeito), o que é uma virtude. O perfil psicológico de Maui alterna entre bons e maus momentos: ele é ególatra e, inicialmente, não muito heroico, porém, seu caráter duvidoso dá ensejo a uma personalidade instável e volúvel, a ponto de se tornar questionável a sua motivação para agir (exceto no desfecho, previsível, como não deixaria de ser). Falta consistência a Maui, diferente de Moana, que quer se aventurar no mar desde criança, sempre seduzida a descumprir as ordens paternas (a ponto de questionar uma lei antiga perante o pai). O vacilo do semideus prejudica uma eventual empatia com ele, efeito oposto ao da corajosa e encantadora princesa. Também é interessante a avó de Moana, que lhe serve como guia espiritual na jornada do herói da heroína. Completa o elenco o frango Heihei (dublado originalmente por Alan Tudyk), meio que um animal de estimação funcionando como alívio cômico cansativo pela repetição incessante.

Ou seja, o roteiro erra na estrutura narrativa nada original e pelos moldes previsíveis, acertando numa protagonista memorável e exemplar (para dizer o mínimo). Quanto à direção, responsabilidade de John Musker e Ron Clements, há um 3D dispensável em cenas boas de aventura, exceto uma com um siri, facilmente a mais detestável da fita (e que poderia ser reduzida, pois a obra é deveras longa pelo que retrata). O design de produção acerta em cheio ao fazer um oceano com inspiração em "As Aventuras de Pi": à noite, com um reflexo de luzes enaltecendo a vastidão do mar; de dia, com um brilho bastante vivo (literalmente, no caso da animação). Isso dá ensejo a momentos levemente assustadores, como na cena em que a protagonista se encontra sozinha em mar à berto à noite, com chuvas e trovões que causariam trauma a qualquer um. Por óbvio, mais uma vez o trabalho dos animadores é formidável, o que não é novidade em se tratando de Disney Studios. Salvo a mencionada cena do siri (que infelizmente também canta), a trilha sonora é agradável, empolgante e corajosa por criar algumas músicas na língua original adotada na Polinésia - porém, a ausência de legendas para esses trechos é incômoda. Algumas músicas não saem da cabeça, é bom alertar.

Sinteticamente, o filme honra o nome que tem, uma vez que Moana é um espetáculo por si só. A parte brasileira (das aventuras) é aquém do que se podia esperar após a guinada de "Zootopia" - que é a animação merecedora do Oscar vindouro -, vez que o discurso por trás do texto é singelo, exteriorizado por momentos divertidos e eventualmente engraçados, todavia, sem muito a acrescentar. Vale a experiência, mas não é um longa que entra no rol dos melhores.

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