quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Sully - O Herói do Rio Hudson -- Melhor se fosse um filme de anônimos

Não há dúvida que juntar os talentos de Tom Hanks na atuação e Clint Eastwood na direção significa um potencial imenso para um filme. Entretanto, no caso de SULLY - O HERÓI DO RIO HUDSON, é uma pequena fração desse potencial que é explorada, graças a um roteiro que não deveria existir.

Trata-se de um longa-metragem baseado na história real do piloto Chesley "Sully" Sullenberger (Tom Hanks) que, em 15 de janeiro de 2009, decide fazer um pouso forçado no rio Hudson em razão de uma falha no avião. O que impressiona na história não é apenas o pouso em um rio, mas o fato de todos os passageiros (bem como a tripulação) terem sido salvos, o que fez de Sully um herói nacional, embora a agência de regulação aérea dos EUA deva julgá-lo internamente pelo pouso no rio ao invés de um aeroporto.

O problema é: não há história suficiente para um longa-metragem. A solução encontrada pelo roteirista Todd Komarnicki é alongar ao máximo um enredo curtíssimo. Ou seja, são inseridas cenas para criar uma gordura, inclusive com subplots desconexos e dispensáveis, como a compra de souvenirs por uma mulher idosa e sua filha antes do voo, e o relacionamento de um pai também idoso e seus dois filhos jovens. São pequenas histórias rasas e que em nada acrescentam - a não ser, é claro, na duração do filme, que precisa ser esticada. Ademais, a fuga da linearidade  implica numa trama rocambolesca e, por vezes, confusa. Nesse sentido, a montagem é tenebrosa, em especial com memórias mal encaixadas - sem olvidar a cena do pouso, que é deslocada para criar um clímax, em vão.

Entretanto, existem bons elementos no roteiro, pouco aproveitados. Há uma preferência em insistir que o evento foi um pouso forçado, e não uma queda, em detrimento da conclusão de que as pessoas são julgadas mais pelos seus erros que por seus acertos - quando Sully diz que, apesar de ter transportado passageiros por 40 anos, vai ser julgado por alguns segundos, verifica-se uma ideia inteligente e crítica, que infelizmente não persiste. Também o papel da mídia no evento é relevante e é explorado de modo crítico - provavelmente a maior virtude do script. Para compensar esses poucos acertos, há uma radical e incômoda divinização do protagonista, como se fosse algo mais que uma pessoa boa e um piloto competente. Por exemplo, qual a razão de querer contar os passageiros já quando tinham saído da aeronave? A não ser que ele, como piloto, não tenha sido instruído que não é esse o procedimento correto, a cena está lá apenas para enaltecer o quão altruísta Sully foi naquele evento. É verdade que Tom Hanks faz (mais) uma excelente atuação, que talvez justifique uma indicação ao Oscar, mas dificilmente Hanks sai com a estatueta pela terceira vez, por duas razões: o trabalho é excelente, mas não memorável (vide a interpretação em "Filadélfia" ou "Náufrago"); além disso, existem concorrentes mais próximos da consagração, como Casey Affleck e Denzel Washington (ironicamente, parceiro de Hanks em "Filadélfia"). Aaron Eckhart e Laura Linney também estão no elenco, mas isso quase não se percebe.

Quanto a Clint Eastwood, não é possível fazer foie gras a partir de arroz e feijão - no caso de "Sully", nem o arroz e feijão ele não fez bem feito, pois seria preferível fazer um curta. Ou seja, é um dos piores trabalhos de direção de Eastwood, que tem na carreira "Sniper Americano" e "Menina de Ouro", clássicos recentes que ajudaram na sua solidificação. Se ele consegue fazer suspense no terceiro ato com as cenas de simulação e se usa de maneira inteligente a corrida como metáfora do escapismo, o CGI é fraquíssimo e as cenas do voo se baseiam em muitos planos gerais que reduzem a sensação de claustrofobia. Na verdade, o que Eastwood quer é enaltecer mais um cidadão estadunidense que teve atuação heroica, com pitadas de pieguismo condizentes com a trilha sonora.

Não que SULLY - O HERÓI DO RIO HUDSON seja um filme ruim, longe disso. Assistir a Tom Hanks sempre vale a pena - exceto quando o filme é uma adaptação de um livro de Dan Brown, hipótese em que um grande ator degrada a própria carreira. Na verdade, nomes do quilate de Hanks e Eastwood exigem a excelência, que, quando não é atingida, decepciona muito. Se fosse um filme de anônimos, seria mais convincente, quiçá a grande surpresa da temporada. Mas não, foi uma das decepções: qualquer um sabe que a dupla pode muito mais.

2 comentários:

  1. Pessoalmente eu vi o filme e gostei muito. Quando vi o elenco imaginei que seria um grande filme. Definitivamente Tom Hanks é uma das azoes pelas quais o filme teve aceitação o ano passado. O papel que realizo no Sully filme é uma das suas melhores atuações. Acho que os atores foram uma parte importante do excelente sucesso comercial do filme. A verdade o filme superou as minhas expectativas, e recomendo.

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  2. Que ótimo que você gostou, Rodrigo! Se me permite, recomendo que assista a "O Voo", com o Denzel Washington. Tem um argumento similar, mas é muito mais denso, um drama mais pesado :)

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