quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Passageiros -- Vai ser esquecido

O marketing pode consagrar ou destruir um filme. No caso de PASSAGEIROS, o exagero de publicidade elevou as expectativas - boa parte, em razão do elenco -, quando o que é entregue é apenas um filme "bom", nota 6,5.

Para evitar spoilers, a sinopse pode ser resumida como dois passageiros de uma nave que acordam noventa anos antes do previsto e que precisam arranjar uma forma de reverter isso, sob pena de morrerem antes de chegarem ao destino. O primeiro a acordar da sua cápsula é James Preston (Chris Pratt), tendo como companhia apenas o androide Arthur (Michael Sheen). Depois, quem acorda é Aurora (Jennifer Lawrence), que logo inicia um romance com James. Dizer muito mais que isso pode afetar a experiência cinematográfica.

Apesar de despido de originalidade, o argumento poderia ter sido bem trabalhado - mas não o foi. Como levar a sério um romance em que, antes de um diálogo com Aurora, James (ou Jim, como ele prefere) já a rotula como "perfeita" (apenas vendo vídeos da moça)? Ora, o romance já nasce artificial e forçado, perdendo crédito quando começa a se desenvolver. Não bastasse, a narrativa monta uma armadilha para si mesma ao anunciar um futuro drama óbvio. Novamente para evitar spoilers, basta afirmar que é previsível que uma conduta de Jim terá um resultado ruim, o que atenua consideravelmente o impacto do drama. É sabido o que vai acontecer, mas não como acontecerá - infelizmente, acontece da maneira menos intensa possível. Como Chris Pratt está no elenco, não poderia faltar humor: não são poucos os momentos cômicos, que podem ser divididos em comédia vazia e comédia crítica. No primeiro grupo, existem cenas que fazem o espectador rir - logicamente, uma risada sutil, nada comparável às gargalhadas oriundas de uma comédia hilária -, mas que não o fazem pensar enquanto ri (muito menos depois). As conversas entre Jim e Arthur estão no primeiro grupo, em que o diálogo acaba sendo uma "filosofia de boteco". Entretanto, existem momentos de comédia crítica, o que é raro na ficção científica - o auge é consolidado quando Aurora pede seu desjejum, explicitando (e criticando) o abismo socioeconômico. Seria uma mensagem de que o futuro não reserva nada diferente do que vemos hoje?

A latente hibridização dos gêneros é agradável (ação, ficção científica, romance, drama, comédia), vez que torna a narrativa mais dinâmica. Seria melhor se houvesse êxito: o filme é convincente apenas nos momentos iniciais de suspense, pois, à medida que os mistérios são desvendados, perde todo o encanto. Quando tudo que aconteceu é explicado, a sensação é de decepção em razão do simplismo. Não que surpreenda, porque, mesmo no núcleo reflexivo do roteiro, verifica-se um simplismo frustrante. Jim enfrenta um dilema ético, que, contudo, tem solução menos dolorosa do que deveria. Não seria absurdo questionar o próprio dilema, cuja existência por si só é reducionista (ALERTA DE SPOILER: por que Aurora? Por que apenas a Aurora? FIM DO SPOILER). Mesmo quando o dilema é retomado, através da participação do sempre subaproveitado Laurence Fishburne, isso é feito de maneira lacônica, provavelmente com escopo de atenuar a complexidade da película. A ideia não é fazer pensar. Quando Fishburne aparece, há um upgrade na narrativa, que estava em queda, todavia, a ele não é reservada uma participação tão especial - embora melhor que Andy Garcia, que aparece apenas por alguns segundos, e sem falas. A bem da verdade, a personagem de Fishburne, Gus, é um deus ex machina no roteiro, evidenciando a falta de habilidade para a construção da narrativa. Outro exemplo disso são os vários quase finais e o desfecho abusivamente clichê. As ressalvas seriam atenuadas caso o script fosse ousado.

Ironicamente, o romance tórrido entre Jim e Aurora tem um erotismo bastante encolhido - nada muito ardente. Existem cenas de nudez - estranhamente, o corpo de Pratt aparece muito mais que o de Lawrence, o que inverte a lógica habitual de esconder o homem e mostrar a mulher, comum no machismo hollywoodiano -, nada muito sensual, embora surpreendente. De tão brando, o erotismo é comparável com "Cinquenta Tons de Cinza", que de sensual não tem quase nada. Em "Passageiros", quase nada impressiona ou se faz envolver, reduzindo-se à esfera do palatável em grau mínimo. É o que ocorre com Arthur, interpretado com maestria por Michael Sheen - coadjuvante superior à dupla principal: Chris Pratt, embora saia do papel de sempre (aquele de "Guardiões da Galáxia" e de "Sete Homens e Um Destino"), o que é bom (significa alguma coragem na carreira), não demonstra talento além do ordinário; e Jennifer Lawrence é, como se sabe, uma fraude hollywoodiana, pois ainda não teve um papel digno da fama que lhe foi atribuída (isto é, ela é boa, mas distante, pelo menos ainda, do nível extraordinário que alguns enxergam). Como personagem, Arthur foi inserido no plot, apenas e tão-somente, para conceder charme (no sentido da comicidade e de ser inusitado) e evitar uma solidão radical para Jim. Salvo um pequeno (do ponto de vista temporal) momento, sua existência na trama seria indiferente. Porém, como ator, Sheen é extremamente convincente no papel.

Visualmente, nada encanta - "Gravidade", de Cuarón, ainda é infinitamente superior. O 3D é inútil em razão da insistência na pouca profundidade de campo (demonstração de ignorância quanto à linguagem do 3D), sequer o 3D ativo de água na tela é bem executado. Exceção a isso é uma cena, a de ausência de gravidade em uma piscina, cena épica, original e criativa, que está muito acima da qualidade do resto da fita. Boas elipses na barba de Jim não servem para seduzir o público.

Foi vendido um filme magnífico, mas entregue um filme comum. "Passageiros" não é um longa ruim, de mal gosto ou ofensivo. É apenas ordinário. Um filme que vai ser esquecido.
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O que vai ser esquecido?

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