terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Assassin's Creed -- Desistência consumada

O primeiro grande blockbuster de 2017 chegou com a expectativa baixa em razão da recepção fria nos EUA - em especial, claro, da crítica. Não se pode negar: ASSASSIN'S CREED é um filme ruim. Filmes baseados em jogos costumam ser ruins, todavia, tendo um bom elenco, em tese, a decepção não seria tão grande. Mas não, comete o mesmo erro dos outros filmes baseados em jogos, que é partir da premissa que todos os espectadores conhecem o contexto, como se o público inteiro já tivesse jogado - ou que apenas quem jogou assiste ao filme (menos provável, não é?). Mastigar em demasia não é bom, mas a obra precisava ser mais mastigada para se tornar tragável, caso contrário, o resultado (que é o que ocorre) é uma indigestão. As explicações são nebulosas e excessivamente breves, o que impede que o espectador comum se sinta inserido na trama.

Trama que é praticamente inexistente, tendo em vista que o roteiro é muito mal elaborado, certamente um dos piores dos últimos anos. O protagonista é Callum "Cal" Lynch (Michael Fassbender), que, por meio de uma tecnologia capaz de desbloquear memórias, recupera a vida do seu ancestral Aguilar, no medievo espanhol. Cal descobre que Aguilar fazia parte de uma seita, os Assassinos, e que teria escondido a Maçã do Éden, artefato que a seita inimiga, os Templários, também desejam. Apesar de sentenciado à morte, ele acorda nas dependências de uma empresa que dispõe dessa tecnologia e que quer revolucionar o mundo com as memórias de Cal, encontrando a Maçã do Éden. A empresa é coordenada pelo misterioso Rikkin (Jeremy Irons) e sua filha Sofia (Marion Cotillard), cujos planos não são revelados para Cal. Ou seja, uma verdadeira bagunça sem explicação e sem nexo. É possível que a pessoa que conhece bem o jogo entenda isso tudo, mas não é esse o caso do grande público e não é isso que deve ser feito em um filme, afinal, diferentemente do jogo, que comumente cai em desuso com inovações constantes, a sétima arte é perene. Isso sem contar que as mídias são muito distintas.

Sendo mais enfático, o roteiro é ruim em todos os aspectos: construção de personagens, contextualização diegética, evolução narrativa e desfecho. Todos eles merecem menção específica, salvo o desfecho, para evitar spoilers, como sempre. Não é dificíl perceber que Cal é o protagonista. Mas quem é Cal? O que ele fazia? Quais suas atividades cotidianas? Como ele viveu a juventude após o evento trágico visto no início da fita? Por que ele teria matado alguém? São tantas dúvidas que se torna impossível identificar-se com Cal, o que prejudica bastante a experiência. Ora, a identificação cinematográfica secundária é fundamental, no caso de Cal, como pode o espectador torcer por ele sem saber quem ele é? Evidentemente, os coadjuvantes são construídos de maneira ainda mais superficial. A contextualização diegética é terrível, vez que são atiradas mitologias praticamente sem explicação, presumindo aceitação automática em razão de um discurso pseudocientífico. É com isso que terminologias como "efeito de sangramento" e "memórias genéticas" estão lá simulando um ar de seriedade, com conceitos mínimos que impedem que se possa afirmar que não há conceito algum. Isto é, até existe alguma explicação, contudo, extremamente superficial. Os anciãos, por exemplo, quem são? O que planejam? Não se pode olvidar, ainda, as várias falhas na mitologia - por exemplo, se Aguilar é ancestral (antepassado) de Cal, é uma pessoa diferente, então, como poderia Cal recordar as memórias? Elemento central é o animus, que permite a regressão, porém, também é uma ideia equivocada, não apenas pelo tom farsesco, como, inclusive, pelo paradoxo de permitir acrobacias enquanto prende Cal pela cintura. Repleto de obviedades e previsibilidades, o texto permite que Rikkin e Cal conversem, mas o objetivo do primeiro é elementar, o que reduz o impacto da cena. Para piorar, o plot sugere um romance para Aguilar, que, todavia, jamais é verticalizado - e que jamais contribui na narrativa. São tantos equívocos no script, mas tantos, que simplesmente não há salvação para o longa no que se refere ao texto.

Engana-se quem pensa que a direção salva. Justin Kurzel já foi superestimado com "Macbeth" (Shakespeare certamente se revirou no túmulo ao ter conhecimento da atrocidade), agora ele mostrou o potencial em fazer fitas de má qualidade. A direção é um descalabro, caótica como poucas (no pior sentido possível). O 3D é péssimo (o uso de pouca profundidade de campo deixa claro o desconhecimento da linguagem 3D), as imagens não são nítidas (prevalece uma fotografia escurecida, cheia de sombras e nuvens), o parkour típico do jogo se faz presente em dose pequena, há um exagero nos cortes que prejudica o acompanhamento da ação, são péssimas as coreografias de luta (sempre exibicionistas, com poses desnecessárias ao estilo "Kung Fu Panda") - sem contar as patéticas cenas em que ele luta com um fantasma que só ele vê - e, ainda, o CGI é completamente amador (principalmente nas imagens de voo da águia). Não importa se isso é originário do jogo, o que importa é que é mal feito. O design de som não é marcante, ao contrário do figurino (em especial de Cotillard), que é deplorável.

Nem mesmo o bom elenco salva o filme, já que o material de base é ruim. Não poderia Michael Fassbender fazer uma interpretação aceitável com um roteiro frustrante para o ator. E o mesmo se aplica a Marion Cotillard e mesmo Jeremy Irons: ela parece perdida em meio a uma narrativa nebulosa; ele trabalhou no piloto automático.

Não é difícil perceber que ASSASSIN'S CREED é uma ação genérica, provavelmente repleta de easter eggs, mas pouco (ou nada) significativa para o público em geral. Como cinema, o filme é ruim. Como adaptação de jogo, só mais um fracasso. O plano longo no desfecho, com o London Eye ao fundo, é um alívio para quem pouco viu e pouco entendeu durante longas e sofridas duas horas. Porém, é um momento de desistência consumada. Desistência de assistir a um longa, no máximo, medíocre. Ou não, nem isso.
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Em tempo: qual a função da Maçã do Éden? Será necessário esperar por um segundo filme (que, se os cinemas derem sorte, não terão o desprazer de exibir) para entender o mcguffin do primeiro?
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P.S.: aos fãs do jogo: declarar que o filme é ruim não significa desqualificar o jogo. Eu mesmo já o joguei no PS3.

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