segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca -- Cinema com Rapadura

Para quem se interessa pelo escândalo Watergate, MARK FELT: O HOMEM QUE DERRUBOU A CASA BRANCA pode ser interessante. Porém, em termos cinematográficos, decepciona um pouco, apesar de Liam Neeson. Clique aqui e confira a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Thor: Ragnarok -- Não encerra bem a trilogia

Embora a "subfranquia" Thor seja encarada por alguns como a pior do Universo Cinematográfico Marvel (essa sim franquia), essa avaliação é um pouco injusta. O primeiro filme tem uma direção boa (como reprovar Kenneth Branagh?), enquanto o segundo tem um roteiro que avança bastante no arco dramático do herói (em especial nas suas relações interpessoais). Nesse sentido, THOR: RAGNAROK talvez seja o pior da trilogia, ao menos para quem não considera os dois anteriores ruins. Ironicamente, quem pensa em sentido contrário (ou seja, quem detestou os dois primeiros) está vendo com bons olhos o capítulo final. Ainda assim, em termos de roteiro, há um visível retrocesso.

Em "Thor 3", o herói se encontra preso em um planeta desconhecido, sem sem Mjolnir, obrigado a enfrentar um torneio de gladiadores onde o campeão é um colega Vingador, o Hulk. Enquanto isso, a implacável vilã Hela inicia uma empreitada para concretizar o Ragnarok, ou seja, o apocalipse de Asgard.

Ou seja: Thor está em um planeta distante, sem seu martelo, enquanto Asgard está em risco. Sim, o plot é estruturalmente idêntico ao do primeiro filme, o que revela, já de início, a completa falta de criatividade dos roteiristas. O que não é novidade, pois criatividade não é o forte dos estúdios Marvel. Outro equívoco do texto é deixar o espectador perdido, já que os fatos são jogados, em benefício da ação: o protagonista é lançado de um lugar a outro (desde o prólogo) sem muita justificativa, pois o importante é o desenrolar da narrativa, não sua contextualização. Nesse sentido, o prólogo existe apenas por razões de didática, já que a batalha é extremamente fácil e, a despeito do início praticamente descontextualizado, o intuito é que seu conteúdo - esse sim explicado - seja relevante.

Também no prólogo, há uma simulação da quebra da quarta parede (parece que ocorre, mas não ocorre), raríssimo momento que a direção de Taika Waititi se mostra inventiva. O diretor é competente, todavia, não consegue ser criativo (e também não precisa, afinal, o roteiro também não é). Isso significa que, como ocorre no primeiro filme, existe aquele momento que cria um pretexto qualquer para colocar o deus do trovão sem camisa. O próprio ator já revelou publicamente que se sente desconfortável pelo abuso do seu corpo, porém, a indústria cinematográfica continua tratando-o como um objeto, razão pela qual ele ainda precisa exibir a boa forma. A novidade é uma cena de nudez de Hulk (nádegas de cor verde), o que surpreende, em se tratando de um produto que pensa em seu público infantil.

Waititi faz um festival de CGI e de cores vibrantes, talvez seja este o filme do UCM que usa a maior variedade de cores vivas. Isso até é coerente com o roteiro alegre e repleto de piadas, porém, incoerente com a premissa apocalíptica. Como pode haver alegria no Ragnarok? Não faz sentido que Thor esteja tão "engraçadinho" e empolgado enquanto seu povo está prestes a ser dizimado por uma ditadora cruel! É bem verdade que a Marvel prefere fazer seus filmes em tom leve, priorizando o humor e a ação. Entretanto, o ótimo "Capitão América: O Soldado Invernal" serve como prova de que também sabem fazer filmes sérios. Era o momento de fazer um filme sério, não um filme depressivo ou introspectivo. O Ragnarok deveria preocupar Thor, o excesso de piadas é contraditório.

Como se não bastasse, é nas piadas que reside um dos maiores problemas do longa. Que é esse o viés de preferência da Marvel, reitera-se, não há dúvida. Porém, existe uma diferença entre dar comicidade às produções e infantilizar os filmes. Dessa vez, a infantilidade das piadas atinge níveis estratosféricos, normalmente com um humor que, para adultos, não tem graça. Talvez, para crianças de até dez anos de idade, possa funcionar. Contudo, a conversa de Thor girando em uma corrente e ficando de costas para um vilão, ou um trocadilho de uma personagem a respeito da relação entre seu corpo e o "jokenpô" são momentos sem a mínima graça. Para combinar, a música-tema também soa infantil.

Não obstante, o roteiro também tem acertos. A despeito de um primeiro ato acelerado em demasia, querendo levar Thor ao planeta onde está Hulk o quanto antes, o senso de heroísmo do deus do trovão é a referência para o gênero, fazendo todo o sentido em se tratando de um nome clássico. Não poderia ser diferente com ele, assim como, por exemplo, com o Capitão América. É nesse mesmo raciocínio que o texto passa uma certeira mensagem de enfrentamento dos problemas, censurando a opção de fugir das dificuldades, o que é retratado no embate entre Thor e a Valquíria. O ensinamento é valoroso, já que o filme fará sucesso com o público infantil. Por fim, a desconstrução de uma personagem (Odin), embora clichê, por se tratar do ideal de perfeição de Asgard, acaba sendo benéfica ao plot, mostrando que nem tudo é o que parece.

Porém, é uma pena que a lenda viva Anthony Hopkins seja desperdiçada com tão pouco tempo em tela. Aliás, desperdício de elenco é o que mais ocorre na película. Por exemplo, a participação de Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) é rápida como um flash. Mark Ruffalo também aparece pouco como Bruce Banner, pois Hulk é mais participativo em Ragnarok. O que é uma pena, já que o gigante esmeralda é completamente desnecessário na trama - a luta entre ele e Thor, ápice da ação, é apenas fan service da Marvel, além de referência aos gladiadores romanos. Jeff Goldblum interpreta um Grão-Mestre na base do overacting, o que é excepcionalmente permitido em razão da atmosfera louca em que se encontra. Tessa Thompson acerta na profundidade do papel, que tem conflitos internos, bem como Karl Urban, que também consegue expor um sofrimento calado.

Quanto ao trio principal... Chris Hemsworth não é um bom ator, mas também não é ruim - ou seja, serve para o papel. Cate Blanchett pode até se divertir como Hela, mas é uma antagonista superficial e genérica. A atriz é tão extraordinária que consegue atuar bem a partir de um descalabro de roteiro. Blanchett consegue ser expressiva até mesmo com um texto inexpressivo, uma ordem para Thor e Loki se ajoelharem não soaria da mesma forma se fosse outra atriz. A maquiagem e os efeitos visuais que a rodeiam são estonteantes, seus poderes, impressionantes. Ainda assim, falta profundidade à vilã, o que reverbera no potencial de uma atriz tão gabaritada. A conclusão não poderia ser diferente: pela enésima vez, Loki é o que há de melhor da subfranquia Thor. Isso ocorre não apenas porque Tom Hiddleston é o melhor ator do elenco principal, mas porque a personagem continua sendo a mais fascinante. Dessa vez, o deus da trapaça não tem aquele ar de superioridade, mas sua dubiedade moral é inafastável, o que justifica seus atos controversos. O irmão (adotado, como ele insiste em ressaltar) de Thor nunca é confiável, parece estar sempre à espera de uma oportunidade para fazer o mal. Mas eventualmente também comete boas atitudes.

Não, "Thor: Ragnarok" não encerra bem a trilogia, não ficará marcado como um dos melhores do UCM e não alavancará a carreira de Taika Waititi. É um desperdício de elenco e de tempo do espectador adulto. Para os infantes, talvez seja uma opção válida.

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P.S.: o 3D é dispensável. Há uma cena em que Thor fica em uma cadeira preso, parecendo ter alucinações, é uma oportunidade em que a tecnologia poderia ser bem utilizada. Não é o caso.
P.S.2: a segunda cena pós-créditos é uma das piores (se não a pior) do UCM até hoje.

Estreias da semana -- 26/10/2017

A semana tem estreias grandes, não necessariamente boas. Mas as críticas virão logo, logo!

THOR: RAGNAROK
Crítica em breve!


MANIFESTO
Drama em que Cate Blanchett faz vários monólogos.
SinopseUma série de monólogos interpretados por Cate Blanchett explora os componentes performativos e o significado político de manifestos históricos.
Pré-conceito: imperdível!


PELÉ - O NASCIMENTO DE UMA LENDA
Biografia estadunidense do futebolista brasileiro.
SinopseA história do jogador de futebol Pelé, de sua infância na cidade mineira de Três Corações até a consagração ao ganhar a Copa do Mundo de 1958 pelo Brasil, com apenas 17 anos.
Pré-conceito: dispensável.


MISSÃO CEGONHA
Animação distribuída pela Playarte.
SinopseApesar de todos acharem que ele é um papagaio, Richard agarra-se à convicção de que é na verdade uma cegonha.
Pré-conceito: as férias escolares já chegaram?


O FORMIDÁVEL
Comédia francesa com Louis Garrel.
SinopseParis 1967. Jean-Luc Godard, o mais influente cineasta de sua geração, está filmando ‘La Chinoise’ com a mulher que ama, Anne Wiazemsky, 20 anos mais jovem. Eles são felizes, atraentes, apaixonados e se casam. Mas a recepção do filme desencadeia uma profunda reflexão em Gordard.
Os eventos de maio de 68 vão amplificar esse processo, e a crise que abala o cineasta irá transformá-lo profundamente, de um cineasta superstar à um artista Maoísta inteiramente fora do sistema e incompreendido.
Pré-conceito: bem metalinguístico e biográfico, talvez em demasia.


MARK FELT - O HOMEM QUE DERRUBOU A CASA BRANCA
Drama estadunidense sobre o caso Watergate, protagonizado por Liam Neeson.
SinopseA trajetória da vida de Mark Felt, vice-presidente do FBI que, de maneira secreta e usando o nome fictício de "Deep Throat", foi informante dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, contribuindo assim para o desfecho do famoso escândalo de Watergate, responsável por conseguir a renúncia do então presidente Richard Nixon.
Pré-conceito: imperdível.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Blade Runner 2049 -- Como nascem os clássicos


Hoje o Recanto tem a honra de publicar o texto do colega e amigo Robinson Samulak, a quem agradeço desde já pela enriquecedora contribuição. O Robinson também é crítico no Cinema com Rapadura, presenteando-nos com sua visão de BLADE RUNNER 2049. Aqui vai!



Blade Runner 2049: Como nascem os clássicos
Por Robinson Samulak

Existe algum filme que já tenha nascido clássico? E ao falar de clássico, estou me referindo aos filmes cuja discussão se estendeu para além da sala de cinema. E mais ainda, para além do seu próprio lançamento. Grandes obras, hoje consagradas e tidas como imortais e/ou fundamentais para o cinema, nasceram de forma discreta, por vezes desacreditadas. Coube ao tempo torná-las, como costumamos dizer, clássicas. Porém, em tempos de redes sociais, nas quais todos podem (e muitas vezes querem) ter opiniões sobre tudo, o fenômeno do “nascimento” de um filme clássico tem se apressado. “Blade Runner 2049” é umas das vítimas recentes dessa necessidade afobada de querer definir tudo. Mas será que ele pode se enquadrar nesse panteão de “clássicos do cinema”?

Dirigido por Dennis Villeneuve, o filme é uma sequência do (clássico) de 1982 “Blade Runner: O Caçador de Andróides”. Desta vez acompanhamos K (Ryan Gosling), um replicante responsável por “aposentar” outros replicantes. Quando K se depara com restos mortais de uma replicante, cuja morte se deu em consequência de um parto, ele mesmo começa a se questionar sobre sua função e existência, enquanto precisa investigar e acabar com as evidências para evitar uma rebelião de outros replicantes.

Diferente do filme anterior, “Blade Runner 2049” já nos apresenta o protagonista como um replicante. E mesmo consciente de sua natureza, K se questiona sobre o que de fato ele é. E esse é um dos principais méritos do roteiro da dupla Hampton Fancher e Michael Green. A história permite ser questionada constantemente, sem que precise criar muitas tramas paralelas, nem exageros desnecessários. Ainda temos uma trama que se alimenta dos (clássicos) filmes noir para entregar uma narrativa de um policial que está investigando um mistério.

O filme também possui longos planos cuja função, além de contemplativa (Roger Deakins faz um belíssimo trabalho com a fotografia do filme), é para que o público possa absorver a sequência anterior. A falta de pressa do filme é fundamental para que a narrativa não seja confusa. Tudo o que é apresentado, pode ser absorvido com calma. Nesse aspecto, a trilha composta por Benjamin Wallfisch e Hans Zimmer ajuda bastante. Discretas durante a ação, as músicas sobem nas sequências contemplativas do filme. Em diversos momentos as referências à (clássica) trilha composta por Vangelis reforçam o ambiente do filme original. O resultado é uma trilha sonora orgânica ao filme, que entram nos momentos exatos para nos permitir refletir sobre cada cena.

Quem destoa da obra acaba sendo Harrison Ford. Repetindo o papel de Deckard, parece faltar motivação ao ator (inclusive no figurino). Nem carismático, nem canastrão, Ford tem um papel curto, pontual, porém de grande relevância para o filme. Aquém de suas qualidade na atuação, ao menos convence em entregar uma personagem visivelmente cansada da sua condição. O isolamento e o passado trágico o colocaram numa situação que poderia ser mais bem abordada pelo ator, porém a falta disso não prejudica o filme. E aqui é necessário retomar a importância que o roteiro tem para equilibrar esses possíveis problemas.

Ao contrário, a atriz Ana de Armas consegue entregar uma das personagens mais sólidas do filme. Uma espécie de “amante” holográfica de K, Joi estaria numa condição inferior de existência aos próprios replicantes. A atriz, por vezes, consegue demonstrar sua frustração por isso, e não esconde o desejo de ser algo além de um holograma, quando questiona K ao dizer em determinada cena “Como aconteceria com uma garota de verdade”. Ao mesmo tempo, ela permite uma das reflexões mais preciosas do filme. Enquanto K está tentando encontrar informações sobre o filho de uma replicante, observa o catálago com a sequência genética de algumas pessoas. Nesse momento, Joi questiona que a existência humana se resume a três letras (as abreviações do que compões o DNA), enquanto ela se resumo a dois números (0 e 1, que compõe as informações na computação). Logo, seria ela tão diferente de nós?

Filmes como “Blade Runner 2049” surgem de tempos em tempos. Levantam muitas perguntas que podem (ou não) serem respondidas com o tempo. O papel dos clássicos é não permitir que essas perguntas morram com o tempo. Não apenas sobre a existência da humanidade, mas sobre a própria arte, política ou qualquer outro tema. O importante é que clássicos não morrem. Eles sobrevivem ao tempo porque sua relevância os torna atemporal. Não cabe a discussão se este é ou não um bom filme. Sua qualidade técnica se mostra genuína do início ao fim, independente de gosto pessoal (eu, particularmente, acredito que a sequência da lembrança de K poderia abrir o filme, assim como acho que a cena final não precisaria ser mostrada). Afinal, não é o gostar ou não gostar, nem a beleza técnica que criam filmes clássicos. É a sua própria condição de ser relevante, independente do momento.

Os Meyerowitz - Família Não Se Escolhe -- Cinema com Rapadura

Disponível no Netflix, OS MEYEROWITZ - FAMÍLIA NÃO SE ESCOLHE é um conjunto de lições enobrecedoras que chegou a concorrer à Palme d'Or no Festival de Cannes. Confira a minha crítica sobre esse filme, publicada no Cinema com Rapadura, clicando aqui.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Bom Comportamento -- Refúgio

É no cinema independente que saem pérolas inigualáveis, como "Cisne Negro". A última edição do Festival de Cannes recebeu um exemplar dessa origem, BOM COMPORTAMENTO, uma coprodução entre EUA e Luxemburgo que, se não chega aos pés da grandiosa obra de Aronofsky, está muito acima dos sucessos comerciais rotineiros.

O plot é singelíssimo: os irmãos Connie e Nick assaltam um banco, a empreitada dá errado e Nick é capturado pela polícia. Decidido a resgatá-lo, Connie inicia uma jornada hercúlea recorrendo a todos os meios possíveis, mesmo sabendo que ele mesmo também é alvo das autoridades.

Rotulando a película em um gênero, é um filme de ação policial, cujo roteiro é raso e mal desenvolvido, vez que não consegue abrir mão de conveniências (como o ônibus esperando justamente como e quando Connie precisava), previsibilidades e até mesmo deus ex machina (o cachorro, já ao final). Não é um texto elaborado com requinte, arquitetado de maneira inteligente para quiçá montar um quebra-cabeças ao final. Exemplo disso é o mcguffin* que Connie e Ray pegam no parque de diversões, mas que acaba se tornando uma Arma de Chekhov** mal utilizada, já que seu desfecho específico é ignorado.

No entanto, o prólogo é magnífico ao apresentar o subplot das pessoas com deficiência. Sua qualidade não está propriamente no texto, até porque, nesse quesito, o filme é falho. Ocorre que, logo nos primeiros minutos, já é possível perceber uma direção diferenciada, que soube criar uma atmosfera magnética através dos closes e de uma mise en scène bem elaborada. É possível entender um pouco da temática que está por trás do longa, incluindo um trauma pretérito, ou seja, que uma das personagens (Nick) existia antes de o filme acontecer - pode parecer óbvio, mas alguns filmes passam a impressão de que sua diegese começou a existir no primeiro minuto da sua duração.

O elenco quase que se resume a Robert Pattinson, que vai bem como protagonista, dentro do seu talento ordinário. O que há de positivo a ser destacado é que ele enfim está abandonando o perfil de galã que a indústria insistia em imputar a ele, aceitando papéis mais desafiadores e, por assim dizer, alternativos - vide suas atuações em "Z - A Cidade Perdida" e "Life - Um Retrato de James Dean". Jennifer Jason Leigh tem uma participação minúscula, assim como Barkhad Abdi (aquele de "Capitão Phillips"). Taliah Webster é uma estreante de personalidade e Buddy Duress tem a comicidade acidental que o papel demandava.

Ben Safdie participa do filme como ator e codiretor, tendo êxito nas duas funções (na verdade, é também um dos montadores). No papel de Nick, Safdie vive um jovem com deficiência psicológica tão alienado e eventualmente apartado da realidade que sua condição se torna preocupante, tornando Connie uma figura (ainda mais) moralmente dúbia. Melhor dizendo: a atuação de Pattinson já é boa o suficiente, mas Safdie ajuda no envolvimento do público em relação à dubiedade de Connie. A dupla funciona muito bem.

Ben Safdie trabalha com Joshua Safdie na ótima direção do longa, provavelmente o que oferecem de melhor. Nas cenas de ação, a trilha sonora é movida por uma música bem agitada, com batidas eletrônicas que estimulam a tensão, em um ritmo sonoramente cíclico, que acaba sendo fundamental na tensão e, mais uma vez, consegue fixar o espectador na trama. Também os planos fechados, embora angustiantes, auxiliam para criar a atmosfera impactante que os diretores moldam, tornando a película mais atrativa. A direção de fotografia é sensacional, abusando dos cenários noturnos, com composições cuja referências são os guetos, corroborados pelas maquiagens realistas e pelo maravilhosa execução da iluminação. Na casa da idosa, por exemplo, a filmagem fica nas sombras, dando a ideia de algo obscuro; depois, no parque de diversões, é criado um efeito de neon, sugerindo uma sensação tenebrosa à noite. Sem dúvida, é uma estética elogiável. Isso tudo sem contar a tocante cena ao final, que mostra a versatilidade dos Safdie.

"Bom Comportamento" provavelmente não tem potencial para figurar nas grandes premiações que virão. Isso não no aspecto financeiro apenas, mas mesmo do ponto de vista técnico, é um filme que tem virtudes, mas também tem claras limitações. O cinema independente, ainda assim, permanece como um refúgio à mesmice do cinema comercial.


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*Mcguffin (macguffin ou maguffin), expressão popularizada por Alfred Hitchcock, é um dispositivo de enredo, que consiste em um elemento do plot que motiva, em geral, a personagem principal, isto é, normalmente é um bem material (mas pode ser também um lugar, uma pessoa, dinheiro, ou coisas imateriais, como sucesso, amor etc.) que a personagem busca para si, sem ser essencial para a narrativa, embora consiga mover a trama. Exemplos: Rosebud em "Cidadão Kane", o colar no filme "Titanic", o Um Anel em "O Senhor dos Anéis" etc.

** “Arma de Chekhov” é uma expressão usada para designar um objeto constante no texto, aparentemente insignificante, mas que, em um momento posterior, revela sua importância. Dizia o autor que “não se deve colocar um rifle carregado no palco se ninguém estiver pensando em dispará-lo” (daí a ideia de “arma”, que, na verdade, pode ser qualquer objeto). O ensinamento de Chekhov é que um bom roteiro não deve dar espaço a frivolidades, inserindo objetos sem uso algum.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Estreias da semana -- 19/10/2017

Mais uma semana não muito animadora nos cinemas. É o vácuo entre a última temporada das premiações e a próxima temporada, com raros filmes de qualidade.

TEMPESTADE: PLANETA EM FÚRIA
Clique aqui para ler a crítica, publicada no Cinema com Rapadura.


BOM COMPORTAMENTO
Drama estadunidense com Jennifer Jason Leigh e Robert Pattinson no elenco.
SinopseUm assaltante de banco vê-se incapaz de fugir das pessoas que o estão perseguindo.
Pré-conceito: a sinopse não diz nada, mas o trailer é instigante.


UMA RAZÃO PARA RECOMEÇAR
Drama estadunidense sem nomes conhecidos.
SinopseA vida de Benjamin Morton mudou para sempre no dia em que conheceu sua vizinha. Ava era e sempre será a garota dos seus sonhos. Da inocência de uma amizade de infância, passando pela atração adolescente, o amor deles se fortaleceu e cresceu. Quando a vida dá uma reviravolta, que nenhum deles esperava, todo o seu futuro é questionado. O filme explora os altos e baixos da vida e do amor, mostrando que em tempos bons e ruins a vida pode ser levada com esperança e que sempre há a oportunidade para algo novo.
Pré-conceito: parece ótimo para dormir.


A GUERRA DOS SEXOS
Drama com Emma Stone e Steve Carell no elenco.
SinopseUma disputa de tênis entre o ex-campeão Bobby Riggs e a líder da classificação mundial Billie Jean King se torna centro de um debate global sobre igualdade de gêneros. Presos sob a atenção da mídia e com ideologias diferentes, Riggs tenta reviver as glórias do passado, enquanto King questiona sua sexualidade e luta pelos direitos das mulheres.
Pré-conceito: considerando a dupla e a temática, é imperdível (evidentemente, nas cidades onde o filme for exibido).


DE VOLTA PARA CASA
Comédia estrelada por Reese Witherspoon.
SinopseA vida de uma mãe solteira em Los Angeles toma um rumo inesperado quando ela permite que três rapazes se mudem para sua casa.
Pré-conceito: um retrocesso para a não grandiosa carreira da atriz (que tinha dado um avanço considerável com a série "Big Little Lies").


DOENTES DE AMOR
Comédia romântica distribuída pela California Filmes.
SinopseO comediante paquistanês, Kumail, e a estudante de graduação, Emily, se apaixonam, mas eles encontram dificuldades quando suas culturas entram em conflito. Além disso, quando Emily contrai uma doença misteriosa, Kumail deve tentar resolver a crise com seus pais causada pelo conflito emocional entre sua família e seu coração.
Pré-conceito: é do mesmo produtor de "Missão Madrinha de Casamento", tem potencial.


ALÉM DA MORTE
Terror estrelado por Ellen Page e com Diego Luna no elenco.
SinopseNa esperança de fazer algumas descobertas, estudantes de medicina começam a explorar o reino das experiências de quase morte. Cada um deles passa pela experiência de ter o coração parado e depois revivido. Eles passam a ter visões em flash, como pesadelos da infância, e a refletir sobre pecados que cometeram. Os experimentos se intensificam, e eles passam a serem afetados fisicamente por suas visões enquanto tentam achar uma cura para a morte.
Pré-conceito: o argumento é interessante, mas o gênero não costuma ser animador.


A COMÉDIA DIVINA
Comédia brasileira com grandes nomes (Murilo Rosa, Monica Iozzi, Thiago Mendonça e Dalton Vigh).
SinopseAbalado por sua baixa popularidade, o Diabo resolve vir à Terra e fundar sua própria igreja. Os pecados são virtudes e devem ser estimulados. Utilizando a televisão, o coisa ruim potencializa seu poder de sedução para ganhar mais fiéis. Raquel, uma jovem jornalista ambiciosa, é uma das primeiras a cair sob seu domínio.
Pré-conceito: não conseguiu sequer ter um título original. Como esperar algo bom?

domingo, 15 de outubro de 2017

First They Killed My Father -- Impressiona bastante

O representante do Camboja para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018 é FIRST THEY KILLED MY FATHER (em tradução livre, "Primeiro Eles Mataram Meu Pai"), filme original Netflix que é coprodução com os EUA.

O longa, baseado em fatos reais, conta a história da pequena Loung (Sareum Srey Moch), obrigada a migrar para o interior do Camboja com sua família quando o regime comunista do Khmer Vermelho, em 1975, toma a capital cambojana, onde residiam. A partir de então, Loung e seus familiares lidam com diversas intempéries para conseguirem sobreviver.

Em se tratando de Camboja, provavelmente ninguém em Hollywood tem mais qualificação que Angelina Jolie, responsável pelo roteiro e pela direção do longa (dentre os produtores executivos está seu filho Maddox, nascido no país). Não há dúvida que ela fez o trabalho com muito afinco e houve um aprimoramento desde "À Beira Mar". Ainda assim, Jolie é melhor ativista que atriz, melhor atriz que diretora e melhor diretora que roteiristaNão obstante, "First They Killed My Father" é facilmente o melhor filme da sua carreira como diretora, até agora.

Sabendo tratar-se de um país desconhecido da maioria da população mundial, no prólogo é feito um histórico do Camboja, com imagens reais e recortes de noticiários, como introdução, até chegar ao vilão da história, o Khmer Vermelho. A questão política não é bem explicada, pois há quase uma identidade (do ponto de vista histórico) entre o Khmer Vermelho, o Partido Comunista da Kampuchea e o Angkar: tecnicamente, não são sinônimos, porém, na prática, acabaram sendo - e o filme não explica isso muito bem. O Angkar era tratado como uma entidade e era o nome corrente dado ao Partido, que era clandestino; o Partido liderava o Khmer Vermelho, este foi o nome dado aos seguidores do Partido; o Partido governou o Camboja no período em que a narrativa se passa.

O que fica claro é que o Angkar era impiedoso, defendendo, por exemplo, que era preferível errar ao matar um inocente que deixar um inimigo vivo. Em uma cena, uma personagem representante do Khmer Vermelho expressa o entendimento que demonstração de afeto simboliza fraqueza. Essa faceta do novo regime fica muito clara, é a parte mais interessante do filme, era um regime militarista, impessoal e que pregava como sentimentos exclusivos a raiva e a fidelidade ao Angkar. As crianças deveriam aprender desde cedo a odiar os vietnamitas e quaisquer outros que invadissem sem país, não havendo problema algum a exposição dos infantes naquele ambiente bélico, ativa ou passivamente. De maneira sagaz, mais ao final, o texto dá um contraponto, no sentido que o ódio dissemina o ódio, mostrando que os oprimidos aprendem facilmente a desumanidade dos opressores.

A produção também é eficaz ao demonstrar o lado comunista e ditatorial do regime, que criou um Camboja sem banco, sem propriedade privada (esta corrompe o povo, que precisava abandonar o pensamento imperialista e feudalista anterior) e sem classe social. Os reflexos ocorriam desde questões pequenas como vestimentas, até questões maiores, como alimentação e saúde: no entendimento do Angkar, o país podia ser autossuficiente nos recursos alimentares e medicinais, os resultados, é claro, foram catastróficos. Também não é preciso mencionar que o próprio Angkar tem suas benesses, confiscando bens e aproveitando regalias como nicotina - diga-se, enquanto o povo (inclusive muitas crianças) sofria em campos de trabalho forçado, passando fome.

O roteiro fica enriquecido quando os laços familiares ficam mais robustos, isto é, depois de cerca de uma hora de duração. Não é difícil concluir que a primeira hora é arrastada, mais monótona e pouco envolvente. Isso porque o script não soube dosar as cenas que não precisavam ser tão exploradas, em especial no início, já que certamente a produção poderia ser bem mais sucinta. Exemplo do excesso são passagens em que a protagonista tem delírios, que nada acrescem à trama e que são absolutamente aleatórios - nesse caso, o equívoco é da direção, que implantou momentos descartáveis que tentam tornar o filme enfadonho.

É esse provavelmente o grande problema da película: existem cenas desnecessárias e que tornam o produto final cansativo. Todavia, Jolie tem muitos acertos na direção, como os planos abertos que não apenas exibem a beleza natural do Camboja como escancaram o quanto aquela crueldade destoava do visual. Nesse sentido, tudo que é visto e ouvido é muito real e convincente, das locações às atuações (inclusive mirins), dando um bom efeito de imersão nos momentos mais tensos. A trilha sonora também é de qualidade, sendo delicada nos momentos certos e soando aterrorizante quando os cambojanos são escravizados.

"First They Killed My Father" é um filme triste, com momentos que comovem o público mais sentimental, mostrando uma realidade pouco conhecida e culpando quem for necessário (inclusive os EUA). A filmagem na perspectiva da menina é um bom atributo, pois, ao mesmo tempo que atenua a carga dramática do enredo (seus olhos têm a doçura infantil), abala mais por se tratar de uma criança. E acompanhar uma infante de sete anos passar pelo que ela passa (baseado em fatos reais, cabe recordar) impressiona bastante.

sábado, 14 de outubro de 2017

Detroit em Rebelião -- Cinema com Rapadura

Conforme adiantado, a melhor estreia da semana é DETROIT EM REBELIÃO. Clique aqui para ler a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Filmes da semana -- 12/10/2017

A semana é triste, sem nenhum filme atraente estreando nos cinemas. Porém, é claro que alguns podem ser gratas surpresas, essa possibilidade sempre existe.

EL AMPARO
Drama coproduzido entre Colômbia e Venezuela.
SinopseEm 1988, na cidade de El Amparo, fronteira com a Colômbia, dois pescadores sobrevivem a um ataque armado nos canais do rio Arauca, no qual 14 de seus companheiros morreram. O Exército venezuelano os acusa de serem guerrilheiros e tenta tirá-los da prisão onde estão sob custódia de um policial e de um grupo de moradores locais que impedem que os levem dali. Ambos dizem que são simples pescadores, mas a pressão para eles reproduzirem a versão oficial é grande.
Pré-conceito: de interesse local.


DETROIT EM REBELIÃO
Drama dirigido por Kathryn Bigelow com John Boyega e Anthony Mackie no elenco.
SinopseNo verão de 1967, a cidade de Detroit é abalada pelos motins.
Pré-conceito: considerando a diretora, pode ser muito interessante.


GAROTO FANTASMA
Animação franco-belga.
SinopseUm garoto com super poderes ajuda um policial de cadeira de rodas em uma difícil missão.
Pré-conceito: provavelmente passa uma bela mensagem, mas não consegue cativar os pequenos.


A MORTE TE DÁ PARABÉNS
Terror estadunidense.
SinopseUma mulher é assassinada e fica presa entre vida e morte. Ela deve resolver o mistério de seu próprio assassinato, ressucitando várias vezes até descobrir quem foi o responsável pelo crime. Só quando ela compreender o que causou sua morte, pode conseguir escapar de seu destino trágico.
Pré-conceito: o argumento é interessante, porém, o gênero terror costuma ter uma imensa facilidade em decepcionar.


ENTRE IRMÃS
Drama brasileiro dirigido por Breno Silveira e com Nanda Costa e Marjorie Estiano no elenco.
SinopseNos anos 30, duas irmãs separadas pelo destino enfrentam o preconceito e o machismo, uma por parte da alta sociedade na cidade grande, e a outra de um grupo de renegados no interior. Apesar da distância, elas sabem que uma só tem a outra no mundo e cada uma, à sua maneira, vai se afirmar de forma surpreendente. Baseado no livro A costureira e o cangaceiro, de Frances de Pontes Peebles.
Pré-conceito: o trailer não chamou a atenção e as duas atrizes não parecem ter o que é necessário para sustentar o filme.


LOGAN LUCKY - ROUBO EM FAMÍLIA
Comédia dirigida por Steven Soderbergh com elenco estelar (Katherine Waterson, Daniel Craig, Channing Tatum e Adam Driver).
SinopseDois irmãos planejam um assalto durante uma corrida de NASCAR, na Carolina do Norte.
Pré-conceito: não fosse o diretor e o elenco, passaria despercebido. Não é exatamente um bom sinal.


A MENINA ÍNDIGO
Drama brasileiro com Murilo Rosa e Fernanda Machado no elenco.
SinopseSofia é uma criança diferente, que adora pintar e desenvolveu o dom de curar enfermidades. Quando um jornalista sensacionalista descobre seus poderes, a notícia se espalha e obriga os pais separados da menina a se unirem em seu auxílio.
Pré-conceito: homenagem ao Dia das Crianças.


AS AVENTURAS DO CAPITÃO CUECA - O FILME
Animação distribuída pela Fox.
SinopseDuas crianças hipnotizam o malvado diretor da escola onde estudam e transformam-o no personagem de suas histórias em quadrinhos, o bondoso e elástico Capitão Cueca.
Pré-conceito: homenagem ao Dia das Crianças [2].


COMO SE TORNAR O PIOR ALUNO DA ESCOLA
Comédia brasileira com Danilo Gentili no elenco.
SinopsePedro e Bernardo são estudantes e enfrentam as tarefas de cumprir as obrigações escolares, tirar boas notas, ter bom comportamento e cumprir as regras da escola. Frustrados, Pedro acaba encontrando um diário de como provocar o caos na escola sem ser pego, o que leva os dois amigos a seguirem as dicas do caderno.
Pré-conceito: homenagem ao Dia das Crianças [3].


O ADVOGADO
Drama sul-coreano sem nomes muito conhecidos.
SinopseSem clientes, amigos e nem sequer um diploma, Song Woo-suk pelo menos tem um bom olho para os negócios, e, assim, consegue se tornar um dos mais bem sucedidos advogados tributaristas da cidade. No entanto, ele começa a questionar seus valores quando se envolve no caso de estudantes detidos pela polícia sob falsas acusações.
Pré-conceito: pode ser bom, mas não encontra mercado nos cinemas brasileiros.

domingo, 8 de outubro de 2017

Jogo Perigoso -- Não soube como terminar

Qualquer filme que tenha como argumento um tabu chama a atenção, de um lado, mas afasta espectadores conservadores, de outro. JOGO PERIGOSO parte do BDSM, todavia, seu itinerário é bem diversificado e gera um bom suspense.

Para evitar spoilers e melhorar a experiência (porque a sinopse oficial já entrega bastante), basta saber que o plot se inicia com um casal em crise que viaja para uma casa isolada no intento de aquecer o relacionamento. Momentos antes do sexo, o marido ingere um comprimido de Viagra; na hora, algema a esposa na cama. Não muito tempo depois, a aventura passa a ser um pesadelo para ela, que precisa lutar para sobreviver enquanto enfrenta traumas da infância não superados.

Assim, o filme é uma miscelânea de temáticas espinhosas e maduras, mescla que soa natural na maior parte do tempo. "Fantasia de estupro" (palavras dela) e BDSM são tabus desconfortáveis para a imensa maioria das pessoas, mas o interessante é que servem apenas de pretexto para adentrar em uma matéria muito mais madura - e outra, posteriormente, bastante sombria -, referente ao machismo. Vale dizer, a catapulta para o filme como um todo se tornar mais sombrio é o machismo do marido, que quer uma esposa submissa; o sexo é a metonímia da relação deles: forçado, artificial, desgostoso e, claro, com a evidente prevalência de uma das partes (nem é preciso dizer qual).

Nesse ínterim, a narrativa desenvolve uma espécie de transtorno dissociativo de identidade (TDI) dentro da cabeça da própria protagonista, de modo que surgem novas personagens a partir dela mesma. É uma ferramenta sagaz, inclusive para dar dinamicidade à trama, porém, acaba se tornando repetitiva. O melhor é que não há propriamente um vilão ou antagonista na película, embora a mente dela crie uma figura antagônica. Na verdade, em termos técnicos, adotando o modelo actancial de Greimas, a protagonista atua como sujeito cujo objeto é a sobrevivência, criando tanto um adjuvante quanto um opositor, ambos movimentando a trama com diálogos, ainda que sem muita ação.

(PARÁGRAFO COM SPOILERS) A parte sombria se refere, é claro (ao menos para quem viu o filme) à abordagem do Complexo de Electra do qual sofre a protagonista. O que ela buscava no marido era alguém semelhante ao pai; embora não de forma consciente, seu trauma da infância fez com que quisesse um homem que fosse o mais parecido possível com seu próprio genitor. Apenas uma nova experiência traumática teve o condão de fazê-la enxergar que o marido não era bom e que só tinha sido escolhido para, de certa forma, substituir a figura paterna. Jung explica. (FIM DOS SPOILERS)

Um roteiro com tantas camadas só podia ter saído da mente doentia inteligente como a de Stephen King, autor da obra original na qual o roteiro se baseou. Embora exista um esmero para abordar matérias acerca das quais a maioria dos autores foge, a construção das personagens não é das melhores. Maniqueísta, o texto sugere que o mundo é dividido entre vítimas e agressores, em uma visão simplista da realidade, o que não é digno do mestre do suspense. Entretanto, cabe reiterar a coragem em explorar assuntos marginalizados pelas artes populares.

O elenco conta, basicamente, com dois nomes, pois os demais integrantes do cast têm participação muito pequena. Carla Gugino é a valente Jessie, acorrentada (literalmente) à cama e à sina de enfrentar medos que estavam arquivados, mas não esquecidos. Sua atuação é medíocre, inferior à do experiente coadjuvante Bruce Greenwood, que é tão convincente no papel que se torna cada vez mais detestável.

"Jogo Perigoso" - no original, "Gerald's Game" (traduzindo, "O Jogo do Gerald") - está na média da carreira do diretor Mike Flanagan: acima do pavoroso "O Espelho" e pouco acima dos medianos "Ouija - Origem do Mal" (leia a minha crítica deste filme clicando aqui) e "O Sono da Morte", que são muito mais filiados ao gênero terror. Como o filme não é de terror, mas suspense, Flanagan não recorre aos clichês daquele gênero, dando um passo à frente. Aqui, ele usa bem sutilezas como a cor do carro e da cueca, mas não vai além do básico na câmera, salvo em um plano em que mostra a distância entre o olhar da protagonista e seu celular, com a mão no meio do caminho, sem poder pegar o objeto - a maneira como foi algemada foi bem eficaz. Enquanto suspense, no geral, a direção é eficaz, gerando momentos de tensão mesmo a partir de elementos simples como um copo de água. Visualmente, nada chama a atenção, exceto a cena do eclipse, em que é usado um filtro vermelho para deixar a cena ainda mais tenebrosa. É importante advertir que existem na película algumas (poucas) mutilações corporais que podem impressionar os espectadores de estômago mais frágil.

Em visão macro, sobressaem-se dois grandes defeitos no longa. A partir de um flashback no quarto da protagonista, uma cena entediante, o filme perde ritmo, se torna repetitivo, cansativo e enrolado. A despeito da sua curta duração, seu texto também é curto, logo, a bem da verdade, uma hora e vinte seriam suficientes. Ademais, o desfecho é bastante insatisfatório, deixando um enorme vazio através de uma mensagem praticamente niilista, em razão da qual a experiência cinematográfica se encerra quando o filme acaba. Interpretações extensivas são possíveis - e não só nesse filme -, mas, dessa vez, a sensação é a de que o autor não soube como terminar sua obra.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Filmes da semana -- 05/10/2017

A semana já vem com duas críticas prontas. O principal filme da semana é a continuação de um clássico.

CHURCHILL
Clique aqui e confira a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura.


O MELHOR PROFESSOR DA MINHA VIDA
Clique aqui e confira a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura.


ROCK'N ROLL - POR TRÁS DA FAMA
Comédia francesa com Guillaume Canet (que também dirige) e Marion Cotillard no elenco.
SinopseGuillaume Canet, 43 anos, recebe uma crítica de uma jovem atriz dizendo que ele não é mais Rock'N Roll e, portanto, não consegue mais vender filmes. Com a ajuda de sua namorada, ele tenta provar o contrário. 
Conceito: já vi o filme, é bem divertido, em especial para quem admira a cultura francófona e gosta do casal. Nota 7.


PICA-PAU: O FILME
Animação estadunidense com Thaila Ayala no elenco.
SinopseO brincalhão e travesso Pica-Pau está metido em mais uma de suas divertidas brigas por território e, dessa vez, os inimigos são o vigarista Lance Walters e sua namorada Brittany. Eles estão determinados a construir a sua grande casa dos sonhos mas, para isso, precisam derrubar a casa do Pica-Pau, que promete não deixar barato.
Pré-conceito: pode divertir a criançada. Talvez.


BLADE RUNNER 2049
Continuação do clássico de Ridley Scott, agora dirigido por Denis Villeneuve, responsável por filmes excelentes, como "A Chegada". Tem um elenco estelar, com nomes como Harrison Ford, Jared Leto e Ryan Gosling.
SinopseTrinta anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, um novo Blade Runner desenterra um segredo que tem o potencial de transformar em caos o que resta da sociedade.
Pré-conceito: pré-candidato a várias categorias do Oscar.


MY LITTLE PONY - O FILME
Animação estadunidense distribuída pela Paris Filmes.
SinopseQuando uma força obscura ameaça Ponyville e a Mane 6, os pequenos pôneis embarcam em uma viagem até o fim de Equestria para salvar sua amada casa. Lá eles conhecem novos amigos e passam por desafios perigosos ao longo do caminho.
Pré-conceito: como tiveram a coragem de lançar isso nos cinemas?


CHOCANTE
Comédia brasileira com nomes como Bruno Mazzeo e Marcus Majella no elenco.
SinopseUma boy band brasileira que fez sucesso nos anos 1990 se reúne novamente para o velório de um deles, quando têm a ideia de reunir os integrantes para um último show.
Pré-conceito: comédia brasileira ortodoxa. Ou seja, tortura.


NA PRAIA À NOITE SOZINHA
Drama sul-coreano distribuído pela Zeta Filmes.
SinopseYounghee é uma atriz famosa que tem a sua vida pessoal exposta após um caso com um homem casado. Ela acaba então decidindo deixar sua cidade e passar um tempo em Hamburgo, na Alemanha, e dar uma pausa na carreira. E, ao retornar à Coréia, Younghee reencontra os velhos amigos e começa a refletir sobre suas possibilidades de futuro.
Pré-conceito: difícil dizer algo com uma sinopse tão genérica.