domingo, 15 de outubro de 2017

First They Killed My Father -- Impressiona bastante

O representante do Camboja para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2018 é FIRST THEY KILLED MY FATHER (em tradução livre, "Primeiro Eles Mataram Meu Pai"), filme original Netflix que é coprodução com os EUA.

O longa, baseado em fatos reais, conta a história da pequena Loung (Sareum Srey Moch), obrigada a migrar para o interior do Camboja com sua família quando o regime comunista do Khmer Vermelho, em 1975, toma a capital cambojana, onde residiam. A partir de então, Loung e seus familiares lidam com diversas intempéries para conseguirem sobreviver.

Em se tratando de Camboja, provavelmente ninguém em Hollywood tem mais qualificação que Angelina Jolie, responsável pelo roteiro e pela direção do longa (dentre os produtores executivos está seu filho Maddox, nascido no país). Não há dúvida que ela fez o trabalho com muito afinco e houve um aprimoramento desde "À Beira Mar". Ainda assim, Jolie é melhor ativista que atriz, melhor atriz que diretora e melhor diretora que roteiristaNão obstante, "First They Killed My Father" é facilmente o melhor filme da sua carreira como diretora, até agora.

Sabendo tratar-se de um país desconhecido da maioria da população mundial, no prólogo é feito um histórico do Camboja, com imagens reais e recortes de noticiários, como introdução, até chegar ao vilão da história, o Khmer Vermelho. A questão política não é bem explicada, pois há quase uma identidade (do ponto de vista histórico) entre o Khmer Vermelho, o Partido Comunista da Kampuchea e o Angkar: tecnicamente, não são sinônimos, porém, na prática, acabaram sendo - e o filme não explica isso muito bem. O Angkar era tratado como uma entidade e era o nome corrente dado ao Partido, que era clandestino; o Partido liderava o Khmer Vermelho, este foi o nome dado aos seguidores do Partido; o Partido governou o Camboja no período em que a narrativa se passa.

O que fica claro é que o Angkar era impiedoso, defendendo, por exemplo, que era preferível errar ao matar um inocente que deixar um inimigo vivo. Em uma cena, uma personagem representante do Khmer Vermelho expressa o entendimento que demonstração de afeto simboliza fraqueza. Essa faceta do novo regime fica muito clara, é a parte mais interessante do filme, era um regime militarista, impessoal e que pregava como sentimentos exclusivos a raiva e a fidelidade ao Angkar. As crianças deveriam aprender desde cedo a odiar os vietnamitas e quaisquer outros que invadissem sem país, não havendo problema algum a exposição dos infantes naquele ambiente bélico, ativa ou passivamente. De maneira sagaz, mais ao final, o texto dá um contraponto, no sentido que o ódio dissemina o ódio, mostrando que os oprimidos aprendem facilmente a desumanidade dos opressores.

A produção também é eficaz ao demonstrar o lado comunista e ditatorial do regime, que criou um Camboja sem banco, sem propriedade privada (esta corrompe o povo, que precisava abandonar o pensamento imperialista e feudalista anterior) e sem classe social. Os reflexos ocorriam desde questões pequenas como vestimentas, até questões maiores, como alimentação e saúde: no entendimento do Angkar, o país podia ser autossuficiente nos recursos alimentares e medicinais, os resultados, é claro, foram catastróficos. Também não é preciso mencionar que o próprio Angkar tem suas benesses, confiscando bens e aproveitando regalias como nicotina - diga-se, enquanto o povo (inclusive muitas crianças) sofria em campos de trabalho forçado, passando fome.

O roteiro fica enriquecido quando os laços familiares ficam mais robustos, isto é, depois de cerca de uma hora de duração. Não é difícil concluir que a primeira hora é arrastada, mais monótona e pouco envolvente. Isso porque o script não soube dosar as cenas que não precisavam ser tão exploradas, em especial no início, já que certamente a produção poderia ser bem mais sucinta. Exemplo do excesso são passagens em que a protagonista tem delírios, que nada acrescem à trama e que são absolutamente aleatórios - nesse caso, o equívoco é da direção, que implantou momentos descartáveis que tentam tornar o filme enfadonho.

É esse provavelmente o grande problema da película: existem cenas desnecessárias e que tornam o produto final cansativo. Todavia, Jolie tem muitos acertos na direção, como os planos abertos que não apenas exibem a beleza natural do Camboja como escancaram o quanto aquela crueldade destoava do visual. Nesse sentido, tudo que é visto e ouvido é muito real e convincente, das locações às atuações (inclusive mirins), dando um bom efeito de imersão nos momentos mais tensos. A trilha sonora também é de qualidade, sendo delicada nos momentos certos e soando aterrorizante quando os cambojanos são escravizados.

"First They Killed My Father" é um filme triste, com momentos que comovem o público mais sentimental, mostrando uma realidade pouco conhecida e culpando quem for necessário (inclusive os EUA). A filmagem na perspectiva da menina é um bom atributo, pois, ao mesmo tempo que atenua a carga dramática do enredo (seus olhos têm a doçura infantil), abala mais por se tratar de uma criança. E acompanhar uma infante de sete anos passar pelo que ela passa (baseado em fatos reais, cabe recordar) impressiona bastante.

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