quinta-feira, 28 de abril de 2016

Capitão América: Guerra Civil -- Filme muito bom e honesto

Chris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Anthony Mackie, Paul Rudd, Elizabeth Olsen, Jeremy Renner, Sebastian Stan, Don Cheadle, Tom Holland, Daniel Brühl, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Martin Freeman, Frank Grillo, Emily VanCamp, William Hurt e Marisa Tomei. Como equilibrar tantos nomes em um filme? CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL mostra que é possível.

O prólogo do filme já surpreende ao se passar em 1991, trazendo uma explicação fundamental para o argumento - aliás, o filme é repleto de surpresas (no geral, boas). O roteiro segue dois eixos principais: o "Tratado de Sokovia" - assinado em Viena (?) - e o arco individual do Soldado Invernal. O Capitão e o Homem de Ferro duelam porque estão em lados opostos em ambos. Existem também diversos motores narrativos, iniciando efetivamente com um incidente envolvendo o Capitão, o vilão Ossos Cruzados (que é melhor que o vilão principal) e, principalmente, a Feiticeira Escarlate, que acidentalmente mata civis inocentes. O grande problema do plot é a inserção de ideias ruins e eventualmente artificiais, tais como um envolvimento da ONU nada crível e a conexão forçada entre o Soldado Invernal e o vilão principal.

Não obstante, há claro esmero na construção das personagens, que é bastante rica. Inicialmente, os "veteranos" continuam no mesmo bom ritmo: Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr., desta vez mais sério e dramático) e Viúva Negra (Scarlett Johansson). Por sua vez, os conhecidos permanecem em papéis modestos (o Gavião Arqueiro de Jeremy Renner, o Homem-Formiga de Paul Rudd e o Máquina de Combate de Don Cheadle) ou avançam em algum sentido. No primeiro caso, o Gavião Arqueiro tem participação pequena, assim como o Homem-Formiga, mas este tem função de alívio cômico (e tem destaque individual numa ótima cena) e certamente agrega no contexto. Como personagem, o Homem-Formiga comprovou que é ótimo com função de coadjuvante, não tendo fôlego para o protagonismo. No segundo caso, Elizabeth Olsen consegue dar novas camadas para a Feiticeira Escarlate: Wanda aparece no início como espiã (o que é novo), mostrando posteriormente que ainda é psicologicamente instável, mas não tanto quanto antes. Anthony Mackie é uma grata surpresa na atuação, pois o Falcão se torna mais útil na batalha - boa parte graças a um drone (um diálogo entre ele e a Viúva Negra merece ser ignorado, pois a tentativa de humor é bem falha) - e, em determinado momento, é fundamental na sequência narrativa. Paul Bettany é um grande ator e seu talento sobra para explorar um Visão mais humano e apaixonado. Outro que é verticalizado é o papel de Sebastian Stan, podendo-se distinguir entre duas personalidades distintas, Bucky e Soldado Invernal - a atuação é razoável. Ainda, os novatos variam bastante: William Hurt retorna agora como político, mas em papel encolhido; o Pantera Negra é, no mínimo, fascinante; o Everett Ross de Martin Freeman é um verdadeiro desperdício (do talento do ator), pois a participação é minúscula e praticamente irrelevante; Emily VanCamp e Frank Grillo estão lá apenas para justificar tratar-se de um filme do Capitão América (argumentando não ser um "Vingadores 2.5") e o Homem-Aranha rende momentos espetaculares. O Cabeça de Teia não aparece tanto tempo na tela, mas o suficiente para apresentar Tom Holland no papel (e Marisa Tomei rapidamente como uma jovial-mas-não-menos-preocupada Tia May). O garoto está visivelmente confortável e vive um Peter quase tão descolado quanto o de Andrew Garfield - o herói é muito divertido. Todavia, o que o Spider tem de melhor é o viés adolescente que se lhe foi atribuído, rejuvenescendo o herói ao representar mais um reboot promissor. Por quê o Pantera Negra é fascinante? Por duas razões (que permitem uma análise conivente em relação à sua incoerência): a atuação de Chadwick Boseman é ótima, em especial pelo trabalho vocal imprimindo um sotaque peculiar, além disso, seu envolvimento na guerra é verossímil por uma sagacidade do roteiro (que certamente exigiu um raciocínio apurado para evitar que soasse como uma inserção forçada).

Interessante observar que o filme é bom apesar do vilão fajuto - o que não é culpa do seu intérprete, Daniel Brühl. O ator acerta na atuação contida e mais amedrontadora (destaque para o trabalho de voz, simbolicamente linear e serena), porém, ele não pode salvar o antagonista principal dos erros havidos quando da sua construção. É um vilão sem motivação (ao menos uma motivação que soe crível naquele universo diegético), além do que seus atos soam absurdos (ainda considerando o contexto fantástico). Apesar disso, o roteiro é bem elaborado quanto às personagens, não apenas por dar razoável equilíbrio, mas também porque acerta na abordagem da interação entre os heróis: no começo já se percebe um avanço no trabalho em equipe, o que prossegue mais adiante, em especial no "Team Cap", outrossim, existe romance e amizade entre eles (a amizade entre Steve e Natasha, independentemente de Capitão e Viúva, aparece novamente e tem ótimos momentos). Aliás, como não gostar da Viúva Negra?

Com tudo que foi dito é possível notar que GUERRA CIVIL é um filme de personagens e estrelas, antes mesmo de ser um filme de heróis. É notório que a porrada é a prioridade visual, ainda que em detrimento do texto, entretanto, é inegável que é isso que o público-alvo busca. Existe uma hipocrisia ao fingir que há profundidade no roteiro, mas a pequena dosagem deste quesito permite condescendência: não é o longa de heróis mais intelectual que já existiu, mas a tentativa de suscitar algumas questões além da porrada dá algum crédito, inclusive por não perder tempo com grandes explicações. Dois times, duas ideologias, batalha. A "filosofia" de minimizar o "falatório" dá certo naquele contexto, o que é também o mote da Marvel. E desta vez sem tantas piadas.

Compreendendo isso é que o saldo da direção dos irmãos Russo é positivo. O auge reside nas (incontáveis) cenas de luta, com coreografias de luta bem convincentes (os ensaios devem ter sido inúmeros), com bastante violência em razão do impacto (dos golpes) explícito. Cinema também é convencimento, na porrada, há êxito. Por outro lado, além de não terem sido aproveitadas as diversas locações (mais um desperdício!), os diretores não dominam a linguagem do 3D, que fica ruim com a constante pouca profundidade de campo e uso de rack focus. Até mesmo a câmera lenta desnecessária numa cena de luta ao final não permite afirmar que a direção é de má qualidade. O saldo, cabe reiterar, é positivo.

Também é ruim a mixagem de som caótica. Houve esmero na edição de som, mas o uso incessante de efeitos sonoros dificulta a compreensão daquilo tudo, tornando o longa, do ponto de vista sonoro, massante e cansativo. A bem da verdade, o filme é cansativo, mas não monótono - afinal, com tantas batalhas a monotonia passa longe.

Cansa (em especial aos ouvidos), mas é um entretenimento válido para a sua proposta. Não é uma pérola da sétima arte (como a maioria que entra em cartaz, certo?), mas é um filme muito bom e honesto em relação ao que se propõe a ser. Um objetivo que não é artisticamente elogiável, mas também não é desprezível como outros, bem piores. E de trabalho competente. Ruim não poderia ser.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

O Caçador e a Rainha do Gelo -- O resultado não é ruim

O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO é uma grata surpresa. O filme anterior (BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR) era uma versão frágil do clássico conto da Branca de Neve, personagem esta vivida pela sempre terrível Kristen Stewart. O primeiro acerto do segundo filme foi defenestrar Kristen Stewart do elenco, fato que indica per si uma maior qualidade. Não apenas o segundo filme é muito melhor que o primeiro como se pode afirmar que o resultado é satisfatório dentro da sua proposta. Se não é ótimo, também não é ruim.

Melhor falar em "segundo filme" do que "continuação". Isso porque O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO não é propriamente uma sequência, mas uma mescla de prequel (antecedente) com continuação: parte da narrativa é anterior ao filme anterior, parte é posterior. Isso significa um desafio leve para o roteiro, pois ele previsa ser coerente com os elementos preexistentes, aqueles do filme lançado antes. Logo, pode-se afirmar que Craig Mazin e Evan Spiliotopoulos lograram êxito na tarefa de harmonizar pretérito e futuro diegéticos. Mais: algumas das críticas ao roteiro são injustas. Afirmar que a narração voice over é sinônimo de preguiça, nesse caso, é exagero: o recurso é típico do cinema fantástico, e torna-se aceitável, neste longa, para acelerar as passagens introdutórias - cabe reiterar o obstáculo temporal da película. O maniqueísmo até existe, mas não é ortodoxo como no anterior - e dizer mais significaria spoiler. Ademais, existe uma interessante mensagem subliminar consistente no pensamento segundo o qual nossa filosofia é moldada pelas nossas experiências pessoais (e não pelo senso-comum) - talvez seja esta a maior preciosidade do filme.

No que se refere às personagens, a ótima Ravenna de Charlize Theron é a mesma de antes, pois não precisava mudar. O roteiro não avança na personagem porque estragaria um de seus melhores elementos, ratificando logo no prólogo o quão maligna e inescrupulosa (além de poderosa) ela consegue ser. Diversamente, o Caçador de Chris Hemsworth é lapidado para ganhar traços delineados com maior densidade, e o ator dá conta com facilidade. Hemsworth não é um Laurence Olivier, contudo, só o esforço de mostrar que pode ser mais que o Thor já lhe concede algum crédito. Eric, o Caçador, tem um coração de manteiga e se apaixona perdidamente pela Guerreira, o que não afasta sua audácia. O bravo Eric tem ainda uma veia cômica abordada en passant, agregando um pouco à personagem. Nada substancialmente diferente do anterior, porém, mais vertical. A Guerreira Sara interpretada razoavelmente por Jessica Chastain é essencial na narrativa, mas não traz acréscimos consideráveis ao plot, ao menos em termos de mensagem e representação cinematográfica. Vale dizer, tendo em vista o caminho tomado pelo enredo - tendo como tema nuclear a importância do amor -, um amor compatível com Eric era necessário, e Sara atende a este perfil. Entretanto, todos os traços da personagem (do seu perfil psicológico raso às atitudes modestas - pois não pode se sobrepor ao Caçador -, da história de vida clichê à condução óbvia) são monótonos e de significado já batido. Levemente insossa na parte prequel, ela se torna fria na sequência, tudo dentro daquele contexto já conhecido. Os anões servem como alívio cômico desnecessário e de gosto duvidoso: desnecessário porque o enredo já é leve; de gosto duvidoso porque de humor piegas. A tentativa de fazer rir com uma anã falastrã (Doreena, vivida com alguma competência por Alexandra Roach) insistente na guerra dos sexos é vã. Na verdade, os anões irritam mais do que fazem rir.

Prosseguindo nos papéis, é a Rainha do Gelo que dá o verdadeiro up no longa. Freya é uma personagem complexa e repleta de camadas complexas e nuances que enriquecem a trama. Por exemplo, ao afirmar que a única lei do seu reino é a proibição de amar, elege como prioridade sua filosofia de vida; e ao exigir a lealdade como moeda de troca em razão da libertação (em relação ao amor), destaca a importância de manter-se como monarca. Emily Blunt faz mais um excelente trabalho de interpretação ao captar o que Freya representa e, principalmente, conseguir transitar nas transformações sofridas por ela, vez que seu pensamento e suas atitudes se alteram no correr da narrativa.

A direção de Cedric Nicolas-Troyan é modesta. Ele insere referências diversas (uma delas, óbvia, porém visualmente agradável, é a Rainha do Gelo em cima de um urso polar, o que remonta à Feiticeira Branca de Nárnia) e abusa de um CGI convincente. Sua constância não incomoda não apenas pela competência na elaboração (diferente de, por exemplo, "Deuses do Egito"), mas porque é um recurso inerente às realidades fantásticas. Não há absurdo em fazer um gobblin digitalmente. O único momento de maior criatividade é uma paradoxal elipse com slow motion representando o passar dos anos a partir do Caçador, numa cena que, se não inova, é algum diferencial dentro do próprio filme.

Tecnicamente, o que há de melhor em O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO é o deslumbrante figurino, em especial com Freya. Em verdade, a caracterização das rainhas teve bastante esmero, mas o cume reside no vestuário da Rainha do Gelo, enriquecido com efeitos sonoros de um aparente tilintar no seu caminhar. A fotografia azul acinzentada (misturando com o dourado condizente com a outra rainha) também colabora.

Ok, o filme não é uma catarse cinematográfica. Não é um arauto de originalidade - até algumas falas são previsíveis! -, não é um exemplar formidável da sétima arte. Mereceria uma nota medíocre, como um 6,5. Mas isso não é pouco para um projeto cuja ambição é monetária e não artística. Isto é, para um longa de evidente escopo de lucrar (ainda que, eventualmente, em detrimento da arte), o resultado não é ruim.

Milagres do Paraíso -- Cinema com Rapadura

O subgênero cinematográfico gospel tem crescido e amadurecido. "Milagres do Paraíso" recebeu nota 5 e - acreditem - é melhor que muitos dos concorrentes. Fraco, mas com alguns predicados. Leia a crítica clicando aqui.

Amor por Direito -- Cinema com Rapadura

Apesar de ideologicamente progressista, "Amor por Direito" acaba tendo uma abordagem narratológica clichê, razão pela qual dei nota 6. Clique aqui e entenda.

Truman -- Cinema com Rapadura

O filme é muito bom, uma pena sua exibição em um circuito restrito. Dei nota 8, clique aqui e leia a crítica!

O Escaravelho do Diabo -- Cinema com Rapadura

Na minha crítica, dei nota 5. Clique aqui e entenda o porquê.

Invasão a Londres - Cinema com Rapadura

Nota 4 para esse filme fraco. Clique aqui e confira a crítica!

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Decisão de Risco -- A guerra contra o terrorismo definitivamente não é fácil

No geral, filmes sobre terrorismo são simplistas. Existe o lado do bem e o do mau (maniqueísmo na sua forma mais pura), respectivamente, EUA e o grupo terrorista qualquer. O objetivo dos mocinhos é matar os malvados para reduzir a maldade existente no mundo e quiçá salvar milhares de pessoas. "And God bless America".

"Decisão de risco" é muito diferente dessa maioria que enxerga a guerra contra o terrorismo de forma limitada. Não é bem contra mau, não é só o salvamento de um número hipotético de pessoas. O nome em português, diverso do original em inglês, é bastante acertado, pois, numa guerra, sempre haverão riscos a serem mensurados. E o nome original ("Eye in the Sky") também é pertinente, pois há enfoque no uso dos drones. Nesses acertos iniciais, a frase que começa o longa ("na guerra, a verdade é a primeira vítima", de Ésquilo) talvez não seja a mais compatível, afinal, verdade é um conceito bem relativo.

O filme conta a história de um ajuste intergovernamental (britânicos e quenianos) com o objetivo de capturar uma cidadã britânica (Danford, interpretada por Lex King, que praticamente não aparece) que se encontra com um grupo terrorista. Descobrem não apenas que Danford está lá aliada aos terroristas, como existe uma cidadã estadunidense e que todos eles planejam um ataque suicida. Logo, o plano inicial de captura precisa ser abandonado para que o grupo seja eliminado. Surgem, porém, alguns problemas: assassinar uma cidadã estadunidense pode gerar um problema diplomático; matar a britânica também teria um óbice jurídico. Tudo muda de figura, mas a operação multinacional antiterrorismo ganha proporções maiores que as iniciais ao alterar o plano inicial (de captura para homicídios) e envolver os governos britânico, estadunidense (único que inicialmente não participava) e queniano.

Como se percebe, o roteiro é o grande diferencial ao fazer uma abordagem inovadora sobre a guerra contra o terrorismo. A inovação consiste, em um primeiro momento, em inserir a tecnologia na guerra, pois os britânicos acompanham o que acontece em Nairóbi no conforto europeu através de drones, e toda a operação é executada por drones, do começo ao fim. Além disso, há uma visão muito mais ampla dessa guerra ao elencar diversas variáveis: não se trata de um simples ataque para matar terroristas, mas medir os riscos de danos colaterais, a responsabilidade que ninguém quer assumir pelos assassinatos (acaba sendo uma verdadeira "batata quente", pois é visível a fuga de todas as autoridades em relação à responsabilidade de assumir a culpa pelo resultado como um todo), a execução por terra quando necessário, a certeza quanto às identidades e assim por diante. São muitos elementos presentes para eventualmente consumar o ataque, considerando até mesmo o que chamam de "guerra da propaganda", o que acaba se tornando uma frivolidade ante à gravidade do possível desfecho. A narrativa transita entre suspense e drama com um pouco de ação, o que comprova o esmero para elaborar um roteiro diferenciado.

A questão referente ao risco no título brasileiro é verticalizada no decorrer da narrativa, vez que cada circunstância inédita enseja novos riscos, novos danos colaterais e maior responsabilidade dos envolvidos. O primeiro grande risco foi enviar um somali para confirmar (por um drone de besouro) as identidades dos que estão no local mirado. Para tal mister, o somali deveria se aproximar, daí o risco - aliás, Jama Farah é interpretado por Barkhad Abdi, em atuação soberba de um agente queniano infiltrado cuja relevância é fundamental por ser o único trabalhando por terra e arriscando a própria vida no trabalho. É Farah quem mais se arrisca, e o nível alto do trabalho de Abdi permite a identificação cinematográfica secundária com facilidade. Ademais, os estadunidenses enxergam o risco de forma claramente diversa, eles têm uma lógica antiterrorista muito distinta da dos britânicos. Isso fica claro em duas falas: americano aliado de qualquer forma a terrorista se torna terrorista também e, portanto, inimigo dos EUA; o governo dos EUA ficaria bastante desapontado se o britânico deixasse de atacar os terroristas.

Numa visão técnica, a montagem é confusa no início, desprezando qualquer viés didático que poderia ter. Contudo, se torna mais palatável com o decorrer da narrativa, quando as intrincadas tramas ganham forma e ficam mais compreensíveis. A direção de Gavin Hood é modesta, sem nenhum destaque específico. Pelo fato de o filme se basear em 3 cenários distintos (ruas de Nairóbi, centro do comando militar inglês e um local de reunião de políticos e autoridades), o design de produção é eficaz para representar o abismo visual dos cenários, o que, inclusive, facilita a identificação de cada um. Sem contar algumas sutilezas, como a retirada do paletó por parte de um ministro em um momento de tensão, deixando aparecer seu suor (as "pizzas" na região das axilas). Em prol do realismo, os efeitos visuais e sonoros são minimalistas, porém, a trilha sonora modesta consegue ampliar a tensão nos momentos-chave.

No que se refere à construção do perfil das personagens, o filme também é ótimo, tanto em razão do aprofundamento do roteiro, quanto (principalmente) pelas ótimas atuações do bom elenco. O maior destaque é, provavelmente, Helen Mirren, que, em mais um trabalho formidável, imprime à sua Coronel Powell a mulher fria e sem senso humanístico que é, colocando sempre os objetivos inerentes à profissão acima de tudo. Com um discurso bastante cru (chega a afirmar "nossa inteligência é ruim" ao qualificar um mero atraso), a Coronel é o norte inabalável da luta contra o terrorismo, minimizando consequências reflexas se o escopo principal (matar terroristas) for atingido. Aliás, palmas para o roteiro por colocar uma mulher em tal posição, não apenas alta na hierarquia militar, mas de relevância no roteiro, distante do perfil estereotipado que se poderia esperar. Seu oposto é Angela Northman (Monica Dolan), a âncora humanista de atuação mais singela. Mirren é uma grande atriz fazendo um excelente trabalho com um papel bem racional. Dolan é uma atriz modesta fazendo um trabalho bem razoável com um papel muito mais racional. A identificação cinematográfica secundária pende para Mirren, não pelo carisma da atriz, nem pelo conteúdo das suas ações e de seu discurso, mas porque a personagem é, por si só, mais convincente. Não menos importante que a Cel. Powell é o General Benson do já saudoso Alan Rickman, que, em também mais um trabalho formidável, encanta ao moldar um militar mais parcimonioso e menos exaltado que a Coronel. Ainda que seja um militar destinado a lutar contra terroristas, ele é mais sereno e tenta agir racionalmente, brilhando com frases emblemáticas - em especial, em um diálogo com Angela, já no final do longa. O lado humano de Benson também é mostrado em cenas relativas a uma compra de uma boneca (tema que ele claramente não domina), enquanto que Powell de humano tem muito pouco. Evidentemente, é proposital mostrar os dois fora do ambiente de trabalho no início, estabelecendo o quão diferentes eles são, ainda que não diametralmente opostos. Afins, mas diversos. Aaron Paul atua como o Tenente Steve Watts, um dos pilotos que controla o drone responsável pela operação. Ele é uma variável relevante na narrativa, e Paul até se esforça, todavia, falha na dramaticidade da personagem, que é mais irritante que convincente, atrapalha mais do que faz refletir. Em síntese, destoa dos demais. Por fim, a criança do pão ganha os holofotes ao formar o retrato da inocência (ou dos inocentes) em relação ao terrorismo, agregando muito à narrativa. O terrorismo não é feito de vítimas diretas e vilões maléficos, mas existem também vítimas reflexas, concretas ou hipotéticas, que devem ser sempre consideradas, jamais ignoradas. Colocar uma criança boa e ingênua soa carismático e emociona (criando ainda mais tensão), mas o foco era retratar um contraponto aos métodos bélicos do antiterrorismo. Ou seja, eventualmente, existe um preço que poderá ser pago para extirpar a prática terrorista do planeta, e a luta não é fácil como algumas produções sugerem.

É este o caminho trilhado pelo ótimo "Decisão de Risco", que mostra que tornar um tema mais complexo enriquece muito a matéria, dialogando com o espectador a ponto de fazê-lo refletir sobre a temática. São muitas vidas em jogo e muitos riscos a serem assumidos (cuja responsabilidade ninguém quer assumir). A guerra contra o terrorismo definitivamente não é fácil.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Rua Cloverfield, 10 -- Meramente razoável, graças ao péssimo epílogo

Esta crítica destoará da maioria. "Rua Cloverfield, 10" é um filme apenas razoável, não chega ao nível "ótimo" pregado por alguns, e está bem distante do brilhantismo enxergado por poucos. Um filme razoável, nada mais.

O filme é protagonizado por Michelle, que, após um acidente de carro, acorda trancada em um quarto. Ela é apresentada a Howard, que afirma tê-la salvado da morte em razão de um "ataque dos grandes" sofrido na superfície. Segundo ele, estão no único local seguro. Revelar mais possivelmente acarretaria um spoiler, melhor parar.

O longa começa com um prólogo interessante, mas pouco esclarecedor. Em tese, serve para traçar o perfil da personalidade de Michelle. Sem sons diegéticos e com uma música para enaltecer o clima de tensão, ela aparece arrumando as malas, nitidamente apreensiva. Depois, descobre-se que ela está fugindo de Ben - participação meramente vocal (por telefone) de Bradley Cooper -, com quem mantinha um relacionamento. Ou seja, Michelle é retratada como escapista em relação aos problemas, o que gera uma incoerência gigantesca do roteiro, pois a premissa é abandonada logo após, quando ela se revela destemida e audaz. Vale dizer, o quase diálogo entre Ben e Michelle serviria para mostrar sua personalidade voltada à fuga dos problemas, mas, no filme inteiro, ela é uma heroína exemplar. Aliás, outro equívoco: Michelle se revela o arquétipo clichê da heroína sexy, independente, inteligente e audaciosa. Nos bons tempos de Sigourney Weaver, fazia sentido, hoje, porém, até mesmo um "Jurassic World" insere a figura no roteiro. Agora, todavia, é feito um perfil voyeurista da personagem arquetípica - a velha coisificação da mulher -, em que ela enfrenta quem ou o que for necessário sem perder a sensualidade (o vestuário minimalista ajuda). O fato de focar na dúvida e fugir do maniqueísmo é um dos trunfos do longa, afinal, ela é razoável, não ruim.

Apesar do marketing enaltecer a participação do fantástico J. J. Abrams, ele atuou apenas como produtor - foi ele o responsável por afirmar que "Rua Cloverfield, 10" é um "parente distante" de "Cloverfield - Monstro". Coube ao desconhecido e inexperiente Dan Trachtenberg o trabalho da direção, e, verdade seja dita, ele se revelou muito promissor e tecnicamente já em bom nível. Trata-se, pois, de um talento a ser lapidado. Sua obsessão por rack focus - técnica que até enriquece, mas o exagero incomoda - comprova que Trachtenberg ainda não está pronto. Não obstante, até a metade do filme ele faz enquadramentos certeiros, apostando em um plano geral no início (dando a sensação de liberdade, que no futuro é tolhida) e primeiríssimos planos reiteradas vezes em Michele. Os planos abertos no bunker (falando nele... cinza e rosa? Sério?) obstam a sensação de clausura (ao contrário do ótimo "O Quarto de Jack", por exemplo), ou seja, a claustrofobia é diminuta, em especial dos enquadramentos, mas também pela boa iluminação. Para quem viu "Room", não há incômodo com este. Ademais, os primeiros instantes de Michelle no que aparenta ser o porão do bunker são muito bem filmados: tudo é revelado aos poucos (até mesmo o rosto de Howard demora para aparecer) até ela conhecer todo o local. Trachtenberg domina o uso de plongée e contra-plongée: este quando Howard transparece imponência e passa a impressão de assustador; aquele para potencializar Michelle como indefesa ou assustada (e também no belo plano da queda de um parafuso). O diretor até consegue gerar sensações no espectador, em especial no deslumbramento de Michelle nos raros encontros com janelas que permitem uma visão do exterior, mas não é um ás no quesito (principalmente na claustrofobia já citada).

Repleto de simbolismos frágeis, como o sorvete para representar uma bandeira branca e a cortina de pato indicando inocência (sem contar um plano-detalhe sem sentido algum em um anel, pois, se o objetivo era explicitar o abandono afetivo, já estava bastante claro), é o roteiro o calcanhar de Aquiles da obra. Em primeiro lugar, não convence no perfil psicológico das personagens: Michelle, como já dito, é incoerente; Howard é dúbio (único acerto) e Emmett é insignificante. A competência dos artistas não salva as personagens: Mary Elizabeth Winstead se esmera para tornar Michelle mais interessante, contudo, como o objetivo é fazer dela um pedaço de carne com coragem, não havia muito mais a ser feito; o veterano John Goodman domina com facilidade as nuances de Howard, mas se perde no final (consequência do roteiro); John Gallagher Jr. não teve espaço para mostrar se tem talento. Além disso, o plot aborda subtramas obscuras marginalizadas, pois são abandonadas (como o relacionamento de Michelle com Ben) ou ficam sem solução (Megan e Brittany que o digam). Nesse ínterim, o filme é uma aberração narrativa: apresenta premissas que depois são abandonadas, subtramas sem valor, personagens desinteressantes ou clichês (exceto Howard) e transita de gênero sem necessidade. É de fácil percepção a queda de nível que o longa apresenta na sua duração, começando razoável, atingindo o ápice no primeiro ato, mantendo-se razoável no segundo ato e tendo um epílogo desprezível. No primeiro ato, o espectador acompanha um thriller psicológico em que as dúvidas imperam. A atmosfera criada permite o incômodo pelo desconhecimento da verdade. No desenvolvimento, as reviravoltas incomodam um pouco, mas nada que afete a agradabilidade da trama até então. Porém, o desfecho, embora permita a relação (minúscula) com "Cloverfield - Monstro", acaba sendo um abandono do suspense para abraçar outro gênero (toma um rumo inesperado e decepcionante), tornando-se uma ficção idiota que faz de idiota o espectador. O que tinha de bom até então é jogado no lixo em prol de sequências inverossímeis e nada criveis, não apenas do ponto de vista lógico, mas principalmente se for considerado o universo diegético do filme. Não que o desfecho em si represente algo absurdo - é, no máximo, incoerente -, mas destoa do resto e não faz sentido dentro daquilo tudo. Explicando melhor: o epílogo poderia usar aqueles elementos, mas não conduzí-los daquela forma bizarra. É imprevisível, mas também inverossímil, perdendo a credibilidade ao abandonar o gênero preliminar. Uma verdadeira queda livre narrativa. Acaba sendo quase um encerramento niilista: considerando o final, "Rua Cloverfield, 10" é uma tremenda perda de tempo; ignorando o epílogo, é um bom filme; no saldo, portanto, é meramente razoável. É a prova de que um desfecho ruim pode (quase) destruir uma obra boa.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Batman vs. Superman: A Origem da Justiça -- Nem 8, nem 80

Elaborar a crítica de um filme de mais de duas horas e meia e que envolve dois dos maiores ícones culturais da seara dos HQs torna-se um desafio imenso na medida em que existe um contexto preestabelecido (das personagens) e uma legião de fãs ávidos pela verticalização neste universo. A obra é tão vasta que seria possível elaborar uma análise a partir de um exclusivo ponto de vista - por exemplo, a atuação. É por isso que parte-se da premissa de que, na presente crítica de "Batman vs. Superman: A Origem da Justiça" (BvS), serão abordados aspectos técnicos relacionados ao filme, não às personagens em si.

Os trailers apresentaram tantos spoilers que quase fizeram do longa um fracasso, pois pouco do que é visto na película - em um 3D dispensável e que se torna cansativo - chega a ser novidade. É paradoxal perceber que a síntese da trama é minúscula: o Batman vê a destruição ocorrida no embate entre Superman e Zod (em "O Homem de Aço", em 2013), iniciando sua revolta contra o kriptoniano, decidindo enfrentá-lo para mostrar que ele não é unstoppable como parece para a maioria dos humanos - ou seja, o Cavaleiro das Trevas não tem medo algum e mostra ao Homem de Aço que exista quem possa enfrentá-lo e mesmo levá-lo à derrota. Artificialmente, são inseridas subtramas relacionando dois vilões, uma heroína (bastante heroica, diga-se de passagem) coadjuvante e, en passant, três outros heróis que participarão do filme da Liga da Justiça. Há que se reconhecer que BvS exerce bem o papel de ponte entre tudo que é anterior ao embate entre os dois - o já mencionado "O Homem de Aço", o futuro filme solo da Mulher Maravilha e o pretérito subentendido dos demais heróis (Batman, Aquaman, Flash e Ciborgue) - e a formação da Liga da Justiça. Sendo este o objetivo, ele foi cumprido, ainda que se reconheça tratar-se de um pretexto para a megalomania cinematográfica no subgênero. A Marvel já descobriu que reunir heróis é sucesso quase certo, obrando para isso em estilo próprio, com leveza e bom humor. É por isso que a DC/Warner acerta ao não imitar a concorrente e seguir uma linha de realismo e seriedade com fundo sombrio, basta ser coerente com este ponto de partida. Talvez o Superman fique demasiado sombrio, mas, como ele está no início da sua "carreira", há plausibilidade. O segundo objetivo é agradar aos fãs, o que se concretiza, ainda que o produto final não seja o ideal.

Dito isto, o maior (mas não único) equívoco de BvS é o fato de não ter sido enxuto. Por exemplo, o prólogo consiste em uma cena desnecessária da morte do casal Wayne (Thomas e Martha, pais de Bruce), que, se cortada, não faria falta e ainda economizaria um tempo valioso (que permitiria desenvolver melhor outro aspecto). Teria sido muito melhor poupar o espectador desta repetição, ou, se mencioná-la, bastaria um diálogo breve entre Bruce e Alfred. Por outro lado, é ótima a cena em que Bruce assiste aos eventos catastróficos que se passaram em Metrópolis, funcionando como link para o futuro duelo entre Batman e Superman. Como catapulta narrativa, é fundamental, mas, em termos de filmagem, teria sido melhor a câmera subjetiva (talvez fosse exigir técnica demais do Snyder...). Conforme se verá mais adiante, se o filme fosse abreviado, o produto final seria muito superior. Tornou-se um pouco cansativo por adiar demais o embate dos heróis e segurar a história com uma introdução demasiadamente lenta se comparada com o ritmo acelerado das sequências finais.

A isto se relaciona ao frágil roteiro, repleto de furos e elementos de difícil compreensão. São vários os questionamentos decorrentes do longa, ainda mais para quem não tem conhecimento do conteúdo das HQs dos heróis. Isto é, é notório que o filme é dirigido mais (não exclusivamente) aos fãs das HQs, e os agrada, mas exagera no mistério e na falta de explicações. Por que havia kriptonita na Terra? Qual a origem do nome "Português Branco"? Como a Mulher Maravilha se infiltrou na casa do Lex Luthor? Enfim, são tantos furos de roteiro que a narrativa fica comprometida - isso sem contar outros, ainda mais graves (e que revelariam spoilers em demasia). O próprio motivo pelo qual os heróis cessam a luta não é crível (na verdade, é bem idiota). Por outro lado, roteiro frágil não é sinônimo de ausência de roteiro ou roteiro caótico, pois este não é o caso. Bastante perdida, existe uma sequência perceptível de acontecimentos com começo, meio e fim (mais na perspectiva do Batman, por assim dizer, priorizado narrativamente) e há uma conexão com os universos particulares dos heróis. Há que se reconhecer que não era fácil conectar o pretérito desconhecido de Batman e Mulher Maravilha ao pretérito já conhecido do Homem de Aço. A teia é complexa, não se pode negar. Também merece reconhecimento o fato de que, em BvS, existe uma história, ainda que falha, que subsiste por si só, isto é, o plot não serve de pretexto para as cenas de ação (que, por sinal, até que são curtas se comparadas com a duração total do longa), o que dá a entender o objetivo de não ser mais um blockbuster qualquer de ação desenfreada estilo Michael Bay. De Michael Bay o Zack Snyder tem muito pouco, e comparar Snyder a Bay é ofensivo para o mentor de "300" e "Watchmen". Snyder tem uma narrativa e sabe que ela é a prioridade, ainda que se esmere na ação. Ainda sobre o roteiro, duas personagens merecem destaque por envolverem subtramas que o enriquecem: Lois Lane, que indubitavelmente é engrenagem narrativa, mesmo atrapalhando Superman mais que o ajudando; e a Senadora Finch (Holly Hunter, em boa atuação), que faz boa dupla com Lex Luthor e rende bons momentos (embora sobrecarregue o plot).

A direção de Zack Snyder tem altos e baixos. Não é o descalabro que alguns afirmam, porém, está distante do ideal. Sim, George Miller comandando a produção de Liga da Justiça seria melhor. De todo modo, Snyder tem um estilo próprio de introspecção, sobriedade e realismo sui generis, sendo fiel a tais características. A introspecção significa conceder um ar sombrio e reflexivo, mais pensamento e menos (não ausência de) ação. Conecta-se à sobriedade na medida que a melancolia não dá vazão a elucubrações fantásticas. Aliás, embora o universo seja fantástico, ele imprime seu realismo pessoal, pois quer tornar a história verossímil - o extraordinário é explicado pelo elemento alienígena. Quem critica Snyder ignora a competência indubitável ao filmar as sequências de ação, cujo ápice é a luta do Batman em seu sonho, visto em 360 graus. Ok, o Apocalypse (Doomsday) foi feito em um CGI ruim, mas isso já é quase marca registrada da DC ("Lanterna Verde" que o diga). Piadas à parte, isso não compromete o longa.

Snyder aposta no contra-plongée para filmar o Superman, que aparece sempre no alto, com sua capa simulando asas, e um ar de divindade e distanciamento. Há uma única cena romântica para destacar o caráter humano de Clark, de sorte que o divino do herói é constantemente realçado, como já feito em "O Homem de Aço". São poucas as alegrias da personagem, mas seu caráter heroico é facilmente visível. Já o Batman foi uma enorme decepção. Parecendo um moleque mimado, no melhor estilo desprezível de "bandido bom é bandido morto" (matar não é um problema per si, pois é este o perfil seguido, que tem referência nos quadrinhos), trata-se de um herói nada heroico e excessivamente irracional. Não é um Batman inteligente e estrategista (aliás, ele é péssimo na estratégia, por exemplo, colocando armadilhas inócuas para o Homem de Aço), pois só entende a linguagem da porrada, chegando a torturar pessoas, marcando-as, para depois concluir sua inutilidade nas investigações. Ao menos ele é um detetive? Sim, mas um detetive incompetente, pois é sempre encontrado ao investigar (tanto na cena de tortura quanto na casa do Lex). Ele admite que é um criminoso, mas Alfred, que é o cérebro do morcego irracional, discorda: enfrentar o Superman não é o mesmo que enfrentar o Coringa. Batman tem apenas os músculos e o nome, o cérebro é de Alfred, que participa também da ação, ainda que à distância (como ao controlar a nave). A atuação de Jeremy Irons é muito boa, como se espera de um ator já consagrado. E mais: é um Batman covarde, já que se esconde do Apocalypse por não ter chances contra ele. As atuações da dupla são competentes: Henry Cavill é o mesmo do filme anterior, tendo que dividir mais o espaço e não apresentando acréscimo substancial na(s) personagem(ns); Ben Affleck driblou os críticos e provou que tem alguma competência mínima como ator - apesar de um tique de ranger os dentes na ação. Por sua vez, o vilão Lex Luthor dividiu opiniões. É um Luthor jovial e um pouco atlético (joga basquete), com falas em metáforas e onomatopeias - a metáfora dos demônios vindos do céu anunciam o futuro da DC no cinema, mas quem não tem grande conhecimento dos quadrinhos não entenderá bem. Contudo, o perfil é fiel ao manter as características marcantes de ser manipulador e inteligente. É o responsável, inclusive, pelos questionamentos explícitos sobre o caráter divino do Superman - em última análise, questiona as divindades conectas à fé das pessoas ao afirmar que ser bom e todo-poderoso ao mesmo tempo é um paradoxo. A atuação de Jesse Eisenberg é propositadamente histriônica, quase um overacting, o que desagradou muita gente, mas tem a virtude da originalidade. Não é ruim, apenas talvez não seja do agrado de uma parcela que prefere um vilão menos hiperativo, falante e insano. Como já é quase do senso comum, a Mulher-Maravilha rouba a cena nos breves momentos em que aparece - provavelmente seu encanto resida justamente no fato de aparecer apenas em doses tópicas. O criticado mistério em torno da personagem é plausível, afinal, em breve virá um filme solo, que, supõe-se, resolverá as "pontas soltas". A ideia é justamente deixar pistas, sem comprometer o seu perfil em relação à sua participação. Embora BvS tenha sido lançado antes, seu filme solo, cronologicamente falando, é anterior. Dito tudo isto, há outra verdade inescapável: a reunião da trindade leva qualquer fã ao delírio. O filme podia ser ruim - é apenas medíocre, no máximo, razoável -, mas dificilmente seria uma decepção grande como "Homem de Ferro 3" e "Lanterna Verde" (para comparar com outros filmes de heróis).

Dois recursos técnicos merecem menção pela qualidade. Os figurinos são ótimos: o visual do Batman é incrível, o Superman é o mesmo de antes, e a Mulher-Maravilha, por dividir espaço com o alter-ego Diana Prince, é maleável com acertos constantes nas opções. Até mesmo Lex Luthor tem vestimentas interessantes - a melhor, uma camiseta branca do que parece um macaco em um triciclo. Ainda melhor é a trilha sonora, merecendo destaque a inédita (e sensacional) "Is She With You?" (google it) e a clássica "Everytime we say goodbye".

Dois acertos, um erro enorme: a montagem de BvS é inacreditavelmente problemática, quase caótica. Se os equívocos outrora mencionados eventualmente não comprometeram o resultado, é aqui que houve comprometimento enorme. Desde alguns erros menores (como o Batman se livra da armadura de ferro em poucos segundos para entrar na nave?) até cenas totalmente desnecessárias - em especial os sonhos de Bruce Wayne, que agradam aos fãs por fazerem referência ao universo DC, sem acrescentar na narrativa, inflando o plot e dificultando a compreensão para a maioria do público (uma de terror de péssimo gosto até destoa do resto) -, o trabalho de montagem é horrível. Há uma sequência em que Luthor entra na nave de Zod e negocia com o Senador. Graças à montagem, ela fica confusa, justamente algo feito para ser simples. Martha Kent repete a famosa "people hate what they don't understand" em uma cena inserida apenas para aumentar o tempo de Diane Lane na tela. Outra cena desnecessária é a do retorno de uma personagem falecida. Vale dizer, são tantas cenas desnecessárias e confusas que a montagem infla o filme e descaracteriza a simplicidade presente no subgênero - ressalte-se que, nos filmes de heróis, a regra é um maniqueísmo claro, e ainda que a opção seja impor maior requinte, tornar a obra ininteligível em algumas partes não ajuda em nada.

"Batman vs. Superman: A Origem da Justiça" é um filme que permite infindáveis reflexões e conclusões sobre cada aspecto técnico. Como se percebe, o filme tem sim algumas virtudes e alguns erros, daí porque está no nível medíocre (sendo bonzinho, razoável). Não é o melhor filme de herói da época, mas está anos-luz a "Homem-Aranha 3" ou "Quarteto Fantástico", por exemplo. Se a DC permanecer fiel ao seu estilo sério (sem imitar a Marvel), reduzindo a vontade de injetar à força referências aos HQs (pois apenas os fãs ficam satisfeitos) e criando uma narrativa minimamente crível, é possível ter bons frutos com a Liga da Justiça. As aparições de Flash, Ciborgue e Aquaman indicam um plano ambicioso, que parece ser de curto prazo. A pressa é inimiga da perfeição. Por outro lado, BvS teve uma produção longa, deixando a desejar quando lançado. Ou seja, a depender da dedicação para os próximos projetos, simplificando o emaranhado que vem se formando, é possível que Liga da Justiça seja cinematograficamente melhor, quiçá um top 5 de filmes de heróis. Basta atentar sobre os erros pretéritos. Aliás, a saída de Zack Snyder, se ocorrer (como querem alguns), será benéfica, não por ele não ter qualidade, mas por arejar o trabalho criativo da área. George Miller já esteve próximo. É a melhor opção. Basta a DC/Warner concluir o óbvio: é possível lucrar e ser artisticamente bom, e a inovação pode ser um caminho.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Norm e os Invencíveis -- Cinema com Rapadura

NORM E OS INVENCÍVEIS é um filme péssimo. Contudo, a leitura da crítica que publiquei no Cinema com Rapadura é recomendada, não é sempre que dou nota 2 para um longa. Que animação ruim! Clique aqui e leia a crítica.

Conspiração e Poder -- Cinema com Rapadura

Já está disponível no Cinema com Rapadura a crítica de CONSPIRAÇÃO E PODER, filme nota 6 estrelando a maravilhosa Cate Blanchett, que é a dona do longa. Clique aqui para ler a crítica.

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Casamento grego 2 -- Atualizar muito, renovar pouco, inovar nada

Após uma passagem de praticamente uma década e meia, a (agora) franquia "Casamento Grego" ganhou uma continuação. Em 2002, o sucesso retumbante de público e crítica levaram à conclusão lógica de uma continuação, o que acabou não ocorrendo à época. Hoje, por outro lado, como Hollywood vive um ocaso de criatividade, precisando de remakes e reboots, foi lançado "Casamento Grego 2", que, como esperado, é bem aquém do original.

Também como esperado, todos os elementos antigos retornam: a exageradamente calorosa família Portokalos, a demonstração da origem grega de tudo (em especial as palavras), o spray limpa-vidros que soluciona tudo etc. Esse é o lado cômico do longa, que, repetindo o anterior, investe também no lado romântico, mas demasiado sutil no quesito. Na verdade, enquanto a frente romântica move a narrativa, as piadas funcionam como alívio cômico, fórmula básica do gênero. O argumento é também dúplice: o relacionamento entre Costa e Maria, pais de Toula, e os relacionamentos de Toula (com o marido e a filha). Costa descobre que o casamento com Maria nunca foi formalizado, surpreendendo-se quando ela afirma que, para efetivar a formalização, ele deveria ser mais romântico, pedindo-a em casamento e fazendo uma grande festa - para o seu desgosto e sua discordância. Por sua vez, Toula agora é uma mãe que, de tão dedicada enquanto tal, esquece que também é esposa (embora o marido não aja muito diferente) - sendo necessário um empurrão da tia Voula para mudar a situação.

Esta é a breve sinopse, a partir da qual o desfecho previsibilíssimo se anuncia. Assim como no primeiro filme, Nia Vardalos é a responsável pelo roteiro, que perde a originalidade por se tratar de uma continuação e por optar por não inovar. Despido de surpresas substanciais ou reviravoltas, o plot não inova, reduzindo-se a renovar com poucas novas personagens e impor a passagem do tempo às velhas. Se antes Toula era uma moça inexperiente e sufocada pela família, agora ela é que faz parte do sufocamento, mas da sua filha. O roteiro investe na matéria do relacionamento entre pais e filhos adolescentes, com cenas e falas emblemáticas (como a pergunta retórica sobre a "mudança  de nome", de mommy para mother). Os pais não querem que o filho - no caso, a filha Paris - saia do "ninho". Por se tratar de um filme propositadamente soft, esta temática é retratada de forma superficial e suave, sem grandes atritos. Existem também alguns subtemas interessantes, mas expostos sem profundidade, como o relacionamento com os vizinhos e a sexualidade - sobre esta, há um tratamento sensato e delicado, todavia, tão curto que nem chega a criar uma virtude no longa. Ademais, é visível a preocupação em atualizar o universo diegético ao inserir temas cotidianos, em especial tecnológicos, como as redes sociais (facebook, twitter), facetime e mesmo zumba. O objetivo era gerar piadas, contudo, o fato se torna mais interessante por representar esta necessária atualização. Subliminarmente, aponta-se a tecnodependência, símbolo imprescindível na realidade hodierna. Como no primeiro filme, o roteiro desenvolve muito mais as personagens femininas, com destaque para Toula, Maria e tia Voula (Paris funciona quase que exclusivamente como engrenagem narrativa), inclusive em detrimento dos homens (exceto, talvez, Costa). Porém, há um paradoxo ao final no monólogo de Maria, que vira uma figura dúbia em alguns momentos, tornando a personagem uma incoerência em si - nada que chegue a prejudicar o já fraco roteiro.

Para atualizar o espectador em relação ao universo diegético, é inserida uma narração voice over no início, com a voz de Toula, situação rara em que o recurso é a opção lógica (porque normalmente é pura preguiça do roteiro). O diretor Kirk Jones é modesto na direção, indo além do óbvio apenas na filmagem inicial em travelling aéreo e seguindo com pouca profundidade de campo o filme praticamente inteiro, criando uma atmosfera intimista - até porque o humor está mais no texto do que no visual. O elenco é praticamente irretocável e tem uma química notória (o que facilitou o trabalho de Jones): Nia Vardalos é a mesma Toula; John Corbett tem importância reduzida, mas é o mesmo Ian; Maria e Gus (Costa) são vividos com a mesma excelência de 2002 por Lainie Kazan e Michael Constantine. Dos coadjuvantes, apenas Andrea Martin brilha como a inigualável tia Voula, uma das personagens mais fascinantes. Já a Paris de Elena Kampouris é insossa, prejudicando o papel em razão do desempenho fraco da atriz.

Nem a belíssima "All of me", de John Ledgend, consegue alavancar "Casamento Grego 2" a outro patamar com um grand finale (que inexiste). O filme não é ruim, mas desnecessário, pois assistir novamente ao primeiro é muito mais aprazível. Mais um reflexo do ocaso de criatividade de Hollywood, desta vez atualizando muito, renovando pouco e não inovando.