quarta-feira, 27 de abril de 2016

O Caçador e a Rainha do Gelo -- O resultado não é ruim

O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO é uma grata surpresa. O filme anterior (BRANCA DE NEVE E O CAÇADOR) era uma versão frágil do clássico conto da Branca de Neve, personagem esta vivida pela sempre terrível Kristen Stewart. O primeiro acerto do segundo filme foi defenestrar Kristen Stewart do elenco, fato que indica per si uma maior qualidade. Não apenas o segundo filme é muito melhor que o primeiro como se pode afirmar que o resultado é satisfatório dentro da sua proposta. Se não é ótimo, também não é ruim.

Melhor falar em "segundo filme" do que "continuação". Isso porque O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO não é propriamente uma sequência, mas uma mescla de prequel (antecedente) com continuação: parte da narrativa é anterior ao filme anterior, parte é posterior. Isso significa um desafio leve para o roteiro, pois ele previsa ser coerente com os elementos preexistentes, aqueles do filme lançado antes. Logo, pode-se afirmar que Craig Mazin e Evan Spiliotopoulos lograram êxito na tarefa de harmonizar pretérito e futuro diegéticos. Mais: algumas das críticas ao roteiro são injustas. Afirmar que a narração voice over é sinônimo de preguiça, nesse caso, é exagero: o recurso é típico do cinema fantástico, e torna-se aceitável, neste longa, para acelerar as passagens introdutórias - cabe reiterar o obstáculo temporal da película. O maniqueísmo até existe, mas não é ortodoxo como no anterior - e dizer mais significaria spoiler. Ademais, existe uma interessante mensagem subliminar consistente no pensamento segundo o qual nossa filosofia é moldada pelas nossas experiências pessoais (e não pelo senso-comum) - talvez seja esta a maior preciosidade do filme.

No que se refere às personagens, a ótima Ravenna de Charlize Theron é a mesma de antes, pois não precisava mudar. O roteiro não avança na personagem porque estragaria um de seus melhores elementos, ratificando logo no prólogo o quão maligna e inescrupulosa (além de poderosa) ela consegue ser. Diversamente, o Caçador de Chris Hemsworth é lapidado para ganhar traços delineados com maior densidade, e o ator dá conta com facilidade. Hemsworth não é um Laurence Olivier, contudo, só o esforço de mostrar que pode ser mais que o Thor já lhe concede algum crédito. Eric, o Caçador, tem um coração de manteiga e se apaixona perdidamente pela Guerreira, o que não afasta sua audácia. O bravo Eric tem ainda uma veia cômica abordada en passant, agregando um pouco à personagem. Nada substancialmente diferente do anterior, porém, mais vertical. A Guerreira Sara interpretada razoavelmente por Jessica Chastain é essencial na narrativa, mas não traz acréscimos consideráveis ao plot, ao menos em termos de mensagem e representação cinematográfica. Vale dizer, tendo em vista o caminho tomado pelo enredo - tendo como tema nuclear a importância do amor -, um amor compatível com Eric era necessário, e Sara atende a este perfil. Entretanto, todos os traços da personagem (do seu perfil psicológico raso às atitudes modestas - pois não pode se sobrepor ao Caçador -, da história de vida clichê à condução óbvia) são monótonos e de significado já batido. Levemente insossa na parte prequel, ela se torna fria na sequência, tudo dentro daquele contexto já conhecido. Os anões servem como alívio cômico desnecessário e de gosto duvidoso: desnecessário porque o enredo já é leve; de gosto duvidoso porque de humor piegas. A tentativa de fazer rir com uma anã falastrã (Doreena, vivida com alguma competência por Alexandra Roach) insistente na guerra dos sexos é vã. Na verdade, os anões irritam mais do que fazem rir.

Prosseguindo nos papéis, é a Rainha do Gelo que dá o verdadeiro up no longa. Freya é uma personagem complexa e repleta de camadas complexas e nuances que enriquecem a trama. Por exemplo, ao afirmar que a única lei do seu reino é a proibição de amar, elege como prioridade sua filosofia de vida; e ao exigir a lealdade como moeda de troca em razão da libertação (em relação ao amor), destaca a importância de manter-se como monarca. Emily Blunt faz mais um excelente trabalho de interpretação ao captar o que Freya representa e, principalmente, conseguir transitar nas transformações sofridas por ela, vez que seu pensamento e suas atitudes se alteram no correr da narrativa.

A direção de Cedric Nicolas-Troyan é modesta. Ele insere referências diversas (uma delas, óbvia, porém visualmente agradável, é a Rainha do Gelo em cima de um urso polar, o que remonta à Feiticeira Branca de Nárnia) e abusa de um CGI convincente. Sua constância não incomoda não apenas pela competência na elaboração (diferente de, por exemplo, "Deuses do Egito"), mas porque é um recurso inerente às realidades fantásticas. Não há absurdo em fazer um gobblin digitalmente. O único momento de maior criatividade é uma paradoxal elipse com slow motion representando o passar dos anos a partir do Caçador, numa cena que, se não inova, é algum diferencial dentro do próprio filme.

Tecnicamente, o que há de melhor em O CAÇADOR E A RAINHA DO GELO é o deslumbrante figurino, em especial com Freya. Em verdade, a caracterização das rainhas teve bastante esmero, mas o cume reside no vestuário da Rainha do Gelo, enriquecido com efeitos sonoros de um aparente tilintar no seu caminhar. A fotografia azul acinzentada (misturando com o dourado condizente com a outra rainha) também colabora.

Ok, o filme não é uma catarse cinematográfica. Não é um arauto de originalidade - até algumas falas são previsíveis! -, não é um exemplar formidável da sétima arte. Mereceria uma nota medíocre, como um 6,5. Mas isso não é pouco para um projeto cuja ambição é monetária e não artística. Isto é, para um longa de evidente escopo de lucrar (ainda que, eventualmente, em detrimento da arte), o resultado não é ruim.

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