Esta crítica destoará da maioria. "Rua Cloverfield, 10" é um filme apenas razoável, não chega ao nível "ótimo" pregado por alguns, e está bem distante do brilhantismo enxergado por poucos. Um filme razoável, nada mais.
O filme é protagonizado por Michelle, que, após um acidente de carro, acorda trancada em um quarto. Ela é apresentada a Howard, que afirma tê-la salvado da morte em razão de um "ataque dos grandes" sofrido na superfície. Segundo ele, estão no único local seguro. Revelar mais possivelmente acarretaria um spoiler, melhor parar.

Apesar do marketing enaltecer a participação do fantástico J. J. Abrams, ele atuou apenas como produtor - foi ele o responsável por afirmar que "Rua Cloverfield, 10" é um "parente distante" de "Cloverfield - Monstro". Coube ao desconhecido e inexperiente Dan Trachtenberg o trabalho da direção, e, verdade seja dita, ele se revelou muito promissor e tecnicamente já em bom nível. Trata-se, pois, de um talento a ser lapidado. Sua obsessão por rack focus - técnica que até enriquece, mas o exagero incomoda - comprova que Trachtenberg ainda não está pronto. Não obstante, até a metade do filme ele faz enquadramentos certeiros, apostando em um plano geral no início (dando a sensação de liberdade, que no futuro é tolhida) e primeiríssimos planos reiteradas vezes em Michele. Os planos abertos no bunker (falando nele... cinza e rosa? Sério?) obstam a sensação de clausura (ao contrário do ótimo "O Quarto de Jack", por exemplo), ou seja, a claustrofobia é diminuta, em especial dos enquadramentos, mas também pela boa iluminação. Para quem viu "Room", não há incômodo com este. Ademais, os primeiros instantes de Michelle no que aparenta ser o porão do bunker são muito bem filmados: tudo é revelado aos poucos (até mesmo o rosto de Howard demora para aparecer) até ela conhecer todo o local. Trachtenberg domina o uso de plongée e contra-plongée: este quando Howard transparece imponência e passa a impressão de assustador; aquele para potencializar Michelle como indefesa ou assustada (e também no belo plano da queda de um parafuso). O diretor até consegue gerar sensações no espectador, em especial no deslumbramento de Michelle nos raros encontros com janelas que permitem uma visão do exterior, mas não é um ás no quesito (principalmente na claustrofobia já citada).
Repleto de simbolismos frágeis, como o sorvete para representar uma bandeira branca e a cortina de pato indicando inocência (sem contar um plano-detalhe sem sentido algum em um anel, pois, se o objetivo era explicitar o abandono afetivo, já estava bastante claro), é o roteiro o calcanhar de Aquiles da obra. Em primeiro lugar, não convence no perfil psicológico das personagens: Michelle, como já dito, é incoerente; Howard é dúbio (único acerto) e Emmett é insignificante. A competência dos artistas não salva as personagens: Mary Elizabeth Winstead se esmera para tornar Michelle mais interessante, contudo, como o objetivo é fazer dela um pedaço de carne com coragem, não havia muito mais a ser feito; o veterano John Goodman domina com facilidade as nuances de Howard, mas se perde no final (consequência do roteiro); John Gallagher Jr. não teve espaço para mostrar se tem talento. Além disso, o plot aborda subtramas obscuras marginalizadas, pois são abandonadas (como o relacionamento de Michelle com Ben) ou ficam sem solução (Megan e Brittany que o digam). Nesse ínterim, o filme é uma aberração narrativa: apresenta premissas que depois são abandonadas, subtramas sem valor, personagens desinteressantes ou clichês (exceto Howard) e transita de gênero sem necessidade. É de fácil percepção a queda de nível que o longa apresenta na sua duração, começando razoável, atingindo o ápice no primeiro ato, mantendo-se razoável no segundo ato e tendo um epílogo desprezível. No primeiro ato, o espectador acompanha um thriller psicológico em que as dúvidas imperam. A atmosfera criada permite o incômodo pelo desconhecimento da verdade. No desenvolvimento, as reviravoltas incomodam um pouco, mas nada que afete a agradabilidade da trama até então. Porém, o desfecho, embora permita a relação (minúscula) com "Cloverfield - Monstro", acaba sendo um abandono do suspense para abraçar outro gênero (toma um rumo inesperado e decepcionante), tornando-se uma ficção idiota que faz de idiota o espectador. O que tinha de bom até então é jogado no lixo em prol de sequências inverossímeis e nada criveis, não apenas do ponto de vista lógico, mas principalmente se for considerado o universo diegético do filme. Não que o desfecho em si represente algo absurdo - é, no máximo, incoerente -, mas destoa do resto e não faz sentido dentro daquilo tudo. Explicando melhor: o epílogo poderia usar aqueles elementos, mas não conduzí-los daquela forma bizarra. É imprevisível, mas também inverossímil, perdendo a credibilidade ao abandonar o gênero preliminar. Uma verdadeira queda livre narrativa. Acaba sendo quase um encerramento niilista: considerando o final, "Rua Cloverfield, 10" é uma tremenda perda de tempo; ignorando o epílogo, é um bom filme; no saldo, portanto, é meramente razoável. É a prova de que um desfecho ruim pode (quase) destruir uma obra boa.
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