sexta-feira, 8 de abril de 2016

Rua Cloverfield, 10 -- Meramente razoável, graças ao péssimo epílogo

Esta crítica destoará da maioria. "Rua Cloverfield, 10" é um filme apenas razoável, não chega ao nível "ótimo" pregado por alguns, e está bem distante do brilhantismo enxergado por poucos. Um filme razoável, nada mais.

O filme é protagonizado por Michelle, que, após um acidente de carro, acorda trancada em um quarto. Ela é apresentada a Howard, que afirma tê-la salvado da morte em razão de um "ataque dos grandes" sofrido na superfície. Segundo ele, estão no único local seguro. Revelar mais possivelmente acarretaria um spoiler, melhor parar.

O longa começa com um prólogo interessante, mas pouco esclarecedor. Em tese, serve para traçar o perfil da personalidade de Michelle. Sem sons diegéticos e com uma música para enaltecer o clima de tensão, ela aparece arrumando as malas, nitidamente apreensiva. Depois, descobre-se que ela está fugindo de Ben - participação meramente vocal (por telefone) de Bradley Cooper -, com quem mantinha um relacionamento. Ou seja, Michelle é retratada como escapista em relação aos problemas, o que gera uma incoerência gigantesca do roteiro, pois a premissa é abandonada logo após, quando ela se revela destemida e audaz. Vale dizer, o quase diálogo entre Ben e Michelle serviria para mostrar sua personalidade voltada à fuga dos problemas, mas, no filme inteiro, ela é uma heroína exemplar. Aliás, outro equívoco: Michelle se revela o arquétipo clichê da heroína sexy, independente, inteligente e audaciosa. Nos bons tempos de Sigourney Weaver, fazia sentido, hoje, porém, até mesmo um "Jurassic World" insere a figura no roteiro. Agora, todavia, é feito um perfil voyeurista da personagem arquetípica - a velha coisificação da mulher -, em que ela enfrenta quem ou o que for necessário sem perder a sensualidade (o vestuário minimalista ajuda). O fato de focar na dúvida e fugir do maniqueísmo é um dos trunfos do longa, afinal, ela é razoável, não ruim.

Apesar do marketing enaltecer a participação do fantástico J. J. Abrams, ele atuou apenas como produtor - foi ele o responsável por afirmar que "Rua Cloverfield, 10" é um "parente distante" de "Cloverfield - Monstro". Coube ao desconhecido e inexperiente Dan Trachtenberg o trabalho da direção, e, verdade seja dita, ele se revelou muito promissor e tecnicamente já em bom nível. Trata-se, pois, de um talento a ser lapidado. Sua obsessão por rack focus - técnica que até enriquece, mas o exagero incomoda - comprova que Trachtenberg ainda não está pronto. Não obstante, até a metade do filme ele faz enquadramentos certeiros, apostando em um plano geral no início (dando a sensação de liberdade, que no futuro é tolhida) e primeiríssimos planos reiteradas vezes em Michele. Os planos abertos no bunker (falando nele... cinza e rosa? Sério?) obstam a sensação de clausura (ao contrário do ótimo "O Quarto de Jack", por exemplo), ou seja, a claustrofobia é diminuta, em especial dos enquadramentos, mas também pela boa iluminação. Para quem viu "Room", não há incômodo com este. Ademais, os primeiros instantes de Michelle no que aparenta ser o porão do bunker são muito bem filmados: tudo é revelado aos poucos (até mesmo o rosto de Howard demora para aparecer) até ela conhecer todo o local. Trachtenberg domina o uso de plongée e contra-plongée: este quando Howard transparece imponência e passa a impressão de assustador; aquele para potencializar Michelle como indefesa ou assustada (e também no belo plano da queda de um parafuso). O diretor até consegue gerar sensações no espectador, em especial no deslumbramento de Michelle nos raros encontros com janelas que permitem uma visão do exterior, mas não é um ás no quesito (principalmente na claustrofobia já citada).

Repleto de simbolismos frágeis, como o sorvete para representar uma bandeira branca e a cortina de pato indicando inocência (sem contar um plano-detalhe sem sentido algum em um anel, pois, se o objetivo era explicitar o abandono afetivo, já estava bastante claro), é o roteiro o calcanhar de Aquiles da obra. Em primeiro lugar, não convence no perfil psicológico das personagens: Michelle, como já dito, é incoerente; Howard é dúbio (único acerto) e Emmett é insignificante. A competência dos artistas não salva as personagens: Mary Elizabeth Winstead se esmera para tornar Michelle mais interessante, contudo, como o objetivo é fazer dela um pedaço de carne com coragem, não havia muito mais a ser feito; o veterano John Goodman domina com facilidade as nuances de Howard, mas se perde no final (consequência do roteiro); John Gallagher Jr. não teve espaço para mostrar se tem talento. Além disso, o plot aborda subtramas obscuras marginalizadas, pois são abandonadas (como o relacionamento de Michelle com Ben) ou ficam sem solução (Megan e Brittany que o digam). Nesse ínterim, o filme é uma aberração narrativa: apresenta premissas que depois são abandonadas, subtramas sem valor, personagens desinteressantes ou clichês (exceto Howard) e transita de gênero sem necessidade. É de fácil percepção a queda de nível que o longa apresenta na sua duração, começando razoável, atingindo o ápice no primeiro ato, mantendo-se razoável no segundo ato e tendo um epílogo desprezível. No primeiro ato, o espectador acompanha um thriller psicológico em que as dúvidas imperam. A atmosfera criada permite o incômodo pelo desconhecimento da verdade. No desenvolvimento, as reviravoltas incomodam um pouco, mas nada que afete a agradabilidade da trama até então. Porém, o desfecho, embora permita a relação (minúscula) com "Cloverfield - Monstro", acaba sendo um abandono do suspense para abraçar outro gênero (toma um rumo inesperado e decepcionante), tornando-se uma ficção idiota que faz de idiota o espectador. O que tinha de bom até então é jogado no lixo em prol de sequências inverossímeis e nada criveis, não apenas do ponto de vista lógico, mas principalmente se for considerado o universo diegético do filme. Não que o desfecho em si represente algo absurdo - é, no máximo, incoerente -, mas destoa do resto e não faz sentido dentro daquilo tudo. Explicando melhor: o epílogo poderia usar aqueles elementos, mas não conduzí-los daquela forma bizarra. É imprevisível, mas também inverossímil, perdendo a credibilidade ao abandonar o gênero preliminar. Uma verdadeira queda livre narrativa. Acaba sendo quase um encerramento niilista: considerando o final, "Rua Cloverfield, 10" é uma tremenda perda de tempo; ignorando o epílogo, é um bom filme; no saldo, portanto, é meramente razoável. É a prova de que um desfecho ruim pode (quase) destruir uma obra boa.

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