quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Sing - Quem Canta Seus Males Espanta -- O poder da música

Com esse péssimo nome brasileiro, o filme espanta o espectador. O que é uma pena, pois SING - QUEM CANTA SEUS MALES ESPANTA é uma animação bastante agradável. É a nova animação dos estúdios Ilumination, de onde também saíram Gru ("Meu Malvado Favorito") e os minions. Quem trabalha lá prima pela comédia em suas animações, tendo sempre uma carga humorística satisfatória.

Na trama, Buster Moon é um animado coala dono de um teatro que cria uma competição de canto para melhorar a sua grave situação financeira. Para atrair competidores, ele promete um prêmio em valor modesto, todavia, um equívoco operacional resulta na promessa de cem mil dólares a título de prêmio, o que atrai muitos aspirantes. O roteiro adota uma das personagens (Buster Moon) como fio condutor da narrativa, mas não protagonista. O papel de Moon é conduzir os eventos ao se relacionar com todos os envolvidos, seria, então, personagem principal, mas não protagonista. Isso porque protagonista é a música e seu poderio metafísico extraordinário nas pessoas nos animais, indicando a força que a música tem para alavancar as pessoas - não apenas no aspecto monetário, nem somente do ponto de vista da fama, mas de satisfação pessoal (para chegar a tal conclusão, vide o arco dramático de Rosita). Antropomorfizar animais não é novidade, nem ao menos uma cidade inteira de animais ("Zootopia" é excelente exemplo), mas o foco é unir os animais (metáfora do humano) à música - e isso sim é novidade. Praticamente uma homenagem a reality shows de canto.

O filme tem dois trunfos: penetrante senso musical e boa construção das personagens. No primeiro caso, são exemplos da excelente trilha sonora: "Firework" (Katy Perry), "Crazy in love" (Beyoncé), "Bad romance" (Lady Gaga), "Kiss from a rose" (Seal), "Ben" (Michael Jackson, que não poderia faltar), "Stay with me" (Sam Smith), "The girl from Ipanema" (Frank Sinatra), "Call me maybe" (Carly Rae Jepsen), "All of me" (John Legend), "True colors" (Cindy Lauper), Nessun Dorma (ária de "Turandot", de Puccini), "Hallelujah" (com a interpretação magnífica da incomparável Jennifer Hudson), "My way" (Sinatra novamente), "Don't you worry 'bout a thing" (Stevie Wonder) etc. Todas as músicas são bem executadas pelos dubladores dos animais (a versão dublada do filme mantém o canto original, em inglês) - alguns vão melhor que outros, claro. De toda sorte, o uso das personagens é exemplar por diversos motivos. Facilmente se percebe que são todos carismáticos, mas nem todos virtuosos. O rato Mike, por exemplo, apesar do talento irrefutável - e a adaptação de "My Way" no trecho "for what is a man, what has he got?" para "for what is a mouse, what has he got?" (para que serve um homem/rato, o que ele tem?) -, é ganancioso, trapaceiro e arrogante, um verdadeiro arauto do complexo de Napoleão. Ou seja, hilário (provavelmente o mais engraçado). Não menos interessante é a porca Rosita, arquétipo da dona de casa trabalhadora que é desvalorizada em casa. A rotina da porquinha consiste em cuidar dos filhos e do marido: aqueles não lhe dão valor (chegam a brincar com seu canto caseiro) por serem crianças; este é o provedor da casa que nem percebe a presença ou ausência da esposa, desde que os problemas do lar sejam solucionados. Quer algo mais real? O gorila Johnny tem aparência amigável, mas é obrigado por seu pai a participar de uma associação criminosa. O que Johnny quer é cantar (e tocar piano), resultando disso um interessante conflito entre o que os pais desejam para os filhos e o que estes desejam para si, além da reflexão sobre o censo individual de moralidade. Ash é um porco-espinho fêmea cujo namorado insiste em oprimir, não admitindo que ela faça sucesso maior que ele na música. Meena é um elefante fêmea que representa o arquétipo da adolescente tímida. Por trás de um animal grande (quanto ao temanho), se esconde uma voz potente e muito talentosa. Comandando os cantores está o coala Buster Moon, personagem mais fascinante do longa, mesmo sem cantar. Moon é um otimista ("o bom de estar no fundo do poço é que só é possível ir para cima"), apesar dos problemas financeiras. Sua paixão pela música é notória, cristalizada não apenas pela devoção a uma grandiosa cantora (que o introduziu na área, quando criança, numa apresentação), mas também por realizar o próprio sonho de promover eventos de canto. Merece menção também sua secretária incompetente (mais uma figura arquetípica, recurso habitual das comédias), dona Kiki. Seria injusto deixar de fora da lista o hilário porco Gunter, cuja empolgação é inabalável tanto quanto a habilidade na dança. Cada personagem tem o seu espaço e alguma verticalização, o que é muito difícil quando são várias. Evidentemente, algumas recebem maior atenção, mas a variedade permite maior dinamicidade à narrativa.

O design de produção não alcança o nível Disney, contudo, é bem feito. Se em "Moana" os fios de cabelo da protagonista se mexem com o vento, em "Sing" os pelos de Buster Moon são visíveis, bem como as sardas de Rosita. Aliás, a porquinha está sempre com o mesmo traje, que é característico do seu papel: bolsa pendurada no ombro, calça jeans azul e camisa rosa. Diametralmente oposto, Gunter não é nem um pouco discreto, trajando sempre collants purpurinados para exibir suas danças. Os demais vestuários também são coerentes, como a jaqueta de couro de Johnny. O ambiente é essencialmente urbano, não sendo explorado muito além do teatro Moon e seus arredores - que tem uma lua no centro, é claro. Gareth Jennings faz uma direção eficiente ao valorizar o humor, rendendo inclusive cenas épicas, como a que Rosita dança "Bamboleo" no mercado, usando temperos como chocalhos. A apresentação das personagens é rápida em demasia, até mesmo atropelada, compensada por uma cena com tela dividida, muito criativa. O 3D é dispensável, se justificando apenas nos espinhos de Ash. Ademais, a dublagem brasileira é péssima. Em geral, os estúdios não escolhem os dubladores pelo seu talento (pois existem bons dubladores), mas pela fama, ou seja, são artistas globais que atraem público pelo seu nome. Sandy tem uma voz belíssima, verdadeiramente encantadora, mas seu trabalho de dublagem é pavoroso! Meena já não é a personagem mais cativante (Mike, por exemplo, é infinitamente mais chamativo), com aquela voz, menos ainda. O mesmo vale para os outros escalados.

SING é um filme bobo e pueril, mas divertido, engraçado e fiel ao seu viés humorístico e empolgante. Com efeito, o longa consegue empolgar o público porque, ao mesmo tempo em que faz o espectador rir de determinadas situações, usa o poder da música para envolvê-lo na empolgação dos animais cantantes. Dentro da proposta, o saldo é positivo.

2 comentários:

  1. Saberia me dizer qual a última música que tocou no longa? Não a que Meena cantou, mas a música enquanto construía o novo teatro. Por um momento achei que fosse algum trecho de les Misérables, mas tenho dúvidas.

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    1. Não sei, só procurando na trilha sonora do filme, até porque vi já há algum tempo ;)

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