domingo, 3 de janeiro de 2016

Sede de vingança -- Apenas mais um fraco

Rosamund Pike já vinha chamando a atenção há algum tempo, mas a consagração veio com "Garota exemplar". Depois deste, veio uma cópia barata, intitulada no Brasil como "Sede de vingança" ("Return to sender" no original), tão bem cotado que pulou os cinemas e foi direto para a locação em DVD (disponível também na TV por assinatura, desde dezembro). Reiterando: o filme não está disponível no cinema, mas apenas para locação em DVD e na TV por assinatura.

Trata-se de uma cópia barata porque o plot segue a mesma lógica que o antecessor (do ponto de vista da filmografia da atriz): vingança contra um homem. Ocorre que "Garota exemplar" conta com um roteiro brilhante e uma direção muito competente, conseguindo ir muito além da previsibilidade, mexendo com o espectador ao criar suspense e tensão. Além disso, brinca também com a identificação cinematográfica secundária, pois cada vez mais a protagonista, ao se vingar, deixa de ser vítima e vira ofensora. "Sede de vingança" recebeu esse infeliz nome brasileiro - não que o original seja muito melhor, referindo-se a uma troca de cartas, elemento um pouco acessório no filme - para já exaltar que consiste em um thriller de vingança razoavelmente ortodoxo. Tudo de heterodoxo presente no outro thriller de vingança foi descartado, quase como um retrocesso na carreira de Pike (depois de aceitar participar do segundo filme do Johnny English, ela gritou ao mundo o fato de não ser muito criteriosa para escolher projetos): daí a noção de cópia barata de "Garota exemplar".

Em síntese, a protagonista Miranda é vítima de um estupro violento praticado por William, o que a motiva a arquitetar uma vingança após perceber seu abalo emocional em razão do evento. Anunciar sua vendetta não consiste em um spoiler, pois o filme deixa claro que essa é a parte pensada para ser óbvio. O que não se sabe é como ocorrerá, até que ponto ela estaria disposta a chegar e, claro, se a concretizará. Alguns temperos insossos (ainda que acresçam um pouco à trama) são inseridos, como o cachorro do pai de Miranda (por quem ela fica responsável) e o fato de William fingir ser outra pessoa, que era quem ela esperava receber em sua casa para um encontro. Como se vê, é um plot bastante simples, distante de um requinte de "Garota exemplar".

Se a ideia é uma história simples, algum diferencial seria necessário. O que chega mais perto disso é o interesse de Miranda, manifestado por cartas, em reencontrar William enquanto este se encontrava preso. São várias cenas lançadas e bem filmadas com o escopo de evidenciar o aumento de temperatura na estranha relação entre eles. Assim, o diretor Fouad Mikati, embora não consiga criar a necessária atmosfera de tensão durante o longa inteiro, expressa bem a evolução do relacionamento entre protagonista e antagonista. De fato, Miranda é apresentada em algumas camadas: em um prólogo minúsculo, como uma competente e dedicada enfermeira, que dedica pouco tempo à sua vida extraprofissional; na cena do estupro, como ingênua, frágil e vulnerável vítima; no pós-trauma, como vítima extremamente abalada (a insistência no seu abalo é quase um disparate ao espectador, como se este fosse incapaz de compreender os reflexos de um delito tão grave); e, nas cenas de diálogo com William preso, como uma mulher bastante enigmática - revelar mais do que isso seria spoiler. O aspecto negativo é que uma protagonista tão instável dificulta a identificação cinematográfica secundária (colocar-se em seu lugar). O ápice do filme reside justamente no estranho novo relacionamento entre Miranda e William, pois há diversos elementos em jogo. De um lado, William dá a entender que está fortemente arrependido do que fez, disposto a mudar e envergonhado pelo cometimento do crime; subentende-se também que Miranda superou o ocorrido, perdoou o ofensor e está disposta, aos poucos, a uma amizade. Em uma miscelânea de amizade, romance e até mesmo tensão sexual, o link entre eles engrossa bastante, deixando claro, porém, que nem tudo é o que parece - ou seja, ele ainda não é confiável, e ela não superou o que passou. A chama presente entre os dois aquece o universo diegético, mas não evita a fatal previsibilidade. O filme acaba valendo mais pela curiosidade gerada pelo jogo feito entre ambos do que pelo final - aliás, final este que decepciona a muitos, mas é plausível em uma obra de arte (spoiler: o final deixa em aberto o que realmente acontece, embora tudo indique um desfecho, isso não é ruim, pois a boa arte é a que admite interpretações diferentes de cada um dos intérpretes, sem apresentar verdades absolutas). Acabando o jogo e caindo as máscaras, o longa fica tedioso e clichê. Provavelmente esta conclusão fosse inevitável em razão da construção das personagens: Miranda e William não são novidade no gênero.

Quanto ao elenco, é evidente que Rosamund Pike ganha todos os holofotes, e não poderia ser diferente, pois, além de ser a protagonista, já encarou papel semelhante (e mais desafiador) e teve o espaço necessário para desenvolver o que precisava em relação a Miranda. Ela só não é melhor porque o roteiro, quadrado como só ele, não permite. Por sua vez, Shiloh Fernandez cabe incrivelmente bem no papel, conseguindo viajar entre um inescrupuloso criminoso, um ofensor arrependido e um grande mascarado. Até mesmo a tensão romântico-sexual entre os dois funciona bem, provavelmente pela química dos atores e mesmo por seu sex appeal. Um papel que foi fácil para ele porque é raso e seu visual permite (em relação a ele, acertaram até mesmo no figurino); e fácil para ela porque ela é ótima. Teria sido melhor se tivesse sido explorado mais a faceta sexual dela e seu poder de sedução, o que ocorre mais com ele. Ainda, Nick Nolte faz uma pequena e pouco significativa participação. Se ele fosse peça-chave da narrativa, aí sim o produto teria um diferencial.

"Sede de vingança" peca por, como a maioria, não inovar. Não há nada nele que consiga chamar a atenção do espectador, nada que o destaque de outros similares. Um quê mais sanguinário, um plot twist, um enigma, nada. O filme se salva por ser competente, o que evita seu rótulo como ruim. É apenas mais um fraco.

4 comentários:

  1. Bom texto ! Depois do estupro, o filme fica enrolativo demais, e por essa enrolação ,achei que a vingança seria brutal ,mas faltou muita criatividade ,e no fim das contas não ficou tão claro se ela matou o cara ou não ,fora que em nenhum momento ela ,a protagonista ,passou a imagem de traumatizada pelo que aconteceu com ela , até na hora dá vingança ,o ódio dela pelo cara ,ficou visivelmente inexpressivo.

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  2. Eu achei esse filme fraco, desde o início agente já sabe o que vai acontecer "uma vingança" no mínimo!

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  3. A piranha matou o cachorro do pai.

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