segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Spotlight - Segredos revelados -- Uma ótima história, um filme muito bom, mas superestimado

O jornalismo está em declínio no mundo. Sensacionalismo, notícias irrelevantes, exposições midiáticas desnecessárias e parcialidade são algumas das críticas recorrentes. A manipulação visível nos meios de comunicação ganha destaque e é constantemente referida, inclusive aqui no Brasil. Porém, não se pode negar a importância desta profissão, apesar do seu desmedido descrédito geral. E é por isso que "Spotlight - segredos revelados" aparece em boa hora, como uma justa homenagem ao jornalismo.

Uma faca de dois gumes. Como em qualquer profissão, existem bons e maus profissionais, e qualquer generalização se mostra equivocada. "Spotlight" é elogiadíssimo por parcela da crítica porque muitos deles são jornalistas, tendentes, portanto, a venerar a homenagem. Uma homenagem, reiterando, justa. O problema é que o filme exacerba numa visão romântica da profissão, como se fosse mais relevante e séria do que realmente é. Faz sim uma mea culpa, todavia, discreta demais. Com boas intenções, pode melhorar uma determinada realidade, mas, sozinho, não consegue mudar o mundo. O jornalismo é muito importante, mas tem suas limitações e seus podres. Está distante da perfeição retratada. Assim, "Spotlight" está distante do brilhantismo a que lhe é atribuído, é apenas um filme muito bom.

Trata-se de um retrato de uma história real em que um grupo de jornalistas (chamado "Spotlight") componentes do The Boston Globe investiga casos de pedofilia na Igreja Católica na sua cidade, mas acaba descobrindo números muito superiores aos inicialmente previstos. Enfrentando a Igreja e descobrindo várias tentativas de ocultação desses números (por parte dela mesma) - fato descoberto já no início-, os jornalistas seguem a empreitada até lançar ao mundo o escândalo, no início dos anos 2000. Com justiça, ganharam um Pulitzer, o Oscar do jornalismo.

Ocorre que uma opção fundamental do roteiro faz com que seu impacto seja inferior ao potencial. Baseada em fatos reais, a história por si só é ótima: ao descobrir alguns casos de padres pedófilos na cidade, o complexo emaranhado desses casos, ao ser esmiuçado, revela que os casos de pedofilia são mais comuns do que se pensava, e que as autoridades maiores dentro da complexa organização da Igreja Católica não apenas tem ciência desses fatos como faz de tudo para acobertá-los - utilizando-se das táticas mais inescrupulosas que se possa imaginar. O ponto nodal em que o roteiro acerta é demonstrar que não são casos isolados, mas uma ocultação sistemática de práticas vedadas na teoria e aceitas na prática. Afinal, ao padre é vedada qualquer atividade sexual. No caso, o que faziam consistia também em crime - sem adentrar no mérito da moralidade. Em outras palavras, a investigação demonstra que (i) o número é gigantesco, (ii) a Igreja Católica tem ciência disso e (iii) a Igreja Católica tenta esconder tais fatos. O resultado, ainda mais severo, é a impunidade dos padres em razão do disfarce usado por seus superiores. Não é fácil investigar um esquema tão orquestrado, tampouco expor na película de forma coerente e de fácil compreensão. Sem ser um ataque à instituição - até porque é muito mais brando que "Dúvida" na dramaticidade, por exemplo -, apresentam-se os fatos: existem muitos padres pedófilos, e a Igreja Católica não apenas sabe como se esforça para colocar uma cortina de fumaça diante disso.

O problema é que o longa, por opção própria (do roteiro), é muito mais impressionante do que comovente. As cenas que chegam mais perto de emocionar são os depoimentos das vítimas. É pouco, até por serem poucas e rápidas. Não fosse o elenco, seria um cubo de gelo. Há uma clara preocupação maior com os números do que com o drama em si, uma exposição fática fiel e objetiva. Isso fica evidente na medida em que mais importante que o objeto da investigação é o retrato de como ela ocorre, isto é, o foco é o trabalho jornalístico investigatório, e não o conteúdo da investigação. Sem olvidar o "inimigo" do Boston Globe, os holofotes ficam no hercúleo trabalho feito pelos jornalistas. Como já ressaltado, é uma homenagem ao jornalismo, o que significa que o enfoque é a sua empreitada - até porque seu objeto já é de conhecimento notório. Há um destaque no aspecto organizacional do Boston Globe, sem grande envolvimento das personagens com o que descobrem. Apenas sutilmente é que se demonstra a má-vontade dos católicos ante a investigação, diversamente da determinação dos não católicos, notadamente o novo editor do jornal, judeu. Esse retrato está presente, mas de forma tímida, pois o essencial era enaltecer o trabalho vencedor do Pulitzer. De bom na abordagem apenas esclarecer que vilã seria a Igreja Católica como instituição, não apenas os padres, afinal, eles agem, mas acobertados por ela. Sempre, porém, um olhar bem light de tudo isso, sem o escopo de horrorizar. No máximo, leva a uma reflexão fugaz.

Não que fosse necessária uma satanização (irônico, não?) do catolicismo. Os fatos falariam por si, se fossem melhor abordados. É nisso que a frieza e a falta de dramaticidade tomam relevo, pois a objetividade é tão grande que o filme que poderia ser histórico acaba sendo "tiro curto", ou seja, o potencialmente memorável enredo é abordado de forma tão objetiva e amena que a reflexão ocorre apenas no pós-filme, logo antes do esquecimento. Os jornalistas não tiveram medo de metralhar a Igreja Católica. O mesmo não se pode dizer dos roteiristas.

Para ser coerente com essa objetividade, coube a Tom McCarthy, também diretor do fraquíssimo "Trocando os pés", conduzir essa obra. Com efeitos visuais e sonoros minimalistas, alguns singelos planos-sequência e sem invencionices, McCarthy filia-se ao realismo numa direção modesta, porém competente. Essa era, de fato, a melhor opção, afinal, para um filme morno e racional (o lógico seria a passionalidade), melhor uma direção recatada.

O grande trunfo de "Spotlight" (melhor ignorar o desnecessário subtítulo dado no Brasil) é, sem dúvida, seu grande elenco. São poucas obras que reúnem nomes como Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber, Stanley Tucci e John Slattery. Contudo, poucas estrelas brilham mais que as outras, pois o nível geral de brilho é o mesmo. O fundamento disso é a (novamente) opção do roteiro em não aprofundar nas personalidades das personagens, retratadas de forma gélida, impedindo a identificação cinematográfica secundária. Não há um herói, não há um exemplo, nem se exige um grande trabalho dos atores. Não obstante, os artistas são tão bons que dão um toque dramático sempre que possível, suprindo a deficiência do roteiro. Se fosse possível destacar alguns nomes, seriam quatro. O primeiro é John Slattery, não pelo trabalho do ator, mas por Ben constituir o que haveria de mais próximo de um vilão dentro da redação - o que enriqueceria a narrativa, se desenvolvido. Também se destaca Stanley Tucci, por fugir dos papéis estereotipados com os quais se acostumara, desta vez sóbrio e sombrio. Outra surpresa foi Liev Schreiber, também bastante sério e distante da impaciência costumeira das suas personagens. Mas é Mark Ruffalo o único ator que realmente se sobressai: além de representar um Michael Rezendes hiperativo, destemido e com características próprias, o ator se transforma no papel, diferente dos anteriores - exemplo disso foi inserir um "TOC" de coçar a cabeça, detalhe que pode fazer alguma diferença. Alguns cogitam uma premiação, o que soa exagerado porque Ruffalo não chega à genialidade, destacando-se apenas porque a personagem permite uma distinção em relação às demais. Rezendes é o típico repórter de campo, aquele que corre (literalmente) durante os atos da profissão e que enfrenta os vários dissabores (como uma porta se fechando, também literalmente). O ator faz um bom trabalho, não um trabalho grandioso.

"Spotlight" é um filme que conta com a sustentação de uma boa história e um elenco grandioso, mas um roteiro fajuto. A questão é delicada, sem dúvida, mas havia a possibilidade concreta de uma narrativa mais arrojada. Falta verticalização das personagens, há um flerte com o maniqueísmo Igreja Católica versus Boston Globe (felizmente, os jornalistas não são perfeitos, e isso também aparece), não existe tensão nem dramaticidade, as possíveis subtramas ficam só na imaginação, enfim, a flecha da objetividade ruma em sentido horizontal. Disso se conclui que, na verdade, o longa é altamente superestimado por alguns críticos, afinal, não é inesquecível e não há genialidade alguma. Não é denso, nem tenso. É fático, é frio - contudo, inegavelmente competente. O filme é bom, talvez muito bom. É a prova que uma ótima história pode sustentar um filme. Ok, o elenco estelar ajuda. Mas é a história que chama a atenção. Se o filme é muito bom, a história é ótima. E se o filme não é ótimo, não é a história que deixa a desejar, mas sua abordagem.

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