domingo, 17 de janeiro de 2016

Creed: nascido para lutar -- Grande no subgênero, mas pequeno

De 1976 a 2006, seis filmes e uma notoriedade cinematográfica indiscutível. O de 2006 indicava um epílogo, até que Ryan Coogler apresenta ao espectador exigente um ótimo derivado - e não um spin off, afinal, o protagonista não existe em nenhum dos anteriores - da franquia Rocky. Tão bom que não surpreenderá se render frutos (uma trilogia, por exemplo).

"Creed: nascido para lutar" tem como protagonista Adonis Johnson, filho de Apollo Creed. Adonis foi criado por Mary Anne Creed, esposa do seu pai. Um dos grandes trunfos do filme reside aqui: há uma quebra de paradigma ao ter um protagonista afrodescendente com boa condição financeira e estudos. O normal seria o estereótipo daquele vindo das ruas, do mundo das drogas. Mas não, Adonis é estudado e quer ser boxeador profissional porque isso é da sua natureza, para o desgosto da sua mãe (de criação), Mary Anne. E quer Rocky Balboa, rival e amigo do seu falecido pai, como treinador.

O diretor Ryan Coogler faz um trabalho filiado à direção ultrarrealista, esboçado já pela mudança de Adonis de L.A. para Filadélfia. São vários fatores que indicam essa filiação: lutas majoritariamente em planos-sequência (em especial a segunda), elipses orgânicas retratando os treinos de Adonis, inserção de elementos reais travestidos na diegese (uma propaganda de uma luta na HBO Sports, uma luta "real" entre Rocky e Apollo sendo assistida no Youtube por Adonis etc.), pouca linguagem figurada e até mesmo eventos do cotidiano comumente ignorados nas películas, como assistir a um filme, uma reação fisiológica decorrente da ansiedade pré-luta, cozinhar e assim por diante. A minúcia de Coogler é notória, tudo tendo como norte o realismo que ele quer retratar. Até mesmo a violência das lutas soa real, não apenas pela maneira de filmar, como também em planos-detalhe com sangue, ferimentos, o impacto dos golpes e poucas cenas com slow motion. O prólogo se passa em 1998 e há um flash forward imenso, para 2015, que não é artificial porque serve para mostrar a primeira aproximação entre Adonis e Mary Anne.

O peso do protagonismo não sobrecarregou Michael B. Jordan, que dá conta do papel e sobra talento - também porque não se lhe exige muito. Phylicia Rashad como Mary Anne estaria melhor se tivesse mais espaço. O mesmo se deu com Tessa Thompson (Bianca, a namorada do herói). Sylvester Stallone teve, pela primeira vez nos últimos anos, a nobreza de ceder o protagonismo a outro artista, recolhendo-se agora a um coadjuvante tragicômico. Rocky está velho e tem cicatrizes do passado, mas o lado dramático está além da capacidade de Stallone, que surpreende ao se dar muito bem na faceta cômica de Balboa. Sim, pode-se afirmar que o ator teve boa atuação, mas indicá-lo a prêmios sérios (excluindo, portanto, o Globo de Ouro) é piada de mau gosto. Jordan divide muito melhor o humor com o drama. Stallone foi bem, mas não merece ser premiado porque "bem" não é sequer "ótimo". Exemplo é a cena no espelho: Rocky não convence como filósofo. Stallone fez de Rocky uma lenda pelo conjunto da obra, não pela sua interpretação. Se vencer o Oscar, será uma forma de homenageá-lo, não reconhecer o trabalho da vez.

O longa acerta ao unir com maestria novidade com nostalgia. Todos aqueles elementos já conhecidos estão lá, de forma mais suave: corrida com moletom cinza, treino com galinhas, subir as escadas e, claro, a marcante "Eye of the tiger". Está tudo lá, suavizado. As novidades também estão lá, em especial o hip hop e a jovialidade impressa por Jordan - é boa a dicotomia reiterada com a idade de Rocky. Por outro lado, pouco se inova em relação aos filmes de lutadores. É tudo repetido, ainda que de forma suavizada: a personalidade explosiva de Jordan está a um passo daquela de Jake ("Touro indomável"); a saúde de Rocky é delicada como a de Randy ("O lutador"); Rocky reluta em treinar Donnie como Frankie ("Menina de ouro"). São tantos os clichês suavizados que "Creed" não teve espaço para grandes inovações. Mas tentou.

O clichê seria ofuscado pela ótima novidade relativa ao legado Creed, não fosse a inclusão de uma subtrama vazia e a exclusão de outra com potencial. Filmes de lutadores não costumam trazer grandes novidades, mas tratar Adonis como um boxeador com potencial que quer criar a própria fama sem colher as migalhas do caminho trilhado pelo pai seria uma novidade ótima que ofuscaria os demais clichês. Porém, o relacionamento entre Bianca e Adonis é superficial, enquanto que a relação deste com Mary Anne não é verticalizada como poderia. Portanto, "Creed" acerta ao pegar virtudes pretéritas, dar a elas nova roupagem e revitalizar a antologia com elementos inéditos e um formato próprio e peculiar. Mas não há uma originalidade marcante, há sempre uma sombra, seja a de Rocky, seja a de outro (filme de) lutador. O filme é  grande no subgênero, mas pequeno se visto isolado no universo cinematográfico. Enfim, empolga e contagia por ser bom, mas não marca por não ser inesquecível.

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