De 1976 a 2006, seis filmes e uma notoriedade cinematográfica indiscutível. O de 2006 indicava um epílogo, até que Ryan Coogler apresenta ao espectador exigente um ótimo derivado - e não um spin off, afinal, o protagonista não existe em nenhum dos anteriores - da franquia Rocky. Tão bom que não surpreenderá se render frutos (uma trilogia, por exemplo).

O diretor Ryan Coogler faz um trabalho filiado à direção ultrarrealista, esboçado já pela mudança de Adonis de L.A. para Filadélfia. São vários fatores que indicam essa filiação: lutas majoritariamente em planos-sequência (em especial a segunda), elipses orgânicas retratando os treinos de Adonis, inserção de elementos reais travestidos na diegese (uma propaganda de uma luta na HBO Sports, uma luta "real" entre Rocky e Apollo sendo assistida no Youtube por Adonis etc.), pouca linguagem figurada e até mesmo eventos do cotidiano comumente ignorados nas películas, como assistir a um filme, uma reação fisiológica decorrente da ansiedade pré-luta, cozinhar e assim por diante. A minúcia de Coogler é notória, tudo tendo como norte o realismo que ele quer retratar. Até mesmo a violência das lutas soa real, não apenas pela maneira de filmar, como também em planos-detalhe com sangue, ferimentos, o impacto dos golpes e poucas cenas com slow motion. O prólogo se passa em 1998 e há um flash forward imenso, para 2015, que não é artificial porque serve para mostrar a primeira aproximação entre Adonis e Mary Anne.
O peso do protagonismo não sobrecarregou Michael B. Jordan, que dá conta do papel e sobra talento - também porque não se lhe exige muito. Phylicia Rashad como Mary Anne estaria melhor se tivesse mais espaço. O mesmo se deu com Tessa Thompson (Bianca, a namorada do herói). Sylvester Stallone teve, pela primeira vez nos últimos anos, a nobreza de ceder o protagonismo a outro artista, recolhendo-se agora a um coadjuvante tragicômico. Rocky está velho e tem cicatrizes do passado, mas o lado dramático está além da capacidade de Stallone, que surpreende ao se dar muito bem na faceta cômica de Balboa. Sim, pode-se afirmar que o ator teve boa atuação, mas indicá-lo a prêmios sérios (excluindo, portanto, o Globo de Ouro) é piada de mau gosto. Jordan divide muito melhor o humor com o drama. Stallone foi bem, mas não merece ser premiado porque "bem" não é sequer "ótimo". Exemplo é a cena no espelho: Rocky não convence como filósofo. Stallone fez de Rocky uma lenda pelo conjunto da obra, não pela sua interpretação. Se vencer o Oscar, será uma forma de homenageá-lo, não reconhecer o trabalho da vez.
O longa acerta ao unir com maestria novidade com nostalgia. Todos aqueles elementos já conhecidos estão lá, de forma mais suave: corrida com moletom cinza, treino com galinhas, subir as escadas e, claro, a marcante "Eye of the tiger". Está tudo lá, suavizado. As novidades também estão lá, em especial o hip hop e a jovialidade impressa por Jordan - é boa a dicotomia reiterada com a idade de Rocky. Por outro lado, pouco se inova em relação aos filmes de lutadores. É tudo repetido, ainda que de forma suavizada: a personalidade explosiva de Jordan está a um passo daquela de Jake ("Touro indomável"); a saúde de Rocky é delicada como a de Randy ("O lutador"); Rocky reluta em treinar Donnie como Frankie ("Menina de ouro"). São tantos os clichês suavizados que "Creed" não teve espaço para grandes inovações. Mas tentou.
O clichê seria ofuscado pela ótima novidade relativa ao legado Creed, não fosse a inclusão de uma subtrama vazia e a exclusão de outra com potencial. Filmes de lutadores não costumam trazer grandes novidades, mas tratar Adonis como um boxeador com potencial que quer criar a própria fama sem colher as migalhas do caminho trilhado pelo pai seria uma novidade ótima que ofuscaria os demais clichês. Porém, o relacionamento entre Bianca e Adonis é superficial, enquanto que a relação deste com Mary Anne não é verticalizada como poderia. Portanto, "Creed" acerta ao pegar virtudes pretéritas, dar a elas nova roupagem e revitalizar a antologia com elementos inéditos e um formato próprio e peculiar. Mas não há uma originalidade marcante, há sempre uma sombra, seja a de Rocky, seja a de outro (filme de) lutador. O filme é grande no subgênero, mas pequeno se visto isolado no universo cinematográfico. Enfim, empolga e contagia por ser bom, mas não marca por não ser inesquecível.
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