terça-feira, 26 de janeiro de 2016

A quinta onda -- Esforço para ser um desastre homérico

A Sony também tem direito de lançar uma franquia cujo público-alvo é o adolescente. Comprou os direitos de uma trilogia apocalíptica e lançou "A quinta onda", muito inferior aos concorrentes "Maze runner", "Divergente" e mesmo "Jogos vorazes".

A rigor, não se trata de um universo distópico, pois ausente uma ideologia opressora, como em "Jogos vorazes". Não há um enfoque social como em "Divergente", pois molda um maniqueísmo na luta humanos versus alienígenas. E os humanos estão juntos, diversamente de "Maze runner". Contudo, como a maioria (exceto este último), parte de um baita clichê com inúmeros arquétipos tediosos (que apenas este último até agora fugiu) - Carl Jung deve se remoer no túmulo ante a banalização da sua teoria, mas a causa é nobre. São eles: heroína insegura, romance, proteção da família, insegurança, affair como braço-direito, um grupo contra quem lutar (vilania coletiva e polarização), incontáveis dúvidas (exceto "Jogos vorazes", cuja história não é tão nebulosa, nem surpreendente) e desafios crescentes. Em síntese, segue o script básico de encantar uma legião que se torna fã (e defensora voraz) e que possibilita uma bilheteria expressiva. Todavia, ainda não se sabe se "A quinta onda" conseguirá tal sucesso financeiro, pois é realmente inferior aos demais.

A sinopse é minúscula: a maioria da população falece em razão de ataques alienígenas (as "ondas"), e Cassie, personagem principal, é uma das poucas sobreviventes. O péssimo roteiro (mal irremediável), portanto, faz de Cassie a engrenagem principal ao seguir sua luta (pela sobrevivência e contra os invasores). E o primeiro problema já surge aí, pois ela, que deveria ser a personagem principal, divide o filme com Ben - a empreitada deste também aparece bastante, sem justificativa. Isso não seria ruim, pois uma montagem dividida entre duas personagens pode ser bastante benéfico. Contudo, Cassie é eleita para ficar no foco, não apenas por protagonizar a boa cena inicial - publicidade enganosa (surpreende e gera expectativa, que, porém, fica bastante frustrada) -, mas também por ser a narradora (em voice over). Ela inicia o filme, narra os fatos e move a trama. Mas divide a tela com Ben. Pode soar pouco, mas, em termos cinematográficos, é um equívoco. Se Cassie é narradora onisciente, deveria ser também onipresente, não podendo ser esquecida para deixar os holofotes com o crush.

É evidente que uma narrativa centrada em invasão alienígena tem a liberdade para sair bastante do real. Todavia, "A quinta onda" tem incoerências diversas que o tornam demasiadamente inverossímil, comprovando o péssimo roteiro. Alguns exemplos: carros que voltam a funcionar magicamente, sem explicação aparente; uma patricinha adolescente que, de forma repentina, adquire habilidades diversas voltadas à sobrevivência (olvide-se o argumento desonesto da adrenalina), inclusive habilidades convenientemente camaleônicas; um irmão mais novo que se mostra vulnerável apenas em momentos-chave, não em outros; um treinamento militar limitado ao condicionamento físico (o que deveria causar estranheza aos recrutas); alienígenas que têm dificuldade de aniquilar a espécie humana, mesmo conseguindo controlar a natureza - e assim por diante. Pior: as "ondas" são encaradas com normalidade. O planeta está sendo invadido por extraterrestres, mas isso não é motivo suficiente para abandonar a escola. Os ataques até são vistos com estranheza, mas não com medo. Um OVNI "estacionado" em espaço aéreo não amedronta. Claro, é praticamente cotidiano. E um plot twist nada surpreendente não conseguiu salvar.

Ficou implícito, mas não custa explicitar: é previsível e óbvio. Além disso, tem uma moral clichê e não convincente naquele contexto, tornando-se idiota. E quer fazer o espectador de idiota ao criar um clima de mistério. Não é fazer suspense, não é uma nebulosidade proposital para instigar o espectador. É roteiro ruim mesmo. Raso ao máximo. Deixar perguntas sem apresentar respostas é conveniente porque possibilita mudanças de rumo na trama e explicações de nível deus ex machina. Pobreza intelectual define.

Talvez padecer desse mal irremediável que é o péssimo roteiro seja pouco. Insatisfeita, a produção é também ruim tecnicamente. A edição de som é amadora, o que fica ainda mais evidente nas cenas em ambientes naturais. Os efeitos visuais são fracos, o que é agravado com o disparate das filmagens noturnas de ação. A violência escondida (sangue zero, golpes brandos etc.) é aceitável em razão do binômio censura-bilheteria.

Apesar do esforço, nem tudo é um desastre homérico em "A quinta onda". Quase tudo, mas não tudo. Por exemplo, algumas atuações são razoáveis, como de Liev Schreiber e Nick Robinson. Não à toa, eles interpretam as personagens mais interessantes: aquele é um militar de propósitos pouco conhecidos e identidade duvidosa; este, um herói moldado em razão das circunstâncias e fortalecido pelo seu inato espírito de liderança, afastando-o de distrações (como romance). Robinson tinha tudo para ser o arquétipo do galãzinho inexpressivo que conquista com um sorriso bonito e um discurso vazio. Mas ele passa a bola para outro nesse longa. Se deu bem ao dividir algumas cenas com o talentoso Schreiber. Bem ou mal, o jovem ingressou em franquias famosas (esta e "Jurassic world") - ainda que de qualidade baixa. E parece ter talento, até por fugir do arquétipo mencionado. Por outro lado, o casal protagonista vai mal - tanto as personagens quanto os artistas. Primeiro Chloë Grace Moretz, já experiente em Hollywood, mas que ainda não convenceu em papel algum. Não chega nem perto do nível Shailene Woodley. Muito menos Jennifer Lawrence, é claro. O arquétipo do galãzinho inexpressivo fica com Alex Roe, responsável por muito do que acontece, movendo a narrativa em diversos momentos, com a previsibilidade inerente ao roteiro. Com direito à exposição corporal que faz brotar o desejo sexual em Cassie - num olhar freudiano, a cena previamente divulgada em que ela assiste a Evan banhando-se indica a faísca da obsessão sexual que só se satisfaz após a consumação do ato, que, evidentemente, não demora a ocorrer. Coerente, pois ela é uma adolescente em situação extrema, sem o crush Ben e com o atraente e protetor Evan à disposição. O amadurecimento foi acelerado com a explosão da sua libido, abandonando a visão romanceada da realidade. O afeto cede ao apetite sexual. Em teoria, um romance com os pés no chão, na prática, entregam(-se a) uma paixão nem um pouco convincente que só fica interessante no início de confronto entre Ben e Evan - estragado quando aquele é esquecido pelo diretor, tornando-se parte do cenário para a interação exclusiva dos apaixonados (Ben se torna vela do casal, sem entender nada, nem participar - poderia, por exemplo, insistir no perigo que um desconhecido representa). Dito de outro modo, abreviar o flerte e chegar ao sexo é positivo, vez que realista, mas fazer de Evan o arquétipo do arquétipo (além de galã, herói), tão perfeito e impecável que apenas a ficção pode mostrar, é incoerente com o realismo que tentam imprimir antes.

Apesar de clichê, a ideia de "A quinta onda" não é ruim. O erro reside na incoerência do roteiro, o que prejudica totalmente o longa. O referido desastre homérico se credita a essa(s) incoerência(s), só não ocorrendo porque sempre pode ser pior. E sim, podia ter sido pior. Ao menos tentou ser realista em algum momento, por exemplo. Podia ter sido pior.

Um comentário:

  1. Mermao o filme é pessimo, concordo em todos os aspectos citados e digo mais tenho pena de quem pagou caro por uma poltrona no cinema 4d, sairam falando: "me venderam uma ratazana por lebre!!!!" Kkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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