quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Star Trek - Sem Fronteiras -- Todos satisfeitos

Era grande a expectativa para STAR TREK: SEM FRONTEIRAS. Será que o novo diretor faria jus ao trabalho sempre competente de J. J. Abrams (diretor nos dois filmes anteriores, agora produtor)? Como seria o trabalho de Simon Pegg como roteirista? Os fãs ficariam satisfeitos com o desfecho da trilogia? O terceiro filme é diferente dos dois anteriores, o que é ponto positivo, pois cumpre a promessa do título original (Beyond), inovando naquele universo.

O prólogo aposta mais na tensão e menos na ação, ao contrário do restante do longa. Ironicamente, o que faz "Além da Escuridão" é o inverso: um prólogo com muita adrenalina e uma película que prima mais pela tensão. Não é exagero afirmar que há incremento da ação em detrimento da ficção científica. Sim, existem momentos de muita ficção científica (fascinante o equipamento usado pelo dr. McCoy para enxergar órgãos internos), mas é a ação que prepondera. No caso específico de "Sem Fronteiras", o prólogo tem até um quê cômico quando Kirk tenta celebrar um tratado de paz, entregando como símbolo um objeto chamado abonath, cuja função é inicialmente obscura e depois decepcionante. Na verdade, o abonath é um mcguffin mal utilizado.

"Sem Fronteiras" conta com um roteiro que mais parece um bom episódio da série, não um filme grandioso - embora o trailer sugira uma grandiloquência. Nova ameaça, novo desafio e novo desfecho, nada muito diferente de um episódio que, se ignorado, não faz grande diferença em análise macro do universo Star Trek (isto é, não existem mudanças radicais para a história do grupo). Em síntese, Kirk e sua tripulação são enviados para uma missão de resgate de outra tripulação em meio a pedregulhos e uma nebulosa, tendo depois de enfrentar um vilão relacionado com a missão. A partir disso, o grupo se separa, e é quando as personagens estão separadas que há maior desenvolvimento das suas personalidades, especialmente em relação aos coadjuvantes como McCoy e Scotty. Há um maior aprofundamento do grupo (tanto em relação a cada um dos integrantes quanto em relação aos componentes agrupados), inclusive a ponto de deixar um pouco de lado o bromance entre Spock e Kirk, o que também é benéfico, saindo da mesmice - os dois primeiros filmes já trataram de forma suficiente a esse respeito. Ademais, o script não tem gorduras (até mesmo um pingente dado a Uhura por Spock acaba tendo utilidade) e são poucos os furos (dois chamam a atenção: (a) como pode uma motocicleta parada há anos funcionar tão bem numa exigência tão drástica?; e (b) onde está a dra. Carol Marcus?). Verifica-se ainda no plot um forte viés saudosista, em três frentes. A primeira delas concerne ao falecido pai de Kirk, mencionado em uma conversa entre este e McCoy. Depois, são várias as homenagens carinhosas pelo também falecido Leonard Nimoy - nesse quesito, interessante a bifurcação que o roteiro faz. De um lado, o ator é homenageado por ser lembrado (como não faz parte do elenco essencial, poderia ser ignorado, o que, felizmente, não ocorre), o que inclui fotografias, até mesmo do grupo antigo da série (momento nostalgia bem comovente); de outro, a morte do Embaixador Spock (importaram a morte real do ator para o universo diegético, "matando" também, justificadamente, a personagem que o eternizou) reverbera no Spock novo, que passa a traçar novos planos pessoais.

Cabe mencionar que o texto é fiel à ideologia original da série e quebra as barreiras da discriminação e do preconceito: é fato notório que os roteiristas originais de Star Trek tinham um pensamento de vanguarda, querendo que a sua arte revolucionasse a sociedade, atualizando-a em prol de um mundo melhor (o que já a torna sedutora) - exemplo é o relacionamento inter-racial entre Uhura e Spock, o que, para a época, não era encarado como é hoje, consequência do lamentável preconceito daquele período (e que não foi completamente abandonado) -, tendo isso como premissa, "Sem Fronteiras" também tem o mesmo objetivo. Nesse sentido, (a) Kirk passa a ter uma mulher como chefe (aparentemente, no posto do Almirante Marcus) e (b) o espectador conhece o marido e a filha de Sulu (cuja homossexualidade era desconhecida). Houve uma tentativa de celeuma em torno da sexualidade de Sulu, certamente resultado das mentes pequenas a que se referiu Lex Luthor em "Batman vs. Superman" do mesmo preconceito que o casal Uhura-Spock sofreu à sua época. É compreensível a tese de que melhor seria criar uma nova personagem, abertamente homossexual, e não "mudar" a sexualidade de uma personagem já existente. O raciocínio é típico daqueles que, no geral, toleram os homossexuais, mas que são avessos às manifestações homoafetivas em público, que não consideram a homoafetividade "normal", que acham que pode influenciar outras pessoas (crianças e adolescentes em especial), e assim por diante. Ou seja, pessoas claramente ignorantes acerca do tema, e que se deixam levar por mitômanos retrógrados que criam um conflito onde não deveria haver. Para não verticalizar exageradamente, cabem dois questionamentos: em algum momento Sulu refutou qualquer atração por pessoas do mesmo sexo? Ainda que fosse esse o caso, sendo fluida a sexualidade, não poderia ele passar a sentir afeto e atração por outro homem, a ponto de constituir família com ele? A forma que o filme retrata o tema é tão delicada (sem alarde, sem propaganda, com naturalidade, quase imperceptível, como deve ser) que as justificativas de alguns para que não houvesse a breve cena refletem puro preconceito.

Tendo em vista o maniqueísmo no qual se assenta o heroísmo do universo Star Trek, um bom vilão é essencial, e Krall, nesse sentido, decepciona. Com efeito, por ser uma série clássica, impera a lógica "bem versus mal", muito embora o lado dos mocinhos não seja perfeito (Kirk é heroico, mas tem seus defeitos). No primeiro filme, o vilão era vivido por Eric Bana, competente no papel. No segundo, o excelente Benedict Cumberbatch ficou responsável por dar vida a Khan, tornando-se quase o protagonista do longa (lógica semelhante a "Batman - O Cavaleiro das Trevas"). Para o encerramento, novamente escolheram um ótimo ator, Idris Elba, para interpretar Krall, e a culpa não é de Elba se o vilão é fajuto. O maior problema é que os interesses e as motivações de Krall permanecem obscuros na maior parte do tempo, tornando dificultosa a sua compreensão enquanto antagonista. Khan conseguia manipular o espectador em razão dos plot twists, Krall é, ao menos de início, um malfeitor a ser enfrentado porque ele é mau (simplista assim mesmo). É só nos minutos finais que tudo fica claro, mas já é tarde demais para se afeiçoar a ele. A escolha do ator não é ruim, porém, não faz sentido escolher alguém do cacife de Idris Elba para que ele use próteses e maquiagem no rosto (o que, aliás, não chega a ser explicado de maneira plausível) - embora sua linguagem corporal seja eloquente. Por outro lado, os dois heróis principais, Kirk e Spock, ganham novas dimensões dramáticas, desafio bem executado por, respectivamente, Chris Pine e Zachary Quinto (este vem apresentando domínio cada vez maior de seu Spock, sem imitar o inigualável Nimoy). Uhura (Zoe Saldana), Sulu (John Cho) e Checkov (o já saudoso Anton Yelchin, também homenageado, mas apenas nos créditos) não conseguem destaque, porém, são competentes no que lhes cabe. Já dr. McCoy e Scotty recebem espaço bem maior que antes, o que agrega por, mais uma vez, inovar em relação aos anteriores: o trabalho de Karl Urban e Simon Pegg na atuação é de qualidade, todavia, fica claro que Pegg, como roteirista, dedicou atenção maior às duas personagens, rendendo bons momentos, ainda que eles ofusquem outros. Sofia Boutella entra no elenco como a encantadora personagem Jaylah, uma alienígena de vocabulário engraçado, inteligente nas lutas (seu mecanismo de distração é quase uma atração à parte, além de constituir instrumento essencial em algumas batalhas) e com um arco dramático pessoal desenvolvido na medida certa. Não apenas por constituir fato novo, nem somente pelo talento da promissora atriz, mas Jaylah dá um frescor à trama que ainda não tinha sido visto na trilogia.

Não menos importante por ser mencionada por último, a direção é surpreendentemente adequada. J. J. Abrams já alcançou o status de diretor confiável, filme seu dificilmente será ruim. O mesmo não se aplica a Justin Lin, seu sucessor em Star Trek (Abrams dirigiu os dois primeiros, Lin apenas "Sem Fronteiras"). Isso porque Lin tem o trabalho fortemente associado a "Velozes e Furiosos" por ter dirigido 4 filmes da franquia. Ou seja, não tem credenciais muito favoráveis, ao menos em termos cinematográficos. Não é à toa que "Sem Fronteiras" investe pesadamente numa ação frenética que, em alguns momentos, não combina muito com a ficção científica que deveria ser. Há muita explosão, muito CGI (além do que seria necessário) e muita artificialidade, remetendo aos pavorosos trabalhos de Michael Bay. Por outro lado, a câmera de Lin é inventiva e a narrativa que ele conduz é de fácil compreensão. Seu shaky-cam (câmera sem apoio, ficando instável na ação, normalmente nas mãos do operador) e as movimentações injustificadas incomodam em alguns momentos, entretanto, surgem belos planos, como aquele - indescritível - referente à cena em que os heróis chegam na base da Enterprise, e mesmo na sequência em que a gravidade é alterada, já ao final. Em outras palavras, o diretor exagera, mas não mostra preguiça, merecendo elogios pela criatividade. Tanto não é preguiçoso que mesmo as minúcias foram observadas, como o equipamento tradutor da alienígena que pede auxílio da Enterprise.

"Star Trek: Sem Fronteiras" certamente deixará os fãs satisfeitos com o encerramento da trilogia. Para os cinéfilos, também será satisfatório. Que o ciclo seja encerrado para os envolvidos e que venham novos projetos de qualidade.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Pets - A Vida Secreta dos Bichos -- Entretenimento leve e divertido

"Zootopia" foi facilmente a melhor animação da temporada - ao menos até agora, é claro. A competição, por outro lado, é vergonhosa, com um "Norm e os Invencíveis" pavoroso, dentre outros também ruins. Ok, "Zootopia" não serve de parâmetro, pois é espetacular. PETS - A VIDA SECRETA DOS BICHOS estaria, então, em um meio-termo: um bom entretenimento, divertido e episodicamente engraçado, mas sem a pretensão de profundidade de um "Divertida Mente".

O estúdio responsável foi o Illumination, o mesmo de "Meu Malvado Favorito" e seu spin off "Minions". Assim, antes de "Pets", os cinemas exibem o curta MINIONS JARDINEIROS como "aquecimento", até porque o carisma das criaturas amarelas é incomparável. O curta é pouco engraçado e muito infantil, mais do que de costume. Ou seja, poderia ser dispensado - até porque "Pets" está um nível acima.

O roteiro de "Pets" não é original, soando como um "Toy Story" reciclado: analisar o comportamento dos animais de estimação na ausência dos seus donos. Ironicamente, o maior êxito do longa está nos momentos da "vida secreta dos bichos", ou seja, quando aparecem sozinhos fazendo o que supostamente costumam fazer: brincam, saem de casa para conversar e festar com os amigos (baladas animais!) e se aventuram sempre que necessário. O protagonista é Max, um cachorro que se considera feliz ao viver com sua dona Kate, em um relacionamento perfeito (seriam "almas gêmeas"). A rotina de Max fica perturbada quando Kate leva Duke, outro cachorro, para viver com eles. O problema é que a personalidade dos dois é muito distinta, e Max, como pseudo-filho único, não quer dividir Kate com Duke. Este, por sua vez, apesar de parecer dócil na frente dela, revela-se espaçoso e disposto a brigar em razão da relutância do colega. Após algum atrito, os dois acabam se perdendo de casa e se envolvendo com a Turma do Bueiro, um grupo de animais rejeitados pelos humanos liderados pelo coelho Bola de Neve e que planeja uma revolução em que se vingam. Por fim, Gigi, cadela apaixonada por Max (embora não assuma publicamente) decide salvar o seu amor (já que ele corre perigo próximo dos perigosos animais), enfrentando qualquer obstáculo que esteja no seu caminho.

Apesar da ausência de originalidade, o plot tem alguns elementos interessantes que impedem que "Pets" seja uma animação descartável. O mais notável se refere à alusão à luta de classes, cristalizada na Turma do Bueiro - na verdade, há um quê de "A Revolução dos Bichos" no núcleo. O coelho Bola de Neve é o líder de animais rejeitados pelos homens, que um dia foram acolhidos em lares para serem de estimação, mas depois foram largados (crítica ao abandono de animais, ainda que de forma discreta, pois, ao invés de revelarem mágoa e indicarem um problema, os autores abraçaram um viés de revolta). Dizem eles que "a revolução começou: pra (sic) sempre libertado, jamais domesticado!". Há uma clara bipolarização entre os bichos: de um lado, os domesticados, dóceis e subservientes aos humanos, sem saber que um dia serão abandonados pois não há amor verdadeiro por eles (ao menos é o que o outro grupo sustenta), de outro, os livres, revoltados e se preparando para uma vingança (entre eles, répteis, coelho, porco etc.). "Nós e eles", "ying e yang", "bem versus mal", "Batman vs. Superman". Contudo, nos dois temas falta ao roteiro uma contundência, uma pujança que permitisse ao público refletir sobre eles. Diversamente, "a união faz a força" é um ditado que nunca fez tanto sentido, consolidando uma mensagem piegas e ultrapassada - afinal, os debates acalorados de hoje são outros, mais complexos.

Em vários momentos também aparece a diferença de comportamento entre cães e gatos, dentro do estereótipo de que gatos são mais inteligentes e frios, enquanto cães são bobos e apaixonados pelos donos. A personagem que mais explicita isso é a gata Chloe, divertidíssima por abusar do sarcasmo, além de uma pitada de arrogância. Ironicamente, ela acha os cães idiotas quando correm atrás de uma bola, enquanto ela corre atrás de um ponto de luz (como se fosse muito diferente). De modo geral, as personagens mais exploradas são interessantes, cinco em especial. Além da já mencionada gata Chloe, a cadela Gigi é de personalidade soberba: antes de seu amado Max correr perigo, ela prefere flertar com ele de maneira indireta, depois, ela não mede esforços para salvá-lo, enfrentando qualquer desafio para a tarefa. Inspirada em uma novela (bem estilo novela mexicana), ela entende que o amor não deve ser segredo, e sim revelado, então caberia a ela salvar a paixonite do perigo que ela descobre que ele está. O gavião Tiberius a ajuda na empreitada, aprendendo a conviver com outros animais em detrimento dos próprios desejos (o que remete, em última análise, ao contrato social dos teóricos do Estado, como Hobbes). Infelizmente, o roteiro concede a Tiberius uma participação revelante (tanto do ponto de vista narrativo quanto, em especial, humorístico) de poucos minutos, depois, ele é praticamente figurante. Mel e Buddy são cachorros amigos de Max, também com participação diminuta (a criatividade de Buddy para "escalar", porém, é hilária). Outro coadjuvante coerente é Pops, um cachorro velho que arranja muita energia (e rende boas risadas) na hora da aventura. Porém, Max e Duke dominam a película, mais na parte da ação do que da comédia. É o carisma de Max que encanta, principalmente ao relatar o comportamento do animal na ausência do dono.

Os diretores Yarrow Cheney e Chris Renaud têm noção que a fofura dos animais garante um público mínimo, fascinado pela proposta - composto pelos simpatizantes por pets. Assim, o trabalho ficou facilitado, ainda que eles tenham se esforçado em enriquecer a fita - por exemplo, o dono de um pássaro tem um poster do filme "Os Pássaros", de Hitchcock. Além de uma trilha sonora boa (de Pharrell Williams a Bee Gees), o ritmo de ação é alucinante, com direito a panorâmicas sobre Nova Iorque (inclusive um retrato do Central Park), montagem acelerada e movimentos frenéticos das personagens dentro dos "cenários" - estes incluem um design de produção bem competente, ainda que não impressione. Nesse sentido, o 3D é ótimo ao contrapor os pequenos animais à grandiosa cidade, ao usar da terceira dimensão com cobras (em dois momentos) e também no mar, dentre outros momentos belos.

"Pets - A Vida Secreta dos Bichos" é um entretenimento leve e divertido, nada mais. A proposta é essa mesma, e o objetivo é cumprido. Tendo isso em mente, a sessão é proveitosa.

P.S.: há uma cena pós-créditos.

Nerve - Um Jogo Sem Regras -- Cinema com Rapadura

Clique aqui para ler no Cinema com Rapadura a minha crítica de NERVE - UM JOGO SEM REGRAS, filme nota 7,5 que tem uma mensagem relevantíssima, exteriorizada por um longa de roteiro falho e direção exitosa na ação.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Café Society -- Um dos melhores da temporada

Um filme medíocre de Woody Allen (como, por exemplo, o apenas razoável "Magia ao Luar") está bem acima da média do cinema. Não é esse o caso de CAFÉ SOCIETY, que se encontra no rol dos melhores filmes do diretor.

Inicialmente, todas as idiossincrasias (da filmografia) de Allen estão presentes, com qualidade superior aos mais recentes (como "Homem Irracional", que ancora na filosofia em detrimento do romance). Há um triângulo amoroso (tal qual "Vicky Cristina Barcelona"), personagens judeus e abordagem sarcástica sobre (como "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa"), trilha sonora regada a um bom jazz, muita filosofia (atributos presente, provavelmente, em todos os longas de Allen) e assim por diante. Há muito de Woody Allen no novo filme de Woody Allen.

O protagonista de "Café Society" é Bobby, um jovem que se muda de Nova Iorque para começar uma vida nova em Hollywood. Lá, ele contaria com a ajuda do seu tio Phil (a pedido de sua mãe), rico e bem-sucedido na indústria do cinema em sua era de ouro. Como Phil não está muito disposto, designa a sua secretária Vonnie para a tarefa, por quem Bobby logo se apaixona. A paixão não se abala sequer quando ele descobre que Vonnie já namora alguém, surgindo um complexo triângulo amaroso além da imaginação do rapaz.

Na direção, Allen faz um trabalho maravilhoso, muito superior aos anteriores recentes. Apostando no realismo, são vários os planos longos e os planos-sequência, reduzindo os cortes. Para a imersão do espectador na diegese, sua mise-en-scène é sensacional: dentro dos cenários - até mesmo os fechados -, há espaço para a locomoção (e demais atividades necessárias) dos artistas (inclusive figurantes), e a câmera apenas acompanha os que são principais em cada cena, que agem como se não houvesse câmera. Isto é, a câmera se movimenta bastante dentro da diegese, com panorâmicas, travellings e zooms que, se implicam maior trabalho para o operador, também têm o benefício de enriquecer a filmagem como um todo. Poucos são os que se atrevem a insistir em tal metodologia, pois ela é cansativa, mesmo gerando enquadramentos exemplares. A parte referente à mise-en-scène é relativa à noção de artificialidade do aparato de filmagem e do fingimento de realidade da encenação: a câmera está lá ocasionalmente para registrar, mas tudo que a cerca continua acontecendo independentemente da sua presença. Infelizmente, nas cenas mais dramáticas, closes e montagem campo-contracampo prevalecem, uma convenção entediante das películas atuais. Porém, não chega a prejudicar "Café Society".

Outros aspectos técnicos também são esplendorosos. Os cenários belíssimos ajudam, mas a fotografia é precisa, como, por exemplo, no primeiro ato, apostando nos tons dourados que remetem à era de ouro de Hollywood, ou na cena em que Phil se encontra com sua amante, numa fotografia escura para destacar a clandestinidade do momento. A montagem tem alguma criatividade, em especial na pontuação, que não se reduz à fusão e aos fades. A sequência final, por exemplo, é simplesmente encantadora. Ainda, a direção de arte é impecável: vários momentos poderiam ser citados, mas exemplo elucidativo é uma refeição romântica entre Bobby e Vonnie, em que predomina a cor vermelha (paredes, toalhas de mesa etc.).

Apesar de tudo isso, o roteiro não está no mesmo nível de excelência, embora não seja ruim - pelo contrário, novamente, o medíocre de Woody Allen é superior à média. O texto tem uma inteligência fenomenal nas sutilezas: opiniões do próprio Allen ao participar com a narração voice over (o filósofo Leonard, por exemplo, é um "sujeito legal"), além, claro, de auxiliar na narrativa (embora a entonação local seja morna), citações filosóficas preciosas - um Marx aqui ("a religião é o ópio do povo"), um Sócretes ali ("uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida") - e falas irônicas e sagazes - contratar uma prostituta não é interessante pois "não há nada sexy em uma transação comercial", o cristianismo é tão ruim quanto o homicídio ("não sei o que é pior: assassino ou cristão"), e assim por diante. A cena da prostituta judia, por exemplo, é muito engraçada. Ou seja, o texto é rico em visão micro, atentando aos detalhes. Também a temática central tem abordagem inteligente: ainda que não seja inovador se debruçar sobre o "ter versus ser" (por exemplo, Phil tem tudo, como fama, sucesso e uma família aparentemente feliz, mas ele, como pessoa, não é realizado), um romance aparentemente clichê (em especial, triângulo amoroso) dá ensejo a reflexões pertinentes. Ora, um jovem que procura recomeçar a vida não é muito original... a criatividade passou longe da história pensada para o longa. Ademais, estruturalmente, a narrativa tem algumas falhas: não é inventiva como deveria ser, tornando-se um pouco previsível, não tem conflitos muito densos e o viés sério (drama e romance) não tem o charme que a comédia sarcástica possui. Ou seja, o enredo é genérico, mas merece atenção pelas minúcias que o script apresenta.

Por outro lado, a fita tem personagens que encantam. Phil Stern pode parecer um homem rico, arrogante e distante (em especial por destratar o sobrinho no início), mas não demora para se mostrar humano e repleto de falhas. A interpretação de Steve Carell corrobora com seu talento para o drama (presente também em "Foxcatcher", dentre outros), extraindo todo o potencial da personagem. Diversamente, Vonnie é vivida por Kristen Stewart, reconhecidamente uma atriz de talento reduzidíssimo, para dizer o mínimo. A filmagem a coloca em um pedestal, atribuindo à personagem quase um ar de santidade, como objeto de desejo de dois homens. A atriz foi chamada pelo físico (mais precisamente, pela beleza), para ser o símbolo de beleza que divide corações, todavia, nos momentos em que o exercício dramático lhe é exigido, ela comprova que não merecia o papel. Felizmente, Jesse Eisenberg está lá para salvá-la, encarnando com perfeição o (provável) alter-ego de Woody Allen, Bobby. O protagonista passa por uma transformação na sua vida, o espectador a percebe como um tranco pouco sutil em razão de uma elipse com a qual o roteiro não soube lidar bem (mais uma falha narrativa). De início, ele é romântico, ingênuo e bondoso - é fácil gostar de Bobby. Depois, mais independente e ególatra, mesmo quando se casa com a bela Veronica (Blake Lively, presente apenas pela beleza, sumindo quando conveniente), que lhe concede maior maturidade em razão da própria experiência de vida. Corey Stoll atua sério como o engraçado gângster Ben, rendendo ótimos momentos.

Em razão de tudo isso, "Café Society" é um dos melhores filmes da temporada (ao menos no mainstream), em especial pelo esplendor técnico, não tanto pela narrativa contada. Obrigatório para quem gosta de Woody Allen, provavelmente estará entre os indicados ao Oscar, em alguma categoria. E não será à toa.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Águas Rasas -- Diversão efêmera

Ao tentar mesclar "Tubarão" com "Náufrago", ÁGUAS RASAS resulta em um filme genérico. O tubarão (original) é mais assustador, e Wilson é mais divertido que a gaivota, ainda que mais tímido. Entretanto, para a proposta, o produto é razoável.



"Para a proposta", pois a opção é de suspense em detrimento de profundidade (melhor evitar a piada cretina de que o filme é raso). E no suspense, há alguma eficácia e algum interesse, deixando o espectador atento para os eventos vistos - não é um filme entediante. O argumento é minimalista: Nancy (Blake Lively) decide surfar numa praia bastante significativa para a sua falecida mãe, porém, acaba "presa" em alto-mar, encurralada por um tubarão faminto.

Inteligente, o longa se preocupa em justificar a presença do tubarão: há uma enorme baleia, já morta e parcialmente comida, sangrando e esperando que ele continue a se alimentar. Ou seja, ele não está lá por acaso. Estando próxima do local, Nancy corre perigo pois invade o espaço que o tubarão até então tinha como seu. Porém, o roteiro que começa bem prossegue de forma questionável. Ainda que se aceite a extraordinária inteligência do animal, é forçoso pensar que ele prefere aguardar horas pela vulnerabilidade de uma humana magra em detrimento da baleia que está à sua disposição. Isto é, por que Nancy vira uma obsessão para o tubarão? Quando ela está próxima da baleia, o ataque faz sentido, mas é difícil acreditar na espera do animal por uma presa, em tese, menos chamativa. E qual o motivo de o ataque ter sido tão brando? Adiante, ocorrem eventos duvidosos, como coincidências úteis (como na cena das águas vivas e o desfecho, Nancy tem a sorte ao seu lado sempre que precisa). Além: Nancy enxerga com nitidez sem óculos de proteção quando mergulha no mar? Racionalmente, é difícil comprar tais ideias; abstraindo-as, é possível se deixar levar pela diversão. Até porque o roteiro é basicamente monotemático: sim, existe o subplot da família e do trauma materno, mas é deveras nebuloso. O que se sabe é que a mãe é um exemplo para a família por ter lutado arduamente contra uma cruel doença,  e que Nancy assume posição maternal em relação à irmã, mas é tudo tão confuso (e o final, contraditório) que era quase preferível evitar a subtrama. Assim, há potencial nulo para um viés dramático na película, deixando o encargo para a faceta de thriller.

Com efeito, como thriller, tudo funciona bem. Embora existam coadjuvantes, o filme é de Nancy, interpretada por Blake Lively, que consegue ser cativante para além da sua beleza exageradamente explorada (mais sobre isso adiante). Ao representar a dor que sofre (dor física), ela é convincente, e, no fim, razoável ao mencionar o drama familiar - a culpa não é dela que o roteiro não fornece elementos suficientes. É difícil para um ator contracenar consigo mesmo, ficando boa parte do tempo solitário, razão pela qual Lively, se não é excelente, atinge o objetivo de ganhar o público, o que é fundamental.

Do que foi exposto já é possível mencionar que a direção vive de altos e baixos. Jaume Collet-Serra comete alguns equívocos - um deles, grave -, porém, é inquestionável a eficácia da maioria das cenas. O tubarão não é tão impressionante para os dias de hoje (Spielberg não foi vencido), o que decepciona pela ausência de avanço significativo em termos tecnológicos ao fazer um tubarão cenográfico, contudo, quando ele ataca, atrai para si a atenção do público. Parece paradoxal, todavia, mesmo sem impressionar, o animal permite bastante tensão. O diretor acerta na criação de uma atmosfera de suspense, brincando com o espectador, que mantém-se em constante sobreaviso, esperando o ataque - sendo várias vezes surpreendido, entretanto. No que se refere à filmagem, existem bons momentos, como a alternância (talvez exagerada, mas aceitável) entre slow motion e aceleração, e um belo spinning shot quando ela chega na pedra (inteligente, Collet-Serra leva alguns segundos para mostrar a distância para a praia). Não obstante, há uma lamentável e absurda exploração do corpo da atriz, reflexo da objetificação sexual do corpo da mulher em Hollywood. Ainda que isso ocorra mais no primeiro ato, é absolutamente desnecessário (ela é bonita o suficiente para chamar a atenção, dispensando uma câmera assentada em suas coxas para enfocar seu quadril) e sugere descrença em relação ao projeto - do tipo "se o filme for ruim, pelo menos vão falar que vale a pena para ver a Blake por vários ângulos". É evidente que, na praia, o uso de roupas é diminuto, o que destoa é a filmagem focada no seu corpo, com diversos planos-detalhes para destacar cada uma das suas curvas. É vulgar e desnecessário.

Ainda, a estética decai com o correr da narrativa. Antes da prisão, ela se locomove através de uma carona, em que é possível ver uma bela floresta, tempo bom e uma praia belíssima. Depois, quando a protagonista aproveita o mar para surfar, novamente verificam-se belos planos (como aquele em que a câmera a acompanha debaixo da água). Depois, porém, como o espectador já está devidamente situado, são abandonados os planos gerais e abertos para privilegiar planos mais reduzidos e filtrar o visual no suspense. Da mesma forma, a mixagem de som também decresce: aposta no minimalismo e em sons diegéticos no começo, o que é coerente com o realismo que deveria ser escopo; depois, a mixagem fica quase caótica, inclusive prejudicando a comunicação de Nancy com as raras pessoas que aparecem na praia (numa cena específica, ela grita com um homem que está na areia, mas não se pode saber exatamente o quanto ele ouve, em razão da desnecessária música).

O filme não é ruim. É até bem razoável em alguns momentos. Para uma diversão efêmera, "Águas Rasas" é eficaz para o que se propõe: uma sessão blockbuster que será esquecida não muito tempo depois.

A Conexão Francesa -- Mais um francês excelente

Se propaganda é a alma do negócio, A CONEXÃO FRANCESA falhou ao não ter um marketing adequado. Por outro lado, ao não gerar expectativas, tem-se uma grata surpresa, pois o filme é ótimo. Repleto de ação, drama e suspense, tem um ritmo intenso de thriller, mantendo o espectador interessado pela narrativa instigante.


Ambientado na década de 1970 em Marselha, tem como protagonista Pierre (Jean Dujardin), um juiz da infância promovido para trabalhar na área do crime organizado. Na nova função, surpreende o poderoso traficante Zampa (Gilles Lellouche), acostumado com juízes coniventes e passivos em razão da falta de provas. Diversamente, Pierre fica determinado a enfrentar o tráfico que assola a cidade, fazendo de Zampa uma verdadeira obsessão. Ainda mais grave, o juiz adota uma metodologia heterodoxa na investigação e colheita de provas, inclusive, quando necessário, em detrimento de garantias individuais. Para ele, os fins justificam os meios quando se trata de enfrentar criminosos. Qualquer semelhança com a realidade e com um certo juiz brasileiro bem conhecido não é mera coincidência: há base em eventos reais.


Como se percebe, o argumento não é inovador, porém, a narrativa é conduzida de maneira excelente. É recheada de plot points, alcançando até mesmo algum grau de imprevisibilidade ao fugir da estrutura de três atos, com nuances e momentos cuja sutileza é um verdadeiro diferencial. E também a abordagem não é sensacionalista: Zampa é um vilão poderoso, com influência até fora da França, mas não chega à onisciência e onipresença inexplicável. Mesmo quando ele surpreende por estar um passo à frente, existe uma explicação coerente e plausível. Também os subplots são explorados na medida certa, com destaque ao passado de Pierre, que funciona como um fantasma ocasionalmente recordado (e apenas no discurso, não na prática). Outros subtemas estão lá, todavia, é preferível não mencionar, para evitar spoilers. Em síntese, do ponto de vista narratológico, há uma precisão elogiável, sem furos ou gorduras. E um grand finale, como todo bom filme.

Também a construção de personagens multifacetadas colabora para a construção de um roteiro rico. Apesar de ser o herói, Pierre não é o sujeito que constitui o norte moral perfeito. O juiz tem um passado traumático que parece que vai voltar a qualquer instante. Seu método maquiavelino de condução de investigações, inclusive cometendo diversos ilícitos - sempre voltado, em tese, para o bem comum -, não é imune a críticas. Quando Zampa vira para ele uma obsessão, sua dedicação extrema com o trabalho se dá em detrimento do aspecto familiar da sua vida, opção, mais uma vez, questionável. O script perde a oportunidade de injetar dubiedade na equipe de apoio no combate ao tráfico logo de início. Na verdade, eles têm participação deveras pequena, pois prevalece a dicotomia herói-vilão, mas sem um maniqueísmo tradicional. Zampa se aproxima mais do vilão arquetípico, mas é eficiente ao fugir do bipolar e mostrar relações de afeto (em especial com a esposa e os filhos). Não fosse ele um poderoso traficante, passaria como um cidadão comum. Não há nada de extraordinário no competente elenco: Jean Dujardin faz um bom trabalho com seu Pierre, sem grandiosidade; e Gilles Lellouche é um Zampa discreto, porém coeso.

A direção do longa é espetacular. A cargo de Cédric Jimenez, o que a película apresenta são ângulos de filmagem inusitados, prevalência de planos longos e fechados e mesmo filmagem com a câmera na mão. Interessante também o uso de plongées em cenas mais dramáticas, dando ao espectador a sensação de onipresença. Com roteiro e direção de qualidade, não poderia o longa ser ruim. O roteiro cria a diegese, a direção encaminha o espectador para a inserção naquele universo. A trilha sonora modesta acaba sendo irrelevante. Por outro lado, o design de produção é decepcionante: quase genérico, não há nada que seja marcante ao se referir ao contexto (França, anos 1970). Possivelmente a narrativa acabe ofuscando a arte. Ainda assim, o filme é excelente. Mais um francês excelente que entrou em cartaz no Brasil no presente ano.

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Melhores filmes do século XXI

A BBC fez uma lista do que considera os 100 melhores filmes do século XXI. É evidente que a lista é questionável, mas, garantidamente, filmes maravilhosos foram contemplados - e outros maravilhosos ficaram de fora, e outros maravilhosos ainda virão.

Brasileiro, detectei apenas "Cidade de Deus" (2002), em 38º lugar. Argentinos, por exemplo, foram 2 os citados: "A Mulher Sem Cabeça" (2008) e "O Segredo dos Seus Olhos" (2009).

Pessoalmente, senti falta de alguns: "Arca Russa" (2002), "Chicago" (2002), "Kill Bill" (2003), "O Senhor dos Anéis: o Retorno do Rei" (2003) e "Relatos Selvagens" (2014) - este também argentino.

Não obstante, a lista tem várias obras-primas, vale a leitura. Confira abaixo (retirada do site oficial da BBC):


100. Toni Erdmann (Maren Ade, 2016)

100. Requiem for a Dream (Darren Aronofsky, 2000)
100. Carlos (Olivier Assayas, 2010)
99. The Gleaners and I (Agnès Varda, 2000)
98. Ten (Abbas Kiarostami, 2002)
97. White Material (Claire Denis, 2009)
96. Finding Nemo (Andrew Stanton, 2003)
95. Moonrise Kingdom (Wes Anderson, 2012)
94. Let the Right One In (Tomas Alfredson, 2008)
93. Ratatouille (Brad Bird, 2007)
92. The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford (Andrew Dominik, 2007)
91. The Secret in Their Eyes (Juan José Campanella, 2009)
90. The Pianist (Roman Polanski, 2002)
89. The Headless Woman (Lucrecia Martel, 2008)
88. Spotlight (Tom McCarthy, 2015)
87. Amélie (Jean-Pierre Jeunet, 2001)
86. Far From Heaven (Todd Haynes, 2002)
85. A Prophet (Jacques Audiard, 2009)
84. Her (Spike Jonze, 2013)
83. A.I. Artificial Intelligence (Steven Spielberg, 2001)
82. A Serious Man (Joel and Ethan Coen, 2009)
81. Shame (Steve McQueen, 2011)
80. The Return (Andrey Zvyagintsev, 2003)
79. Almost Famous (Cameron Crowe, 2000)
78. The Wolf of Wall Street (Martin Scorsese, 2013)
77. The Diving Bell and the Butterfly (Julian Schnabel, 2007)
76. Dogville (Lars von Trier, 2003)
75. Inherent Vice (Paul Thomas Anderson, 2014)
74. Spring Breakers (Harmony Korine, 2012)
73. Before Sunset (Richard Linklater, 2004)
72. Only Lovers Left Alive (Jim Jarmusch, 2013)
71. Tabu (Miguel Gomes, 2012)
70. Stories We Tell (Sarah Polley, 2012)
69. Carol (Todd Haynes, 2015)
68. The Royal Tenenbaums (Wes Anderson, 2001)
67. The Hurt Locker (Kathryn Bigelow, 2008)
66. Spring, Summer, Fall, Winter…and Spring (Kim Ki-duk, 2003)
65. Fish Tank (Andrea Arnold, 2009)
64. The Great Beauty (Paolo Sorrentino, 2013)
63. The Turin Horse (Béla Tarr and Ágnes Hranitzky, 2011)
62. Inglourious Basterds (Quentin Tarantino, 2009)
61. Under the Skin (Jonathan Glazer, 2013)
60. Syndromes and a Century (Apichatpong Weerasethakul, 2006)
59. A History of Violence (David Cronenberg, 2005)
58. Moolaadé (Ousmane Sembène, 2004)
57. Zero Dark Thirty (Kathryn Bigelow, 2012)
56. Werckmeister Harmonies (Béla Tarr, director; Ágnes Hranitzky, co-director, 2000)
55. Ida (Paweł Pawlikowski, 2013)
54. Once Upon a Time in Anatolia (Nuri Bilge Ceylan, 2011)
53. Moulin Rouge! (Baz Luhrmann, 2001)
52. Tropical Malady (Apichatpong Weerasethakul, 2004)
51. Inception (Christopher Nolan, 2010)
50. The Assassin (Hou Hsiao-hsien, 2015)
49. Goodbye to Language (Jean-Luc Godard, 2014)
48. Brooklyn (John Crowley, 2015)
47. Leviathan (Andrey Zvyagintsev, 2014)
46. Certified Copy (Abbas Kiarostami, 2010)
45. Blue Is the Warmest Color (Abdellatif Kechiche, 2013)
44. 12 Years a Slave (Steve McQueen, 2013)
43. Melancholia (Lars von Trier, 2011)
42. Amour (Michael Haneke, 2012)
41. Inside Out (Pete Docter, 2015)
40. Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)
39. The New World (Terrence Malick, 2005)
38. City of God (Fernando Meirelles and Kátia Lund, 2002)
37. Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives (Apichatpong Weerasethakul, 2010)
36. Timbuktu (Abderrahmane Sissako, 2014)
35. Crouching Tiger, Hidden Dragon (Ang Lee, 2000)
34. Son of Saul (László Nemes, 2015)
33. The Dark Knight (Christopher Nolan, 2008)
32. The Lives of Others (Florian Henckel von Donnersmarck, 2006)
31. Margaret (Kenneth Lonergan, 2011)
30. Oldboy (Park Chan-wook, 2003)
29. WALL-E (Andrew Stanton, 2008)
28. Talk to Her (Pedro Almodóvar, 2002)
27. The Social Network (David Fincher, 2010)
26. 25th Hour (Spike Lee, 2002)
25. ​Memento (Christopher Nolan, 2000)
24. The Master (Paul Thomas Anderson, 2012)
23. Caché (Michael Haneke, 2005)
22. Lost in Translation (Sofia Coppola, 2003)
21. The Grand Budapest Hotel (Wes Anderson, 2014)
20. Synecdoche, New York (Charlie Kaufman, 2008)
19. Mad Max: Fury Road (George Miller, 2015)
18. The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)
17. Pan's Labyrinth (Guillermo Del Toro, 2006)
16. Holy Motors (Leos Carax, 2012)
15. 4 Months, 3 Weeks and 2 Days (Cristian Mungiu, 2007)
14. The Act of Killing (Joshua Oppenheimer, 2012)
13. Children of Men (Alfonso Cuarón, 2006)
12. Zodiac (David Fincher, 2007)
11. Inside Llewyn Davis (Joel and Ethan Coen, 2013)
10. No Country for Old Men (Joel and Ethan Coen, 2007)
9. A Separation (Asghar Farhadi, 2011)
8. Yi Yi: A One and a Two (Edward Yang, 2000)
7. The Tree of Life (Terrence Malick, 2011)
6. Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Michel Gondry, 2004)
5. Boyhood (Richard Linklater, 2014)
4. Spirited Away (Hayao Miyazaki, 2001)
3. There Will Be Blood (Paul Thomas Anderson, 2007)
2. In the Mood for Love (Wong Kar-wai, 2000)
1. Mulholland Drive (David Lynch, 2001)

ATUALIZAÇÃO: NOMES EM PORTUGUÊS:

1. Cidade dos Sonhos (David Lynch, 2001)
2. Amor À Flor Da Pele (Wong Kar-wai, 2000)
3. Sangue Negro (Paul Thomas Anderson, 2007)
4. A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001)
5. Boyhood (Richard Linklater, 2014)
6. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Michel Gondry, 2004)
7. A Árvore da Vida (Terrence Malick, 2011)
8. Yi Yi (Edward Yang, 2000)
9. A Separação (Asghar Farhadi, 2011)
10. Onde os Fracos Não Têm Vez (Joel and Ethan Coen, 2007)
11. Inside Llewyn Davis - Balada de Um Homem Comum (Joel and Ethan Coen, 2013)
12. Zodíaco (David Fincher, 2007)
13. Filhos da Esperança (Alfonso Cuarón, 2006)
14. O Ato de Matar (Joshua Oppenheimer, 2012)
15. 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (Cristian Mungiu, 2007)
16. Holy Motors (Leos Carax, 2012)
17. O Labirinto do Fauno (Guillermo Del Toro, 2006)
18. A Fita Branca (Michael Haneke, 2009)
19. Mad Max: Estrada da Fúria(George Miller, 2015)
20. Synecdoche, New York (Charlie Kaufman, 2008)
21. O Grande Hotel Budapeste (Wes Anderson, 2014)
22. Encontros e Desencontros (Sofia Coppola, 2003)
23. Caché (Michael Haneke, 2005)
24. O Mestre (Paul Thomas Anderson, 2012)
25. Amnésia (Christopher Nolan, 2000)
26. A Última Noite (Spike Lee, 2002)
27. A Rede Social (David Fincher, 2010)
28. Fale com ela (Pedro Almodóvar, 2002)
29. WALL-E (Andrew Stanton, 2008)
30. Oldboy: Dias de Vingança (Park Chan-wook, 2003)
31. Margaret (Kenneth Lonergan, 2011)
32. A Vida dos Outros (Florian Henckel von Donnersmarck, 2006)
33. Batman: O Cavaleiro das Trevas (Christopher Nolan, 2008)
34. O filho de Saul (Laszlo Nemes, 2015)
35. O Tigre e o Dragão (Ang Lee, 2000)
36. Timbuktu (Abderrahmane Sissako, 2014)
37. Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (Apichatpong Weerasethakul, 2010)
38. Cidade de Deus (Fernando Meirelles and Kátia Lund, 2002)
39.O Novo Mundo (Terrence Malick, 2005)
40. O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005)
41. Divertida Mente (Pete Docter, 2015)
42. Amour (Michael Haneke, 2012)
43. Melancolia (Lars von Trier, 2011)
44. 12 Anos de Escravidão (Steve McQueen, 2013)
45. Azul É a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche, 2013)
46. Cópia Fiel (Abbas Kiarostami, 2010)
47. Leviathan (Andrey Zvyagintsev, 2014)
48. Brooklyn (John Crowley, 2015)
49. Adeus à Linguagem (Jean-Luc Godard, 2014)
50. Nie Yinniang (Hou Hsiao-hsien, 2015)
51. A Origem (Christopher Nolan, 2010)
52. Mal dos Trópicos (Apichatpong Weerasethakul, 2004)
53. Moulin Rouge (Baz Luhrmann, 2001)
54. Era uma Vez na Anatólia (Nuri Bilge Ceylan, 2011)
55. Ida (Pawe? Pawlikowski, 2013)
56. A Harmonia Werckmeister (Bela Tarr, director; Ágnes Hranitzky, co-director, 2000)
57. A Hora Mais Escura (Kathryn Bigelow, 2012)
58. Moolaadé (Ousmane Sembène, 2004)
59. Marcas da Violência (David Cronenberg, 2005)
60. Síndromes e um Século (Apichatpong Weerasethakul, 2006)
61. Sob a Pele (Jonathan Glazer, 2013)
62. Bastardos Inglórios (Quentin Tarantino, 2009)
63. O Cavalo de Turin (Bela Tarr and Ágnes Hranitzky, 2011)
64. A Grande Beleza (Paolo Sorrentino, 2013)
65. Aquário (Andrea Arnold, 2009)
66. Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera (Kim Ki-duk, 2003)
67. Guerra ao Terror (Kathryn Bigelow, 2008)
68. Os Excêntricos Tenenbaums (Wes Anderson, 2001)
69. Carol (Todd Haynes, 2015)
70. Histórias que Contamos (Sarah Polley, 2012)
71. Tabu (Miguel Gomes, 2012)
72. Amantes Eternos (Jim Jarmusch, 2013)
73. Antes do Pôr do Sol (Richard Linklater, 2004)
74. Spring Breakers: Garotas Perigosas (Harmony Korine, 2012)
75. Vício Inerente (Paul Thomas Anderson, 2014)
76. Dogville (Lars von Trier, 2003)
77. O Escafandro e a Borboleta (Julian Schnabel, 2007)
78. O Lobo de Wall Street (Martin Scorsese, 2013)
79. Quase famosos (Cameron Crowe, 2000)
80. The Return (Andrey Zvyagintsev, 2003)
81. Shame (Steve McQueen, 2011)
82. Um Homem Sério (Joel and Ethan Coen, 2009)
83. A.I. - Inteligência Artificial (Steven Spielberg, 2001)
84. Ela (Spike Jonze, 2013)
85. O Profeta (Jacques Audiard, 2009)
86. Longe do Paraíso (Todd Haynes, 2002)
87. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Jean-Pierre Jeunet, 2001)
88. Spotlight: Segredos Revelados (Tom McCarthy, 2015)
89. La mujer sin cabeza (Lucrecia Martel, 2008)
90. O Pianista (Roman Polanski, 2002)
91. O Segredo dos Seus Olhos (Juan Jose Campanella, 2009)
92. O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (Andrew Dominik, 2007)
93. Ratatouille (Brad Bird, 2007)
94. Deixa Ela Entrar (Tomas Alfredson, 2008)
95. Moonrise Kingdom (Wes Anderson, 2012)
96. Procurando Nemo (Andrew Stanton, 2003)
97. Minha Terra África (Claire Denis, 2009)
98. Dez (Abbas Kiarostami, 2002)
99. "The Gleaners and I" (Agnès Varda, 2000)
100. "Carlos" (Olivier Assayas, 2010)
100. Réquiem para um Sonho (Darren Aronofsky, 2000)
100. Toni Erdmann (Maren Ade, 2016)

Francofonia - Louvre Sob Ocupação -- Cinema com Rapadura

Alexandr Sokurov é um dos melhores cineastas da atualidade, provavelmente o melhor russo. Seu "Arca Russa" é esplendoroso, e FRANCOFONIA - LOUVRE SOB OCUPAÇÃO tem o mesmo rigor técnico, alcançando o mesmo brilhantismo. Na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura, dei nota 10, fazendo a ressalva de que não agradará a todos os públicos, apesar da sua excelência. É um longa heterodoxo, não se pode negar. O que não o torna inferior, basta ter a mente aberta. Clique aqui e confira a crítica.

Quando as Luzes se Apagam -- Cinema com Rapadura

Clique aqui para conferir a minha crítica de QUANDO AS LUZES SE APAGAM, publicada no Cinema com Rapadura. Filme nota 5, terror que pouco inova e pouco assusta.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ben-Hur (2016) -- Desnecessário, mas não completamente descartável

Na já falada esteira de revisitação de obras consolidadas (em especial, clássicas), em razão do ocaso de criatividade em Hollywood, aparece um novo BEN-HUR nas salas de exibição. A Paramount fez, acertadamente, um marketing bastante modesto, reflexo do receio do fracasso da obra. Diferente de, por exemplo, "Esquadrão Suicida", que entrou no mercado com confiança exacerbada. Também acertou ao apresentar o filme não como um remake daquele de 1959, mas como uma nova obra baseada no livro clássico. Mais uma vez, sabedoria na decisão: primeiro porque a chance de superar a versão cinematográfica de 59 é ínfima, basta recordar que ela foi premiada com 11 estatuetas do Oscar; e segundo porque o viés adotado é outro. Afastar a associação com o longa estrelado por Charlton Heston se mostrou medida necessária porque a chance de vitória na comparação era reduzida, e a liberdade criativa no roteiro tomou rumo distinto.

Além de consistir em produção grandiosa e impecável em todos os detalhes, a versão de 59 trouxe um vanguardismo admirável para a sua época, havendo um lamentável retrocesso na de 2016. O Ben-Hur antigo traz um teor homoafetivo (assumido pelo próprio roteirista, e não mera elucubração de terceiros) que consegue dar um impulso na trama, enquanto que, no atual, Judah e Messala são irmãos de criação e grandes amigos - mas só. Ademais, o clássico tinha como mote a sede de vingança do protagonista; agora, Ben-Hur é uma figura mais fraterna, que até busca vingança, mas que, no fundo, quer paz. O mote de agora é a bandeira do amor ao próximo, imperiosa em dias atuais. Não se duvida que o conteúdo é louvável, porém, exibido em formato deveras tradicional, tornando-se retrógrado. Vale dizer, a solidariedade e a tolerância são demandas sociais das mais urgentes - embora Trumps e Bolsonaros discordem -, contudo, a abordagem é tão clássica que faz com que a película não consiga se destacar na temática. Não apenas por afastar o relacionamento homoafetivo em potencial (que, em pleno 2016, podia muito bem avançar), mas também, por exemplo, ao perder a oportunidade de criar figuras femininas significativas. As mulheres estão lá como necessidade demográfica, não posicionamento ideológico. Assim, ao invés de apostar na exportação de conflitos sociais contemporâneos, o plot prefere não inovar e manter o status quo daquele tempo e os conflitos inerentes ao período, esperando que o espectador faça uma interpretação analógica. Naquele tempo, a luta era romanos versus judeus, pessoas sem lepra versus pessoas com lepra. Hoje, machistas versus pessoas de bom-senso, homofóbicos versus pessoas com cérebro, enfim, intolerantes de todos os tipos versus pessoas que respeitam as eventuais diferenças alheias. Francamente, os moldes adotados para transmitir a mensagem cristã de tolerância são suficientes para tocar as pessoas que hoje discriminam as minorias? Não seria melhor injetar temáticas mais atuais?

É por essas e outras que não há como não concluir que o roteiro é fraco, se comparado ao clássico, e ridículo, se comparado ao livro - é justo mencionar, porém, que quase todos os roteiros não fazem jus ao livro em que se baseiam. Ponto nodal para sua falha é a formação de personagens cujas motivações são pouco convincentes, consequência de fazer um filme enxuto. "O Senhor dos Anéis" não é uma trilogia apenas pela divisão original dos livros, mas porque, para manter a coerência sem prejuízo da profundidade, é preciso muito tempo de tela. Para uma narrativa extensa como "Ben-Hur", pouco mais de duas horas não são suficientes. De um lado, o protagonista flerta com o ateísmo ("se existe um Deus, por que ele não é justo para o mundo?"), de outro, é altruísta ao ajudar um zelote (correndo risco pessoal), depois, abraça a causa da vingança pessoal, para, no fim... nem é preciso dizer o que acontece. Judah é bipolar? Por sua vez, Messala vive uma vida inteira com a família que o criou, quando, repentinamente, como um rompante (seria uma ideia amadurecida não mostrada e que o espectador deve presumir?), decide virar soldado. Enquanto soldado, ele é contrário aos métodos sanguinários dos romanos, até ter uma nova mudança brusca para não se importar em ferir a própria família. Ou seja, Messala vive de rompantes? O africano ganancioso não sabe as habilidades de Ben-Hur em conduzir uma biga (até porque conhecimento teórico não é sinônimo de habilidade prática), ainda assim, aposta uma fortuna no judeu... apenas para ajudá-lo? Não soa crível que algumas personagens tomem certas atitudes, pois suas motivações são superficiais, quando não contraditórias. O prólogo veloz enuncia que o longa precisa ser acelerado, reduzindo dezoito anos em duas horas.

O que é feito em termos de construção de personagens é superficial e ocasionalmente contraditório, pois não há preocupação em dar a eles profundidade. Judah Ben-Hur é bipolar, mas isso não é patológico no roteiro porque a mensagem de solidariedade e a ação prevalecem - o mesmo vale para Messala. Isto é, deixar a coerência de lado, nesse quesito específico é proposital. É uma falha já prevista e de digestão possível, porque o que marca é o que é reiterado. Messala tem rompantes e chega a humilhar seu irmão de criação, contudo, majoritariamente, ele nutre bastante afeto por Judah, em sentido, é claro, fraternal, para que a comunidade cristã mais conservadora não fique chocada em razão de uma manifestação de amor entre pessoas do mesmo sexo, como na cena em que o carrega nas costas em razão de um acidente. O protagonista é vivido por Jack Huston, em atuação fajuta (comparar com Charlton Heston seria uma heresia!); o antagonista, por Toby Kebbell, um pouco mais convincente.

Também está no elenco Morgan Freeman, como um africano sem nome. Ironicamente, Freeman está lá para, exclusivamente, colocar o nome dos créditos, chamar mais espectadores e atuar no piloto-automático. Logo na primeira aparição, sua imponência é visível (e a filmagem em contraplongée colabora), mas muito mais pelo seu carisma do que pelo trabalho de atuação. Ao emprestar sua voz numa narração voice over no prólogo, o ator corrobora para a ideia de que sua mera presença é um atrativo, afinal, quem não gosta de Morgan Freeman? Porém, em termos dramáticos, o trabalho é frustrante, em especial quando se conhece o potencial do renomado ator. A frustração atinge o ápice na cena de discussão entre o africano e um arrogante Ben-Hur, quando este fala sobre sofrimento e aquele o corrige, declarando conhecer muito melhor a área - menciona uma história trágica relacionada ao filho e uma vida triste, sem jamais comover. Diametralmente oposto, Rodrigo Santoro dá outro quilate à parte dramática do longa: em apenas quatro aparições, sua versão de Jesus é a mais comovente do filme inteiro e melhor que muitas versões de Cristo que o cinema já viu. Evidentemente, não se pode exagerar e afirmar que é a melhor versão ou que ele é o grande atrativo: isso seria ufanismo desmedido. Santoro já provou ser competente desde "Carandiru" e não foi mal na primeira grande oportunidade hollywoodiana com "300" (as outras foram desprezíveis), porém, ainda não recebeu o espaço que pleiteia. De todo modo, o Jesus de Santoro possui um dos melhores e um dos piores elementos de "Ben-Hur". Ao abraçar um viés minimalista, não se trata de uma celebridade da época ou de um feiticeiro surpreendente, é um homem comum, um carpinteiro com um discurso afiado sobre a divindade que defende, e que é capaz de se sacrificar pelos outros, em especial pessoas em situação de vulnerabilidade. É uma versão mais modesta, mas não por isso menos atrativa. O problema não é do ator que, por outro lado, a ele é dado espaço exagerado. Jesus dá uma carga emocional mais persuasiva graças à boa atuação de Santoro, entretanto, é um coadjuvante de destaque demasiadamente grande. São só quatro aparições pontuais, como dito, todavia, ele permeia a fita com uma onipresença que inexiste nas demais versões. Cristo é mencionado sempre para revelar o momento histórico, não para auxiliar na condução da narrativa. Pior, desta vez não apenas Jesus é engrenagem narrativa como chega a ser quase um amigo de Ben-Hur, tamanho o exagero do seu destaque. Como afirmar que o filme é uma adaptação do livro, se passagens são retiradas de outra fonte (a Bíblia)? O resultado é essa sensação artificial de um filme gospel penetrando eventualmente um épico, não havendo êxito de destaque em nenhuma das áreas - ainda que a versão de Jesus, reitera-se, seja melhor que muitas outras que chegam ao cinema. Em especial na cena de crucificação, o desempenho de Santoro conduz a uma fixação em torno da personagem que certamente comoverá os cristãos mais emotivos. É até bonito de ver, mas a concepção da história de Ben-Hur não é a de um conto cristão de benevolência, havendo uma distorção do argumento original. Significa dizer que a liberdade criativa não apenas foi usada, mas abusada.

O erro acaba sendo fatal porque a direção de Timur Bekmambetov é inapta na faceta dramática do longa. Há cenas que chegam a ser risíveis, de tão artificial que é a emoção - exemplo claro é aquela em que Messala visita seus familiares, anos depois de consolidar-se como soldado romano. A comoção maior existe nas cenas de Jesus, porém, reitere-se que é graças ao trabalho do ator, visivelmente empenhado - ignore-se a trilha sonora constante e piegas, bem desnecessária. O saldo da direção é negativo: uma ótima elipse dos anos de Ben-Hur como escravo de galés, nada mais que ganhe notoriedade. Nem mesmo a cena da corrida de bigas consegue impressionar: os efeitos visuais não deslumbram, há um exagero de cortes e embelezamento (como os cavalos permanecem tão brancos naquela sujeira?) e um descolamento risível do real (como Ben-Hur consegue ouvir e seguir as orientações do africano naquela algazarra da corrida?). Como de costume, o 3D é dispensável, apesar de não ser ruim (bom uso de profundidade de campo, cenários com neve e chuva, nada novo e que faça a diferença). A fotografia é razoável, exceto na cena dos navios, que é tão escura que prejudica a nitidez (provavelmente esqueceram que o uso de óculos 3D já escurece a imagem). Por sua vez, a trilha sonora é lastimável, investindo na pieguice e, no final, no nonsense (qual a proximidade entre aquele pop moderno com a obra?).

Como se percebe, não são poucos os equívocos de "Ben-Hur", um filme claramente desnecessário e que não acrescenta nada em termos cinematográficos. Aposta em momentos de ação, drama e gospel, distanciando-se do conteúdo clássico que deu notoriedade ao fascinante enredo. É evidente que a versão de 1959 é infinitamente superior. No entanto, a modéstia do marketing não permite enganos: é uma variante menor de uma ideia gigantesca, algo que não alcança o brilhantismo ao nem sequer tentar. Há honestidade no trabalho, concebido para ser só mais um. Não fracassar nas bilheterias já lhe é suficiente. Fraco? Sim, mas existem muitos outros imensamente inferiores no mercado. Não é um remake desprezível como vários outros. Portanto, ainda que seja preferível o de 59, o atual é desnecessário, mas não completamente descartável ao revisitar um clássico, talvez dando maior notoriedade a uma história que merece ser conhecida. Quem sabe o espectador que desconhece vai atrás do vencedor de 11 prêmios do Oscar, ou do livro?