quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Águas Rasas -- Diversão efêmera

Ao tentar mesclar "Tubarão" com "Náufrago", ÁGUAS RASAS resulta em um filme genérico. O tubarão (original) é mais assustador, e Wilson é mais divertido que a gaivota, ainda que mais tímido. Entretanto, para a proposta, o produto é razoável.



"Para a proposta", pois a opção é de suspense em detrimento de profundidade (melhor evitar a piada cretina de que o filme é raso). E no suspense, há alguma eficácia e algum interesse, deixando o espectador atento para os eventos vistos - não é um filme entediante. O argumento é minimalista: Nancy (Blake Lively) decide surfar numa praia bastante significativa para a sua falecida mãe, porém, acaba "presa" em alto-mar, encurralada por um tubarão faminto.

Inteligente, o longa se preocupa em justificar a presença do tubarão: há uma enorme baleia, já morta e parcialmente comida, sangrando e esperando que ele continue a se alimentar. Ou seja, ele não está lá por acaso. Estando próxima do local, Nancy corre perigo pois invade o espaço que o tubarão até então tinha como seu. Porém, o roteiro que começa bem prossegue de forma questionável. Ainda que se aceite a extraordinária inteligência do animal, é forçoso pensar que ele prefere aguardar horas pela vulnerabilidade de uma humana magra em detrimento da baleia que está à sua disposição. Isto é, por que Nancy vira uma obsessão para o tubarão? Quando ela está próxima da baleia, o ataque faz sentido, mas é difícil acreditar na espera do animal por uma presa, em tese, menos chamativa. E qual o motivo de o ataque ter sido tão brando? Adiante, ocorrem eventos duvidosos, como coincidências úteis (como na cena das águas vivas e o desfecho, Nancy tem a sorte ao seu lado sempre que precisa). Além: Nancy enxerga com nitidez sem óculos de proteção quando mergulha no mar? Racionalmente, é difícil comprar tais ideias; abstraindo-as, é possível se deixar levar pela diversão. Até porque o roteiro é basicamente monotemático: sim, existe o subplot da família e do trauma materno, mas é deveras nebuloso. O que se sabe é que a mãe é um exemplo para a família por ter lutado arduamente contra uma cruel doença,  e que Nancy assume posição maternal em relação à irmã, mas é tudo tão confuso (e o final, contraditório) que era quase preferível evitar a subtrama. Assim, há potencial nulo para um viés dramático na película, deixando o encargo para a faceta de thriller.

Com efeito, como thriller, tudo funciona bem. Embora existam coadjuvantes, o filme é de Nancy, interpretada por Blake Lively, que consegue ser cativante para além da sua beleza exageradamente explorada (mais sobre isso adiante). Ao representar a dor que sofre (dor física), ela é convincente, e, no fim, razoável ao mencionar o drama familiar - a culpa não é dela que o roteiro não fornece elementos suficientes. É difícil para um ator contracenar consigo mesmo, ficando boa parte do tempo solitário, razão pela qual Lively, se não é excelente, atinge o objetivo de ganhar o público, o que é fundamental.

Do que foi exposto já é possível mencionar que a direção vive de altos e baixos. Jaume Collet-Serra comete alguns equívocos - um deles, grave -, porém, é inquestionável a eficácia da maioria das cenas. O tubarão não é tão impressionante para os dias de hoje (Spielberg não foi vencido), o que decepciona pela ausência de avanço significativo em termos tecnológicos ao fazer um tubarão cenográfico, contudo, quando ele ataca, atrai para si a atenção do público. Parece paradoxal, todavia, mesmo sem impressionar, o animal permite bastante tensão. O diretor acerta na criação de uma atmosfera de suspense, brincando com o espectador, que mantém-se em constante sobreaviso, esperando o ataque - sendo várias vezes surpreendido, entretanto. No que se refere à filmagem, existem bons momentos, como a alternância (talvez exagerada, mas aceitável) entre slow motion e aceleração, e um belo spinning shot quando ela chega na pedra (inteligente, Collet-Serra leva alguns segundos para mostrar a distância para a praia). Não obstante, há uma lamentável e absurda exploração do corpo da atriz, reflexo da objetificação sexual do corpo da mulher em Hollywood. Ainda que isso ocorra mais no primeiro ato, é absolutamente desnecessário (ela é bonita o suficiente para chamar a atenção, dispensando uma câmera assentada em suas coxas para enfocar seu quadril) e sugere descrença em relação ao projeto - do tipo "se o filme for ruim, pelo menos vão falar que vale a pena para ver a Blake por vários ângulos". É evidente que, na praia, o uso de roupas é diminuto, o que destoa é a filmagem focada no seu corpo, com diversos planos-detalhes para destacar cada uma das suas curvas. É vulgar e desnecessário.

Ainda, a estética decai com o correr da narrativa. Antes da prisão, ela se locomove através de uma carona, em que é possível ver uma bela floresta, tempo bom e uma praia belíssima. Depois, quando a protagonista aproveita o mar para surfar, novamente verificam-se belos planos (como aquele em que a câmera a acompanha debaixo da água). Depois, porém, como o espectador já está devidamente situado, são abandonados os planos gerais e abertos para privilegiar planos mais reduzidos e filtrar o visual no suspense. Da mesma forma, a mixagem de som também decresce: aposta no minimalismo e em sons diegéticos no começo, o que é coerente com o realismo que deveria ser escopo; depois, a mixagem fica quase caótica, inclusive prejudicando a comunicação de Nancy com as raras pessoas que aparecem na praia (numa cena específica, ela grita com um homem que está na areia, mas não se pode saber exatamente o quanto ele ouve, em razão da desnecessária música).

O filme não é ruim. É até bem razoável em alguns momentos. Para uma diversão efêmera, "Águas Rasas" é eficaz para o que se propõe: uma sessão blockbuster que será esquecida não muito tempo depois.

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