terça-feira, 30 de agosto de 2016

Pets - A Vida Secreta dos Bichos -- Entretenimento leve e divertido

"Zootopia" foi facilmente a melhor animação da temporada - ao menos até agora, é claro. A competição, por outro lado, é vergonhosa, com um "Norm e os Invencíveis" pavoroso, dentre outros também ruins. Ok, "Zootopia" não serve de parâmetro, pois é espetacular. PETS - A VIDA SECRETA DOS BICHOS estaria, então, em um meio-termo: um bom entretenimento, divertido e episodicamente engraçado, mas sem a pretensão de profundidade de um "Divertida Mente".

O estúdio responsável foi o Illumination, o mesmo de "Meu Malvado Favorito" e seu spin off "Minions". Assim, antes de "Pets", os cinemas exibem o curta MINIONS JARDINEIROS como "aquecimento", até porque o carisma das criaturas amarelas é incomparável. O curta é pouco engraçado e muito infantil, mais do que de costume. Ou seja, poderia ser dispensado - até porque "Pets" está um nível acima.

O roteiro de "Pets" não é original, soando como um "Toy Story" reciclado: analisar o comportamento dos animais de estimação na ausência dos seus donos. Ironicamente, o maior êxito do longa está nos momentos da "vida secreta dos bichos", ou seja, quando aparecem sozinhos fazendo o que supostamente costumam fazer: brincam, saem de casa para conversar e festar com os amigos (baladas animais!) e se aventuram sempre que necessário. O protagonista é Max, um cachorro que se considera feliz ao viver com sua dona Kate, em um relacionamento perfeito (seriam "almas gêmeas"). A rotina de Max fica perturbada quando Kate leva Duke, outro cachorro, para viver com eles. O problema é que a personalidade dos dois é muito distinta, e Max, como pseudo-filho único, não quer dividir Kate com Duke. Este, por sua vez, apesar de parecer dócil na frente dela, revela-se espaçoso e disposto a brigar em razão da relutância do colega. Após algum atrito, os dois acabam se perdendo de casa e se envolvendo com a Turma do Bueiro, um grupo de animais rejeitados pelos humanos liderados pelo coelho Bola de Neve e que planeja uma revolução em que se vingam. Por fim, Gigi, cadela apaixonada por Max (embora não assuma publicamente) decide salvar o seu amor (já que ele corre perigo próximo dos perigosos animais), enfrentando qualquer obstáculo que esteja no seu caminho.

Apesar da ausência de originalidade, o plot tem alguns elementos interessantes que impedem que "Pets" seja uma animação descartável. O mais notável se refere à alusão à luta de classes, cristalizada na Turma do Bueiro - na verdade, há um quê de "A Revolução dos Bichos" no núcleo. O coelho Bola de Neve é o líder de animais rejeitados pelos homens, que um dia foram acolhidos em lares para serem de estimação, mas depois foram largados (crítica ao abandono de animais, ainda que de forma discreta, pois, ao invés de revelarem mágoa e indicarem um problema, os autores abraçaram um viés de revolta). Dizem eles que "a revolução começou: pra (sic) sempre libertado, jamais domesticado!". Há uma clara bipolarização entre os bichos: de um lado, os domesticados, dóceis e subservientes aos humanos, sem saber que um dia serão abandonados pois não há amor verdadeiro por eles (ao menos é o que o outro grupo sustenta), de outro, os livres, revoltados e se preparando para uma vingança (entre eles, répteis, coelho, porco etc.). "Nós e eles", "ying e yang", "bem versus mal", "Batman vs. Superman". Contudo, nos dois temas falta ao roteiro uma contundência, uma pujança que permitisse ao público refletir sobre eles. Diversamente, "a união faz a força" é um ditado que nunca fez tanto sentido, consolidando uma mensagem piegas e ultrapassada - afinal, os debates acalorados de hoje são outros, mais complexos.

Em vários momentos também aparece a diferença de comportamento entre cães e gatos, dentro do estereótipo de que gatos são mais inteligentes e frios, enquanto cães são bobos e apaixonados pelos donos. A personagem que mais explicita isso é a gata Chloe, divertidíssima por abusar do sarcasmo, além de uma pitada de arrogância. Ironicamente, ela acha os cães idiotas quando correm atrás de uma bola, enquanto ela corre atrás de um ponto de luz (como se fosse muito diferente). De modo geral, as personagens mais exploradas são interessantes, cinco em especial. Além da já mencionada gata Chloe, a cadela Gigi é de personalidade soberba: antes de seu amado Max correr perigo, ela prefere flertar com ele de maneira indireta, depois, ela não mede esforços para salvá-lo, enfrentando qualquer desafio para a tarefa. Inspirada em uma novela (bem estilo novela mexicana), ela entende que o amor não deve ser segredo, e sim revelado, então caberia a ela salvar a paixonite do perigo que ela descobre que ele está. O gavião Tiberius a ajuda na empreitada, aprendendo a conviver com outros animais em detrimento dos próprios desejos (o que remete, em última análise, ao contrato social dos teóricos do Estado, como Hobbes). Infelizmente, o roteiro concede a Tiberius uma participação revelante (tanto do ponto de vista narrativo quanto, em especial, humorístico) de poucos minutos, depois, ele é praticamente figurante. Mel e Buddy são cachorros amigos de Max, também com participação diminuta (a criatividade de Buddy para "escalar", porém, é hilária). Outro coadjuvante coerente é Pops, um cachorro velho que arranja muita energia (e rende boas risadas) na hora da aventura. Porém, Max e Duke dominam a película, mais na parte da ação do que da comédia. É o carisma de Max que encanta, principalmente ao relatar o comportamento do animal na ausência do dono.

Os diretores Yarrow Cheney e Chris Renaud têm noção que a fofura dos animais garante um público mínimo, fascinado pela proposta - composto pelos simpatizantes por pets. Assim, o trabalho ficou facilitado, ainda que eles tenham se esforçado em enriquecer a fita - por exemplo, o dono de um pássaro tem um poster do filme "Os Pássaros", de Hitchcock. Além de uma trilha sonora boa (de Pharrell Williams a Bee Gees), o ritmo de ação é alucinante, com direito a panorâmicas sobre Nova Iorque (inclusive um retrato do Central Park), montagem acelerada e movimentos frenéticos das personagens dentro dos "cenários" - estes incluem um design de produção bem competente, ainda que não impressione. Nesse sentido, o 3D é ótimo ao contrapor os pequenos animais à grandiosa cidade, ao usar da terceira dimensão com cobras (em dois momentos) e também no mar, dentre outros momentos belos.

"Pets - A Vida Secreta dos Bichos" é um entretenimento leve e divertido, nada mais. A proposta é essa mesma, e o objetivo é cumprido. Tendo isso em mente, a sessão é proveitosa.

P.S.: há uma cena pós-créditos.

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