sexta-feira, 20 de maio de 2016

X-Men: Apocalipse -- Defeito de concepção, mas não de execução

É um alívio grande saber que a série X-Men não foi destruída com "X-Men: Apocalipse". Isso porque o filme não é o descalabro que se poderia esperar, aliás, nem é tão ruim quanto os trailers apontaram.

O prólogo magnífico indica um produto de qualidade, o que não se confirma. Com efeito, a cena inicial, que se passa no Egito Antigo e é mola propulsora do roteiro, é elaborada com um visual megalomaníaco (em sentido positivo) e sons com entonação grandiosa, o que acaba empolgando. Porém, o longa tem um claro defeito de concepção - mas não de execução.

Isto é, ele é bem conduzido dentro da proposta, sendo justamente ela o seu problema. Ao contrário de outros filmes de super-heróis, os X-Men sempre têm uma profundidade mais atrativa. Ocorre que este filme simplesmente abandonou o mote da "marca", que é a discriminação sofrida pelos mutantes, que, em última análise, simboliza os preconceitos que se pode vislumbrar em qualquer sociedade. Há um certo bullying entre os alunos do Xavier, mas é tão en passant que passa praticamente despercebido. É assim que a Fox fez um filme com diversos equívocos de roteiro, sem salvação para o momento das filmagens (daí o defeito de concepção e não de execução).

O enredo é básico, clichê e maniqueísta: o vilão Apocalipse, após anos adormecido, é acordado por seguidores e inicia recrutando capangas (os "Quatro Cavaleiros do Apocalipse") para seu plano maléfico extremamente original, dominar o mundo. Caberia aos X-Men enfrentá-lo e impedir que ele consiga obter êxito na empreitada. Original, não é? Não.

De início, percebe-se um roteiro inflado, vez que repleto de subtramas (e eventualmente até personagens) desnecessárias e pouco refletido (em especial no que se refere aos famosos furos de roteiro). A má construção das personagens é um defeito bastante grave, e, ainda pior, o plot desperdiça explicações que seriam relevantes e injeta frivolidades. Por exemplo, ao inserir um romance absolutamente descartável entre Charles (James McAvoy) e Moira (Rose Byrne). Qual a serventia do romance para a narrativa? A produção preferiu retomar esta personagem do pretérito em detrimento de exposições maiores das novas - aliás, as novas personagens sofrem uma abordagem demasiadamente superficial. Mesmo Scott Summers (Tye Sheridan, confortável no papel) e Jean Grey (Sophie Turner, que ainda não convenceu - até pelo tamanho do papel) são melhor vistos como interação de casal do que como mutantes autônomos, como se o importante fosse apenas a formação do casal - a descoberta dos poderes e sua reação até estão lá, mas de maneira oblíqua, insuficiente.

Nesse ínterim, três dos quatro "Cavaleiros do Apocalipse" são apresentados e expostos de maneira lamentavelmente superficial. Os capangas do vilão são: Anjo, Tempestade (Ororo), Psylocke e Magneto (Erik). O Anjo, bem interpretado por Ben Hardy, não chega a ser verticalizado como deveria, pois a preocupação foi apenas retratá-lo como um bad boy, o que não é muito difícil (alguns minutos bastaram). O perfil traçado é diametralmente oposto ao Anjo da versão de "X-Men 3: O Confronto Final", todavia, em comum, aparecem pouco e sem densidade. Por sua vez, a Tempestade (Ororo), vivida pela promissora (no papel) Alexandra Shipp, é tão discreta que se torna irrelevante e dispensável - e o mesmo vale para Psylocke (Olivia Munn). Ambas são turistas na narrativa. Contudo, as personagens antigas seguem a mesma trilha pretérita: a Jennifer Lawrence Mística aparece mais do que deveria, assumindo um protagonismo exacerbado e dissonante; o Professor Charles Xavier evoluiu bastante em relação aos longas anteriores, se aproximando do famoso Professor X conhecido por todos; e Magneto é aquele mutante poderoso e importante que não tem como não assumir posição de destaque (até para ser fiel à nona arte). O Charles de James McAvoy começa a dar sinais do mentor sábio dos quadrinhos, assumindo a posição que teve (enquanto personagem) nos três primeiros filmes. A Jennifer Lawrence Mística de Jennifer Lawrence destoa dos demais por assumir, como dito, um protagonismo indevido: de um lado, não aceita a idolatria alimentado por mutantes mais novos (a partir do evento do final de "X-Men: Dias de um Futuro Esquecido", em que ela se torna famosa), de outro, assume - a contragosto - a posição de liderança sem olvidar sua paixão platônica por Erik. Os conflitos de Mística são rocambolescos e tediosos, mantidos em frente única quando se interessa por Erik e no paradoxo de ser o norte dos demais mutantes. A incoerência não é única, pois o discurso "mutant and proud" fica apenas na teoria, afinal, a mutante aparece muito mais como Jennifer Lawrence uma humana comum do que como a mutante azul que, originalmente, tem sim orgulho da sua aparência. E há um erro em relação à história original, pois a Jennifer Lawrence Mística da sequência nova é boazinha demais. Resume-se a personagem da seguinte forma: diz que tem orgulho, mas quase não aparece da forma natural azul (porque, infelizmente, Jennifer Lawrence é maior que a Mística); é líder e tem fãs, mas não admite tal posição; é apaixonada por Erik, mas não chega a ser sua comparsa (como na trilogia original) - aliás, seu perfil é este, mas a trilogia nova teima em colocá-la do "lado do bem". O Magneto do costumeiramente razoável Michael Fassbender é relevante porque sempre foi assim no material original (HQs), desta vez, ele tenta levar uma vida normal e anônima na Polônia, mas acaba não conseguindo, o que o leva a ser um dos "4 Cavaleiros do Apocalipse". Trata-se da única personagem cuja motivação é crível (enquanto capanga do vilão principal), mas seu desfecho é deploravelmente inverossímil.

O vilão principal é Apocalipse, que se apresenta como mutante com poderes praticamente ilimitados. O geralmente bom Oscar Issac até tenta, mas não salva a personagem: o vilão tem um perfil bastante clichê e não assusta, tornando-se uma decepção - exceto por seus poderes quase ilimitados. Se o seu figurino é aceitável, a maquiagem elaborada foi de péssima qualidade, quiçá em um nível tão indecente que a Fox deveria se retratar.

De todo o exposto não é equivocado concluir que o filme é recheado de furos de roteiro. Com tantas personagens, alguns mutantes de relevo acabam sendo ofuscados e aparecem quase que apenas em razão do seu poder - é o caso de Noturno (Kodi Smit-McPhee), que tem destaque apenas ao usar seu poder. Outras falhas possíveis de serem citadas foram o conveniente aparecimento repentino de Destruidor (Lucas Till), a inexplicável cegueira de Charles em relação ao poderosíssimo Apocalipse ao usar o Cérebro (vê Moira, mas não vê o vilão) e a precisão de Stryker (Josh Helman) ao aparecer no local e hora proveitosos para si. Aliás, a narrativa se passa uma década após os acontecimentos do anterior, mas nenhuma personagem conhecida envelheceu. Talvez a piada de que o terceiro filme seja sempre o pior consista em uma metalinguagem sincera...

Mas nem tudo neste terceiro filme da nova trilogia é ruim, ao revés, existem bons momentos. Por exemplo, a cena de Mercúrio/Peter é novamente genial: segue a vibe da do longa anterior, numa versão estendida, exatamente nos mesmos moldes (é quase tão engraçada quanto, contudo, perde em originalidade). Evan Peters é um dos mais confortáveis do elenco, nasceu para o encantador papel. A direção de Bryan Singer é competente do começo até a cena anterior à da batalha final (e isso não é spoiler pois é óbvio que haveria uma batalha final), vez que esta cena de encerramento é de uma pirotecnia exageradamente desagradável e até confusa. Singer se vê obrigado a atenuar a violência (exceto em uma cena, bem específica e pontual), mas comete poucos erros - até o 3D é de qualidade, apesar de comum pouca profundidade de campo. Percebe-se que o problema do longa não foi na direção (execução), mas sim no roteiro (concepção).

Não é precipitado afirmar que "X-Men: Apocalipse" provavelmente agradará a maioria do público porque tem boas cenas de ação e luta, bons momentos, piadas levemente divertidas e poucos erros grosseiros. Aliás, é provavelmente o vilão que decepcionará. Não obstante, há fôlego suficiente para uma (extremamente provável) continuação. Verdade seja dita, se não é o melhor dos X-Men, também não tira de "Wolverine: Imortal" o troféu de pior filme da saga. Da próxima vez, que não errem na ideação da película.

Angry Birds: O Filme -- Intermediário razoável

É preciso admitir que nem todas as animações necessariamente têm viés intelectual para serem boas - embora este seja o ideal. O conteúdo inteligente de "Divertida Mente" e "Zootopia" não permite que "Angry Birds: O Filme" chegue a tal nível de excelência, mas o filme baseado no game para smartphones é uma grata surpresa. Não é excelente, mas é um filme bom e bem divertido.

O prólogo surpreende ao apresentar ao espectador uma misteriosa cena de ação com o protagonista Red, e há coerência posteriormente, pois, se não há tanta reflexão no longa, há bastante ação em um 3D obrado com esmero. Até existem alguns temas complexos tratados de forma leve - tais como fobia social, bullying e controle da raiva (este, bem mais verticalizado) -, mas era possível ir além.

Isso não significa, porém, que o roteiro é raso. Na verdade, a redação do roteiro não era tarefa fácil: era preciso preservar a identidade dos pássaros em relação ao jogo original, criar uma narrativa crível e também coerente com o jogo, e, evidentemente, divertir. Aos poucos, o filme assume a forma do jogo. Pode-se afirmar que tais objetivos primários foram alcançados, inclusive com alguma folga, como ao criar neologismos (Porcópolis, chocaversário etc.).

O ponto alto do filme é sua eclética trilha sonora, empolgante e sensacional ao incluir bastante rock (Scorpions nunca ingressaram num filme de maneira tão orgânica), o country de Blake Shelton e a pop "I will survive" de Demi Lovato, por exemplo. Tudo isso contribui para a montagem acelerada e a direção competente de Clay Kaytis e Fergal Reilly - destaque para os planos longos de 360 graus, sem contar o bom 3D.

A maior virtude do plot é ser mais divertido do que engraçado, até porque se debruça mais na ação do que na comédia. Por outro lado, exceto pelo protagonista, a construção das personagens é rasa. Red tem seu perfil psicológico bem delineado, tornando-se o mais compreendido do trio principal. Chuck é engraçado por ser rápido, Bomba enseja risos por seu problema biológico. Mas é apenas de Red que as informações são dadas ao espectador. Isto é, a preocupação foi traçar os contornos deste e diferenciá-lo dos demais, apenas. Terêncio, outro pássaro de destaque, é a comprovação que, para ser engraçado, não é preciso ter falas. Matilda também aparece bastante, contudo, é mais opaca. O último pássaro importante é o Mega Águia, personagem clichê - e dizer mais do que isso significaria spoiler. Ainda sobre as personagens, a dublagem brasileira é excelente, em especial graças ao trabalho de Marcelo Adnet como Red e de Fábio Porchat como Chuck (os dois couberam perfeitamente nos papéis).

É do equivocado senso comum a ideia segundo a qual o público-alvo das animações seja o infantil. No caso específico de "Angry Birds", há diversos símbolos voltados ao público adulto - por exemplo, uma escultura remetendo à poliafetividade, a simpatia de Chuck em relação à nudez dos porcos e a referência a "50 Tons de Cinza" e "O Iluminado". Isso significa que a chance de tudo isso não passar despercebido por uma criança talvez não compense o ingresso.

Não obstante, o filme é aprazível em todos os seus momentos, sendo um exemplar intermediário razoável entre as animações ruins (como "Norm e os Invencíveis" - leia a crítica clicando aqui) e as ótimas (como "Zootopia" - leia a crítica clicando aqui).

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Heróis da Galáxia: Ratchet e Clank -- Cinema com Rapadura

Tirando os blockbusters grandiosos - notoriamente os de heróis (e estão previstos outros para este ano ainda) -, têm estreado poucos filmes bons.
HERÓIS DA GALÁXIA: RATCHET E CLANK é exemplo de filme fraco: escrevi a crítica no Cinema com Rapadura, leia clicando aqui e entenda o porquê da nota 3.