segunda-feira, 10 de abril de 2017

A Cabana -- Apenas mais um filme gospel

Mais um filme gospel, mais uma tortura, mais uma lavagem cerebral ou tudo isso junto? O filme A CABANA é a tardia produção que transformou o best-seller de William P. Young de livro em filme. Tardia porque o sucesso literário foi no início da década, indo ao cinema apenas no final. A ressalva sempre soa repetitiva, mas é necessária: a presente crítica se refere ao filme, e não ao livro (que precisaria ser lido para ser analisado).

Na trama, Mack (Sam Worthington) sofre um enorme abalo após a morte da sua filha mais nova, assassinada em uma cabana nas montanhas. Algum tempo após o evento, ele recebe uma carta sem remetente para retornar ao local. Chegando lá, ele amplia seus horizontes e aprende ensinamentos inestimáveis.

Nas aparências, um roteiro pedagógico cujo intuito é dar uma noção de espiritualidade, deísmo, perdão e bondade às pessoas. Inclusive, há uma suave e minimamente elogiável crítica à religião, quando Jesus diz não querer escravos, mas sim amigos, uma família. Essa parte do filme certamente seu público-alvo ignora, raciocínio fruto da alienação que os líderes religiosos fazem em suas mentes. Enfim, vale a menção.

O longa é eficaz para contrapor o protagonista antes e depois do que lhe acontece na cabana. Antes, Mack é uma pessoa amargurada, que não perde a crença em Deus, mas o enxerga como um ser mau, por permitir que sua filha fosse levada. Mack não era ateu, mas apenas um revoltado. Diferente da sua esposa, Nan (Radha Mitchell), cuja crença é dogmática. Também diferentes são as atuações: Mitchell aparece pouco, mas convence. Já Sam Worthington é o mesmo que já se conhece: ele atua tão bem quanto um floco de neve, com uma interpretação sólida e calorosa como uma gelatina. Worthington é especialista em filmes fracos ou ruins, exceção feita, é claro, para "Avatar". Já seus coadjuvantes são de bom nível: o "Papai" de Octavia Spencer tem um olhar acolhedor e emocionado, dando humanidade à personagem; Avraham Aviv Alush é um Jesus fidedigno com a visão pregada hoje, qual seja, de um sujeito descontraído, altruísta e bondoso; Sumire Matsubara faz de Sarayu a personificação do enigma atrativo em si mesmo; e Alice Braga é uma Sabedoria convincente. Já Graham Greene interpreta um "Papai" um pouco indiferente, enquanto Tim McGraw é de uma artificialidade sem igual.

O diretor é Stuart Hazeldine, do desastroso "Presságio", mais uma comédia involuntária do currículo do inoxidável Nicolas Cage. Uma certeza: a melhora foi em progressão geométrica. O problema é que Hazeldine estava em camadas tão profundas de má qualidade que, aqui, aproximou-se apenas do medíocre. Se o diretor já sabia que Worthington era um ator ruim, ao invés de metralhar músicas piegas, não seria melhor sugerir aos produtores a escalação de um ator melhor? Um montador também ajudaria, vide a cena em que Mack, quando criança, leva um tapa, caindo quase dentro da casa. Outra função relevante do diretor é a formação do clímax. No caso de "A Cabana", o que se tem é um clímax não muito impactante, com um terceiro ato que perde bastante força, tornando-se monótono cada vez mais.

Ainda, se o livro faz a cena da Sabedoria em uma caverna, referindo-se a Platão - o que já indica a falta de criatividade -, e se o roteiro mantém essa caverna, melhor seria criar um design interno mais lúdico, não tão tradicional. Também é engraçado perceber que a cena da caverna dispensa o resto do filme, pois é a única que ataca a questão central, podendo excluir as demais sem prejuízo intelectual. Seria cômico, se não fosse trágico. O próprio texto é questionável: se o pai maltratava o filho, é compreensível que o filho seja mau? Então por que Mack não o era?

Provavelmente o maior problema - além de Worthington - reside no roteiro. Não se trata de questionar o livro, que tem espaço para maior densidade. O texto de "A Cabana" é muito superficial no que se propõe a questionar, satisfazendo seu público-alvo, que não precisa de muito, mas não o público externo. Explica-se. Há uma analogia com a crucificação, a partir de uma suposta lenda indígena, o que seria interessante. Ocorre, porém, que o filme faz questão de enaltecer seu didatismo, mastigando tudo que apresenta. Ato subsequente, ataca a superfície dos problemas que enfrenta, jamais encarando-os de frente de uma maneira mais densa. A maneira certa de perdoar é repetir para si mesmo diversas vezes que perdoa? Falta substância no roteiro, falta algum conteúdo que tire o espectador da sua zona de conforto e o faça concluir para si mesmo: "eu nunca tinha pensado assim". Não se trata de convencer, mas de fazer pensar. A ideia deveria ser estimular o raciocínio de quem não é cristão, pois cristãos, em tese, já aceitam com tranquilidade aquelas premissas, logo, uma pessoa com esse perfil como referente apenas aceita o texto e aproveita a narrativa. Já o referente não cristão não se satisfaz, querendo algo mais profundo. Não ter furos no roteiro seria um bom começo (a ideia após o jantar seria que Jesus mostrasse seu trabalho, não as estrelas, não é?).

Não é tortura nem lavagem cerebral, longe da ofensa de outros filmes do subgênero gospel. A CABANA é exatamente isso: apenas mais um filme gospel, que não se sobressai nem envergonha, passando despercebido. Mais um exemplo - agora no cinema em geral - em que (provavelmente) ler o livro é experiência melhor que ver o filme.

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