quarta-feira, 5 de abril de 2017

O Espaço Entre Nós -- Entretenimento leve

Aviso: o presente texto tem alguns spoilers, devidamente avisados e tachados (assim). No que não está tachado, nada extraordinário.

Sim, é um feel good movie bastante pueril e edulcorado. E não, não há muito conteúdo em O ESPAÇO ENTRE NÓS. Contudo, constitui experiência leve e agradável.

O prólogo, por exemplo, é um discurso sobre a deterioração da natureza em nosso planeta e a necessidade em ir para outro. Entretanto, se a ideia fosse de um olhar mais crítico, seria mais interessante explicar como a Terra chegou a esse estágio, o que pode ser feito para retardar os efeitos lesivos e como evitar que o mesmo ocorra no outro planeta a ser colonizado.

É esse o argumento da película: Nathaniel Shepherd (Gary Oldman) é um cientista visionário que encaminha um grupo de astronautas para viverem em Marte, tendo como objetivo, talvez (se tudo der certo), iniciar uma colonização. Porém, uma das astronautas está grávida, nascendo Gardner (Asa Butterfield) em plena atmosfera marciana. Dezesseis anos depois, ele deseja viajar à Terra para conhecer suas origens, com a ajuda de Tulsa (Britt Robertson), que conhece apenas virtualmente.

A melhor parte é a hibridização dos gêneros: o longa transita entre ficção científica, romance, aventura, road movie e drama (nessa ordem), com pitadas cômicas em alguns momentos. A direção de Peter Chelsom consegue fazer esse trânsito com eficácia, usando como trunfo uma fotografia mais bonita ao final, compensando um pouco o CGI pífio da primeira metade. As cenas no espaço, por exemplo, são muito aquém do desejável. Existe ainda uma sequência equivocada de elipses quando Gardner tem dezesseis anos, acontecendo tudo de maneira abrupta: em pouquíssimos minutos, o público sabe que o robô é o melhor amigo do garoto, ele é super inteligente em computadores e, tardiamente, ele passou a ter curiosidade sobre a mãe. Não bastasse a velocidade sobre isso, existem furos no roteiro, como a falta de explicação de como ele e Tulsa começaram a conversar. Em síntese, falta naturalidade nesse apresentação das personagens (o filme começa antes de aparecerem, quando aparecem, é tudo abrupto).

O roteiro tem alguns aspectos que podem ser elogiados. Há realismo ao ressaltar a preocupação da empresa com a repercussão social dos primeiros eventos em Marte, em especial a cobertura da mídia sobre o caso. [SPOILER ALERT: a morte da líder e o retorno ou não da criança é, de fato, uma questão complexa. O que é melhor: que ele continue lá sem mãe? Deveria retornar e arriscar a própria saúde?]. Há também uma fala de Tulsa que merece menção especial, quando ela explica a Gardner que todas as pessoas são problemáticas, não podendo dizer o que realmente pensam, caso contrário, seriam felizes - ironicamente, um absurdo.

Por sua vez, o elenco é, genericamente, satisfatório. Espera-se de Gary Oldman uma atuação digna de Oscar sempre, mas aqui não é o caso. Nathaniel é uma personagem construída em camadas, servindo como fio condutor da narrativa em muitos momentos. A divisão entre o humanismo e a ambição que residem em Nathaniel é visível em Oldman, que, porém, está no piloto automático. O que significa muito mais que muitos artistas, é claro. Já o protagonista Asa Butterfield revela-se perfeito para o papel, em especial pelo jeito ingênuo e desengonçado de Gardner. Sua linguagem corporal dá o perfil exato do jeito desastrado do garoto (a calça acima do tornozelo enaltece esse fator), bem como os olhos azuis permitem a Butterfield imprimir o olhar inocente de Gardner. O ímpeto em procurar as origens genéticas também é compreendido pelo ator, que transpõe essa vontade na atuação. Também Britt Robertson é adequada para o papel de Tulsa, a adolescente rebelde cuja expressão de revolta com tudo e com todos é notória. O papel é unidimensional e estereotipado, mas agrega à trama. Ou seja, o romance entre os adolescentes não é descartável.

Ocorre que o roteiro é bastante questionável em alguns momentos (e aqui aparecem alguns spoilers). Aliás, essencial destacar que o roteirista é o mesmo do altamente frustrante "Beleza Oculta", Allan LoebPor que não há preocupação nenhuma quando Gardner chega na Terra? Não pensam nas doenças que ele poderia adquirir aqui, por não ter a imunidade desenvolvida? E como a médica não pensa em um exame que Nathaniel pensa? O próprio plot twist (cabe mencionar que a existência de um plot twist em um filme nesses moldes é surpresa agradável) é questionável: se a xamã reconheceu o casal, como poderiam ser irmãos? Os irmãos estavam se casando? Ou o xamã se lembrou apenas dela? Nesse caso, por que ela teria pagado, se Nathaniel era rico? Trata-se de uma falha na elaboração da reviravolta. Assim como é falha a cena em que Butterfield coloca uma vestimenta de um homem visivelmente maior que ele (inclusive de largura), sem aparecerem "sobras", e assim como é falho o exagero na didática, como quando Kendra (Carla Gugino, desinteressante, ainda que carismática) enfatiza que o menino é um romântico. Não são poucas as falhas, mas o comprometimento do filme para com uma obra impactante também não é tão intenso. A ideia não é reinventar a roda. Exemplo disso é a trilha sonora, que é boa, mas não extraordinária.

O saldo é de um filme que certamente vai satisfazer o seu público, consistente naquele espectador sedento por feel good movies. Uma obra para ser vista sem preocupações e sem a ambição de gerar reflexões, mas apenas para entretenimento leve. E como entretenimento leve, há êxito.

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