quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Atômica -- Cinema com Rapadura

ATÔMICA é simplesmente o melhor filme de ação da temporada. Com Charlize Theron no elenco, o longa é extraordinário e merece muito ser visto no cinema. Entenda melhor lendo a minha crítica, publicada no Cinema com Rapadura (clique aqui).

Bye Bye Alemanha -- Cinema com Rapadura

Com a nota 5,5, BYE BYE ALEMANHA é a prova que originalidade não basta para que um filme seja bom. Confira, na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura (clique aqui).

domingo, 27 de agosto de 2017

A Torre Negra -- Desperdício

Stephen King é um ator venerado, mas muito mal aproveitado quando suas obras vão para o cinema - salvo, é claro, louváveis exceções, como "O Iluminado". 2017 trouxe para seus fãs A TORRE NEGRA, que acabou sendo mais uma fraquíssima adaptação. O livro deve ser ótimo, não é desnecessário mencionar que a análise feita aqui é, apenas e tão-somente, do filme.

"Há uma torre no centro do universo nos protegendo da escuridão. Dizem que o cérebro de uma criança pode destruí-la". Essas duas frases que aparecem no início consistem no argumento do longa. Destruída a torre pelo cérebro de uma criança, a escuridão que está fora do universo pode nele adentrar, momento a partir do qual o feiticeiro Walter Padick, vilão da trama, governará tudo e todos.

Maniqueísta, não? Bom se fosse apenas esse o problema. O vilão é pavorosamente construído, sendo uma caricatura unidimensional de qualquer antagonista com sede de poder. Não se sabe quem exatamente é ele, apenas que é um feiticeiro poderoso. E que o herói, Roland Deschain, último pistoleiro vivo, é imune à sua magia. Por quê? Porque sim. De onde veio a magia de Walter? Existem outros como ele? Como ele governaria o universo? São vários questionamentos sem respostas, de modo que Matthew McConaughay manchou a carreira ao aceitar o pífio papel.

A situação não é idêntica para Idris Elba, responsável por viver o pistoleiro Roland, herói da história. Quando ele e o protagonista (este merece um parágrafo próprio) se encontram, o pistoleiro está amargurado, desiludido pela derrota sofrida pelo próprio credo, em razão da vitória de Walter. O mal havia vencido a guerra. E também há uma forte dúvida na mente de Roland: enfrentar Walter é o cumprimento de um dever ou a satisfação da própria sede de vingança? Pode parecer um questionamento inócuo, porém, é relevante na medida em que, no primeiro caso, ele continuaria sendo um pistoleiro e, consequentemente, um herói - mais que isso, aparentemente, na mitologia daquele enredo, uma autoridade. Como ótimo ator que é, Elba compreendeu as camadas da personagem e conseguiu dar-lhe a complexidade que o frágil roteiro permitiu.

O protagonista do filme é Jake Chambers, vivido por Tom Taylor. O ator mirim é satisfatório no papel, que é essencial no texto. Há um subplot sobre terapia infantil, falecimento precoce e relação padrasto-enteado, tratado de maneira rasa pelo roteiro - ainda assim, se faz presente. Fora isso, o roteiro é repleto de furos: o garoto é especial, mas do que ele é capaz? Por que ele é especial? Por que os lacaios de Walter têm pele falsa? O que significa a expressão "todos saúdam o Rei Rubro"? A própria Torre não tem muita explicação: quem a construiu? Como ela funciona? Se ela é tão importante, quem a protege?

Ao filme não faltam inutilidades: Jake se interessa por uma menina no vilarejo, o que sugere um romance. Um leve spoiler: não dá em nada. Qual a razão de colocar isso no filme!? Outro momento desnecessário ocorre quando Jake encontra seu amigo na porta da sua casa. Ao menos as poucas piadas não são sem graça, em especial quando o pistoleiro vem para a Terra. Entretanto, nem é preciso dizer que em nada agregam para a narrativa.

A direção de Nikolaj Arcel (também roteirista) é medíocre. Uma grande falha reside no clímax, um pouco rápido e sem emoção. O maior equívoco, contudo, consiste no uso de chroma key aliado a uma fotografia escura, reduzindo a nitidez da imagem, parecendo um trabalho preguiçoso de CGI - exemplo é a sequência de Roland e Jake na floresta. É o primeiro trabalho de maior quilate do dinamarquês. Com sorte do público, o último.

Como o longa tem bastante ação, consegue entreter o espectador que não se importa com um roteiro mal elaborado. Ainda assim, garantidamente não empolga. Talvez, com baixas expectativas, possa satisfazer. É um desperdício de elenco e de dinheiro que poderia ser usado em uma produção melhor. Existem vários melhores em cartaz.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Estreias da semana (24/08/2017)

Atendendo a pedidos, o Recanto volta a destacar as principais estreias da semana (sempre às quintas-feiras). Agora, adicionando um "pré-conceito", que nada mais é que a opinião deste crítico se o filme desperta interesse suficiente para ser visto no cinema.

DOIDAS E SANTAS
Comédia brasileira com Maria Paula e Nicette Bruno.
SinopseBeatriz é terapeuta de casais, mas está enfrentando problemas no seu relacionamento com o marido, Orlando, e familiares. A psicanalista percebe o seu problema pessoal e decide fazer mudanças para experimentar um mundo até então desconhecido.
Pré-conceito: dispensável.

ÚLTIMOS DIAS EM HAVANA
Drama hispano-cubano.
SinopseMiguel tem 45 anos, vive na região central de Havana, Cuba, e passa seus dias sonhando em finalmente conseguir seu visto e ir morar em Nova York. Ele trabalha como lavador de pratos e vive com outro homem, portador de HIV, que vê em Miguel uma base para permanecer de pé. Mas a relação dos dois é totalmente abalada quando o visto de Miguel é liberado.
Pré-conceito: tem potencial.

O CASTELO DE VIDRO
Drama estadunidense com Brie Larson, Naomi Watts e Woody Harrelson.
SinopseBaseado no livro Castelo de Vidro, da jornalista Jeanette Walls, a trama retrata a infância de Walls, criada com os irmãos no seio de uma família desequilibrada, bastante pobre e nômade.
Pré-conceito: bem interessante.

NA MIRA DO ATIRADOR
Filme de guerra estadunidense, com Aaron Taylor-Johnson.
SinopseDois soldados americanos são encurralados por um atirador iraquiano. Nada além de uma parede em ruínas os separa, numa batalha que envolve inteligência e precisão. 
Pré-conceito: mesmice.

BYE BYE ALEMANHA
Comédia produzida por Alemanha, Luxemburgo e Bélgica.
SinopseDavid Berman e seus amigos, todos sobreviventes do Holocausto, têm apenas um propósito: ir para a América o mais rápido possível. Para isso eles precisam de dinheiro. Perto de seu objetivo, David não é apenas privado de suas economias, mas também assombrado por seu passado.
Pré-conceito: pode surpreender positivamente.

UM FILME DE CINEMA
Documentário brasileiro dirigido por Walter Carvalho.
SinopseAs ruínas do Cine Continental, abandonado em pleno sertão da Paraíba, servem como ponto de partida para um filme sobre o cinema, com depoimentos de Ariano Suassuna sobre as incríveis histórias de sua memória de menino nos cinemas das cidades do interior, e de realizadores como Hector Babenco, Julio Bressane, Andrew Wajda, Vilmos Zsigmond, Ruy Guerra, Ken Loach, Béla Tarr, Gus Van Sant, Jia Zhangke, entre outros, respondendo a perguntas como: por que você faz cinema, e pra que serve o cinema?
Pré-conceito: para seu público-alvo, que é bem restrito, certamente será bem satisfatório.

MIMOSAS
Drama hispano-franco-marroquino.
SinopseA difícil e perigosa travessia de um velho xeique por entre montanhas marroquinas, acompanhado por uma caravana responsável por cumprir o último desejo de sua vida.
Pré-conceito: tem potencial.

A TORRE NEGRA
Filme de ação estadunidense, baseado em obra de Stephen King. Conta com Idris Elba e Matthew McConaughey no elenco.
SinopseUm pistoleiro chamado Roland Deschain percorre o mundo em busca da famosa Torre Negra, prédio mágico que está prestes a desaparecer. Baseado na obra literária homônima de Stephen King, essa busca envolve passagens entre tempos diferentes, encontros intensos e confusões entre o real e o imaginário. 
Pré-conceito: o material-base é muito bom, porém, o filme tem sido mal recebido pela crítica. Fica a dúvida.

BINGO: O REI DAS MANHÃS
Para saber tudo sobre esse filme, confira a minha crítica clicando aqui.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Bingo: O Rei das Manhãs -- Cinema com Rapadura

BINGO: O REI DAS MANHÃS apresenta ao público os bastidores do famoso palhaço Bozo, sucesso na década de 1980 na televisão brasileira. Vale pela curiosidade e por alguns atributos cinematográficos - confira na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura, clicando aqui.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

O Estranho que Nós Amamos -- Paradigma pluralista

O prólogo soturno com o cabo, a menina e os cogumelos sugere O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS como um suspense ou um drama obscuro. Mas não: o filme é um drama leve e sugestivamente sexual nos dois primeiros atos, abraçando uma atmosfera de tensão no terceiro.

O longa se passa durante a guerra civil estadunidense, no século XIX. Um soldado se fere em território inimigo, encontrando abrigo em um orfanato só para mulheres, onde se recupera. Durante a recuperação, porém, o soldado chama a atenção das moças, inclusive em demasia. É fácil perceber que a trama é bem suave, ao menos até o plot twist, que muda muito o encaminhamento do filme. Tamanha suavidade torna o roteiro insosso - quando não forçoso (as cirurgias pelas quais o soldado passa na casa são difíceis de acreditar, ao menos naquelas condições, sem um profissional habilitado) -, de modo que outros aspectos chamam a atenção.

Um deles é a direção de arte, que encontra seu auge no figurino, prevalecendo nas moças roupas claras e sempre sem decote, preferencialmente fechadas até o pescoço - aliás, mostrar os ombros era excepcionalíssimo. Graças ao belo cenário, a diretora Sofia Coppola apresenta planos de contemplação da natureza: plano-detalhe de teia de aranha, árvore etc. Para acompanhar, também sons diegéticos, como pássaros e vento. Tudo isso para colocar o espectador na casa, junto com as mulheres e o soldado. É, em síntese, o êxito na imersão, tarefa nada fácil para qualquer diretora (ou diretor). Vale dizer, a direção é ótima.

Outra característica bem visível é a sexualidade pulsante, algo que Coppola fez questão de sugerir sem deixar implícito demais, tomando cuidado para não tornar vulgar. Quando uma das moças dá banho no soldado, ele está dormindo, deitado na cama, com uma toalha na região da genitália, enquanto ela passa uma toalha molhada pelo seu corpo. O importante é perceber que ela tem sensações ao banhar o soldado, como se estivesse acariciando sua barriga e suas coxas, prestes a avançar para outras partes. É a sua vontade, é a sua curiosidade, mas seu lado racional intervém e chega a castração freudiana, na forma de água gelada no rosto. Não é à toa que vários objetos fálicos estão presentes na tela: das velas às colunas da casa.

Também não é à toa o tratamento impessoal até aqui. No geral, as personagens não têm um desenvolvimento muito bom no script. Nicole Kidman, muito bem como sempre, interpreta Miss Martha, a "diretora" (não formalmente, mas sim na prática) da instituição, parecendo uma personagem arquetípica, revelando, porém, ser multifacetada. Aparentemente, ela é fria e insensível, todavia, vai se revelando, além de sensível e fraterna, muito inteligente - por exemplo, ao pedir munição. Miss Martha tem noção que parece seca, contudo, diz que precisa ser assim para ensinar as meninas mais novas, pela dureza da realidade "lá fora". É a sua maneira de ser fraterna.

As outras personagens não são tão interessantes. Kirsten Dunst dificilmente atua bem (um trabalho como "Melancolia" é raro), aqui, sua Miss Edwina (a segunda no comando) não ajuda: o papel tem um arco dramático subdesenvolvido, pois apenas sugerido, uma personalidade frágil e um desfecho patético. Miss Alicia é bem interpretada por Elle Fanning, não é culpa da atriz que a personagem é exclusivamente a "jovem sedutora" (leia-se, unidimensional). Quanto a Colin Farrell... ele não foi a melhor escolha para Mr. John McBurney. É um bom ator, que não convenceu nas virtudes da personagem.

Os pronomes de tratamento foram propositais: o filme é fiel aos modos da época, notadamente a forte religiosidade, a formalidade no trato e o machismo. A religião católica é enraizada: o soldado só é ajudado porque "é o que um bom cristão faria". A caridade cristã é mencionada diversas vezes e as moças oram/rezam em incontáveis oportunidades, todas juntas. O tratamento interpessoal é sempre bastante formal, através da utilização dos pronomes Mr. e Miss, independentemente da idade do interlocutor. No que se refere ao machismo, há um acerto: Mr. McBurney diz que as moças precisam de um homem para cuidar da casa, do jardim etc. Porém, elas discordam, nunca tiveram e nunca precisaram. O machismo está presente apenas no homem: as mulheres são autossuficientes.

"O Estranho que Nós Amamos" é um remake que enxerga com olhos contemporâneos um conto já há muito conhecido. No primeiro filme, a narrativa parte da perspectiva do soldado; agora, o ponto de vista é das mulheres. A cronologia não mudou, mas o longa recebeu uma roupagem contemporânea. Não é uma obra-prima, mas é um atestado de um paradigma cinematográfico mais pluralista, que dá voz às mulheres. Portanto, um avanço.

sábado, 12 de agosto de 2017

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas -- Faltou um bom texto

A fantasia é o terreno fértil para as metáforas mais criativas, embora nem sempre claras. Boa parte do público vai enxergar VALERIAN E A CIDADE DOS MIL PLANETAS como um mix de aventura com ficção científica quase pueril, tamanha a simplicidade aparente do seu plot. De fato, à primeira vista, o longa pode demonstrar singeleza. É necessário, porém, olhar melhor.

Baseado em quadrinhos franceses da década de 1970, criados por Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, o longa acompanha uma difícil missão enfrentada pelos policiais espaciais Valerian e Laureline. Como se percebe, a película cria uma realidade própria, em um futuro distante em que os humanos confraternizam com alienígenas de diversos planetas, teoricamente em paz (o que é difícil crer, já que humanos não conseguem paz sequer consigo mesmos). Essa ideia pode parecer familiar: Star Wars bebeu muito dessa riquíssima fonte da nona arte, pois, ainda que Valerian não seja uma HQ muito conhecida no Brasil, teve seu sucesso lá fora.

O grande defeito do longa é que a trama não é muito envolvente. Na verdade, trata-se de um roteiro mal elaborado, pois cria uma narrativa morosa e eventualmente insossa, deixando o interesse no filme em outros aspectos. Dividido em quatro atos, o filme é longo e, ao invés de ter uma progressão narrativa, alia episódios nada cativantes com subtramas desnecessárias. A missão da dupla é um pouco nebulosa, tão mal contada que se torna irrelevante. Então o filme vive de episódios, como se fosse uma união de sequências de pouca coesão para formar uma unidade, o que talvez funcione em HQs, mas não na sétima arte. Dentre as subtramas desnecessárias, a mais notória é o romance entre a dupla policial: é fiel aos quadrinhos, mas torna a obra cinematográfica piegas no desfecho e não acrescenta em nada no seu desenvolvimento.

Isso tudo sem contar alguns paradoxos do roteiro: se o Comandante tem robôs à sua disposição, não teria motivo para Valerian e Laureline trabalharem como guardas pessoais; embora os dois demonstrem não simpatizar com o Comandante, não há indício da razão; os três "pombos" (vocativo usado por Laureline) mercenários constituem deus ex machina, recurso preguiçoso para qualquer script; e é vergonhoso o momento em que Laureline, em perigo, grita por Valerian sem nem saber que ele está lá, pronto para salvá-la. Falando em salvamento, por outro lado, existe o mérito de construir Laureline distante do paradigma da donzela indefesa: ao revés, a moça chega a salvar o colega em diversos momentos, o que não o impede de tratá-la como ajudante, papel que ela rejeita veementemente com palavras e ações (mas nem sempre).

Seria melhor se Laureline fosse interpretada por uma atriz, não por uma modelo. Afinal, Cara Delevingne pode ter várias qualificações, mas não a de atriz. É bem verdade que ela está menos péssima que em "Esquadrão Suicida" - até porque em "Valerian" não há dança ridícula (existe uma cena de dança, mas não é com ela, e não é ridícula). Mas isso não é mérito, não é melhora. Nem Laurence Olivier salvaria "Esquadrão Suicida". Diversamente, Dane DeHaan é um ótimo ator que tem escolhido mal os projetos dos quais participa. "Poder Sem Limites" (principalmente), "Versos de um Crime" e "Life" são filmes que mostram seu enorme potencial. Porém, "O Espetacular Homem-Aranha 2" e "A Cura" não são bons exemplos no currículo. Em "Valerian", ele mostra versatilidade, surpreendendo como o falso galã. É estranho vê-lo como um "Han Solo", o que ele consegue por ser bom ator, já que, até agora, seus papéis eram mais alternativos, distantes do galã (exceto, talvez, em "Life", porém, a proposta era diversa, pois não era também o herói). A personagem que dá nome ao título tem uma personalidade detestável, é aquele sujeito que se considera irresistível, no final fazendo sucesso não pelas qualidades que acha que tem, mas a despeito do exterior arrogante. DeHaan não é um intérprete carismático e foi prejudicado pela pavorosa parceira, mas qualquer fracasso do filme não é culpa dele.

Ainda no elenco está um irreconhecível Ethan Hawke, também demonstrando versatilidade, todavia, em um papel pequeno. Fugindo do padrão "macho alfa" que costuma viver, desta vez seu papel é extrovertido e um pouco afeminado. Quanto a Clive Owen... é o mesmo "canastrão" dos últimos dez anos. O cast conta também com Rihanna, que faz um papel cuja função é aclarar o tema do filme. Seu trabalho em tela é pequeno, até porque sua personagem Bubble aparece pouco, iniciando com uma cena que pode parecer de pouca utilidade, mas que tem a finalidade de dar personalidade à personagem - na verdade, é fundamental para embasar seu arco dramático pessoal, da artista por vocação. Apesar da participação pequena, Bubble é uma personagem complexa e criada em camadas, ironicamente até mesmo mais interessante que Valerian e Laureline. Como foi parar no local onde o protagonista a conheceu, por exemplo? Não caberia ao roteiro explicar, mas a curiosidade ficou justamente porque a personagem é interessante. Seu drama foi mal trabalhado, é um problema de desenvolvimento, não de concepção.

O que é central é que Bubble é a metáfora da imigrante ilegal, a pessoa socialmente marginalizada e com carência inclusive afetiva. Ela se sente um ser sem lar, fadada ao desprezo da lei, como se fosse um ser de menor valor ou indigno. E a verdade é o oposto, o que ela procura é justamente a dignidade através da imigração. Mas Bubble é apenas a ponta do iceberg em "Valerian", já que o grande tema do roteiro é uma matéria pungente no mundo todo: os refugiados. Trata-se de uma preocupação contemporânea e global, havendo novamente uma metáfora no filme, através dos Pearls do planeta Mül: são seres que ficam sem o seu lar, por circunstâncias completamente alheias à sua vontade, precisando buscar refúgio em outro, recomeçando a própria civilização. Sim, "Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" é sobre os refugiados.

Os Pearls estão na primeira cena após o prólogo, que é a melhor cena. O planeta Mül é de uma beleza ímpar: sol escaldante, praia deslumbrante, calmaria, um local verdadeiramente paradisíaco. Seu visual é também único: sem pelos, mas com adornos tribais, pele clara (cor de pérola, como não poderia deixar de ser) brilhante (também sem surpresa), altos e magros. Nessa mesma cena, além disso, são vistos animais que reproduzem pérolas, algo que depois é melhor explicado - melhor, não muito melhor. Essa cena é a melhor porque é o ápice do maravilhoso design de produção do filme, que é de uma riqueza técnica fenomenal, algo que apenas um grande diretor como Luc Besson é capaz.

Nem tudo que Besson dirigiu merece recordação ("Arthur e os Minimoys" e "A Família" que o digam"), mas ele é o diretor responsável por clássicos como "O Profissional", "O Quinto Elemento" e "Joana D'Arc de Luc Besson", além do contemporâneo "Lucy", que também poderá adquirir tal status. Como roteirista, seu currículo é bem longo (incluindo "Valerian", exemplo ruim), indo desde os que ele dirigiu e outros ótimos (como "Busca Implacável" e "Beijo do Dragão"), até lixos como "Bandidas" e "Carga Explosiva - O Legado". O fascinante plano longo em que Valerian atravessa paredes é prova de que o francês é realmente extraordinário na direção, valendo o mesmo para as elipses em sequência no prólogo, que aliam didática com humor. No roteiro, existe uma referência a outro longa escrito por ele, "Busca Implacável": "onde você estiver no universo, eu vou te encontrar e vou te matar". Porém, acaba sendo um blefe narrativo desta vez, prova que o script desta vez foi falho. Por fim, a trilha sonora é boa, mas não é épica como o filme precisaria para alavancar seu nível.

"Valerian e a Cidade dos Mil Planetas" quer ser o novo paradigma dos efeitos visuais. De fato, nos efeitos visuais, no CGI, no 3D, no design de produção e na fotografia (paleta de cores azul e pastel prevalecendo) o filme é excelente. No 3D, talvez não a melhor experiência já vista, mas muito boa. Os efeitos visuais são belíssimos, mas também nada que fará história. Tudo isso pode ser elogiado, contudo, falta ao longa um roteiro mais consistente, com heróis pelos quais se possa torcer, uma narrativa mais dinâmica e fluida, em síntese, um texto melhor elaborado. De nada adianta um belo visual sem um texto que o justifique. Evidentemente, nada apaga o relevante subtexto sobre refugiados e imigrantes, entretanto, antes do subtexto, vem o texto... e faltou um bom texto a esse filme.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos: A Guerra -- Cinema exemplar

O cinema teve com PLANETA DOS MACACOS: A GUERRA mais um raro exemplar de blockbuster que extrapola o valor comercial, que não é um fim em si mesmo. O filme não deixa de ser um produto, tem consciência que também o é, mas é um produto de alto valor artístico, intelectual e cultural. Faz muito mais que ganhar dinheiro: faz pensar. Algo que Transformer nenhum sonha em fazer.

Na trama, sobraram poucos humanos vivos desde os eventos que começaram há 15 anos, então Caesar, imaginando um iminente novo confronto, prepara seu grupo para migrar para um lugar onde possam ficar protegidos da humanidade. Porém, o caminho de Caesar cruza com o de um coronel bastante cruel, motivando o protagonista para uma vingança que pode mudar o destino do planeta.

O subtítulo "A Guerra" é equivocado, induzindo o espectador a esperar um filme de ação e imaginar confrontos grupais. Não é esse o caso, pois o longa investe na introspecção do protagonista, o que dá muito certo, pois Caesar é fascinante em todos os aspectos. É verdade que existe uma batalha brutal no prólogo (com névoa para atenuar um pouco a violência), bem como algumas cenas com mais ação, ou mesmo suspense - a tensão é legítima quando os humanos invadem sorrateiramente o refúgio dos macacos -, porém, não há dúvida que prevalece o drama. Enquanto personagem, Caesar sempre foi bem desenvolvido, contudo, desta vez, há uma extensa verticalização na sua personalidade, inclusive evitando a sua divinização, mostrando que mesmo o "messias" pode errar. O mantra que ele tinha criado e insistia em repetir, "apes together strong" ("macacos unidos fortes") (sic) é por ele mesmo abandonado por motivos egoísticos, o que, graças à inteligência do roteiro, não soa incoerente. Ao revés, apenas ratifica a falibilidade do protagonista. Ele chega a ser comparado com Koba, antagonista do episódio anterior, não sendo nem um pouco absurda a comparação.

E Koba continua muito presente. Mesmo morto, ele ainda é uma sombra, um verdadeiro fantasma que incomoda muito o herói, que admite o incômodo. Os macacos que antes seguiam Koba agora trabalham para os humanos - é o poder da discordância: a humilhação prefere à ideologia (sem dar spoilers, é assistir para entender). No terceiro capítulo, como dito, há uma verticalização em Caesar, no que resulta na redução do antagonista. Foi melhor: o Coronel é um antagonista menos presente que Koba, dando todo o espaço para Caesar brilhar. Ainda assim, a enorme divergência entre eles é uma questão que o roteiro aprofunda: para aquele, o erro deste é ser "exageradamente emocional". Ambos são líderes de seus grupos, ficando bem clara a diferença, já que o Coronel é impiedoso e maquiavelino, distante da compaixão que o protagonista costumeiramente demonstra - complacência não existe no dicionário do vilão. Cabe mencionar que o filme não é maniqueísta, pois, embora exista um vilão, realmente malvado, o herói não é perfeito. Caesar é o mesmo dos outros filmes, apenas aprimorado (do ponto de vista de desenvolvimento de personalidade, não de valoração moral): faz questão de demonstrar que os macacos não são selvagens ao ter misericórdia com humanos, por exemplo. Aliás, ele continua sendo o líder adorado que faz com que os seguidores se ajoelhem ao seu redor, pedindo a sua benção.

Existe inclusive um subtexto religioso na película quando são exaltadas as figuras antagônicas. Caesar sempre foi o "messias" (o uso da palavra anteriormente não foi à toa) dos macacos, aqui ele se sacrifica corporalmente para o bem do grupo. Como se não bastasse, do outro lado, o Coronel é um semideus, venerado pelos seus soldados. Merece atenção o plano em que ele aparece de costas, fazendo um sinal da cruz com uma navalha para seus soldados, como se os abençoasse. Trata-se de uma religiosidade velada que se remete ao cristianismo em especial, em especial na crucificação: alguns macacos, seguidores de Caesar foram crucificados em um X, referência à crucificação de Santo André. Segundo consta, o apóstolo foi crucificado como Jesus, porém, em um X e não propriamente em uma cruz - tal qual um apóstolo, um seguidor de Caesar não seria crucificado em uma cruz legítima. Além de representar o flagrante retrocesso da humanidade (para a futura ascensão dos macacos), empregando métodos abandonados ao longo da história, a metáfora confirma a representação de Caesar como um guia espiritual dos macacos.

A vantagem de Matt Reeves permanecer na direção é que ele pode aprimorar seu trabalho. Desta vez, o diretor fez um serviço melhor que no episódio anterior, preocupando-se com o elo de continuidade da trama do primeiro ao último plano. Nesse sentido, Maurice continua sendo seu braço direito e a voz da sua consciência, sempre com bom-senso e protegendo os vulneráveis, como Nova (Amiah Miller), cuja função na narrativa é revelada mais ao final. E na técnica visual e sonora o longa é espetacular: ótima edição de som (explosões e tiros), trilha sonora bem intensa e muito bem escolhida (inclusive alternando para as sutis mudanças de tom da película) e captura de movimento sem precedentes. A vivacidade com que é feita a captura de movimentos é assombrosa, dando uma realidade a Caesar que não parece um ator interpretando, mas um símio muito evoluído. Interessante observar que agora ele tem pelos brancos (cabelos e barba), pois está bem mais velho, enfatizando o elo de continuidade. A fotografia tem cenários deslumbrantes, iniciando com florestas, indo para uma praia e fechando o ciclo na neve. É rica, mas vai definhando como a alegria no interior do protagonista - isto é, a neve é a metáfora da sua tristeza. Porém, a montagem foge do padrão ao final nas pontuações, usando transição nas sequências dos últimos minutos, quando essa metodologia não havia sido utilizada em momento algum e não faz sentido. O 3D não é ruim, mas é dispensável. Existem também alguns furos que merecem menção (SPOILERS!): aparece um novo macaco, com arco dramático próprio, todavia, seu drama pessoal é completamente abandonado para ele virar alívio cômico, reduzindo a sua relevância e a sua singularidade (exceto em termos cômicos, é claro) na narrativa; além disso, a fuga foi fácil demais, tornando-se pouco verossímil.

Woody Harrelson é um ator confiável que faz bem o papel de antagonista. Seu Coronel é assustador na medida certa, dotado de uma insanidade que não o torna completamente irracional, mas, ao revés, inflexível em seus princípios. Entretanto, é Andy Serkis que encanta na atuação, fazendo um trabalho fenomenal e digno de premiações. É verdade que dificilmente as entidades mais tradicionais (leia-se: Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar) darão uma indicação (menos ainda o prêmio) para um ator cujo rosto não é muito visível. A técnica de captura de movimentos é muito utilizada, mas sofre intenso preconceito no meio artístico, como se afetasse a interpretação, o que é um enorme equívoco: interpretação envolve linguagem corporal, trabalho vocal e expressões faciais. Se é verdade que a referida técnica impede que seja vista a nudez facial do artista, não é menos verdade que continua permitindo que se analisem linguagem corporal, trabalho vocal e expressões faciais. Caso contrário, a maquiagem também seria impedimento - o que não é o caso, por uma razão simples: a maquiagem, ao contrário da captura de movimentos, já existe há muitos anos e está consolidada. Como não elogiar o trabalho de Serkis como o icônico Gollum em "O Senhor dos Anéis"? Aqui, ele um desempenho magistral com Caesar, sua interpretação é sensacional e, se não reconhecida, constituirá mais uma injustiça nas premiações - exceto, evidentemente, se aparecerem candidatos mais qualificados, o que não parece ser o caso, inclusive porque a safra de filmes tem sido deficitária, em especial nesse quesito. Quanto Caesar e o Coronel se encontram, há um duelo de gigantes que faz valer o ingresso.

E é por tudo isso que a conclusão é inevitável: PLANETA DOS MACACOS: A GUERRA é muito mais que um blockbuster, não é "cinema cult" ou qualquer outro nome. É cinema sem rótulo quanto à categoria, mas rótulo qualitativo. Qualidade de nível exemplar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Os Meninos que Enganavam Nazistas -- Cinema com Rapadura

Estreia amanhã OS MENINOS QUE ENGANAVAM NAZISTAS, que tem um enredo fascinante, que merece a transcrição da sua sinopse:

"Durante o período de ocupação nazista na França, os jovens irmãos judeus Maurice e Joseph embarcam em uma aventura para escapar dos nazistas. Em meio a invasão e a perseguição, eles se mostram espertos, corajosos e inteligentes em sua escapada, tudo com o objetivo de reunir a família mais uma vez".

Instigante, não? O filme é baseado no livro homônimo, que com certeza merece atenção. O filme também merece? Clique aqui e confira, na minha crítica publicada no Cinema com Rapadura.