segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos: A Guerra -- Cinema exemplar

O cinema teve com PLANETA DOS MACACOS: A GUERRA mais um raro exemplar de blockbuster que extrapola o valor comercial, que não é um fim em si mesmo. O filme não deixa de ser um produto, tem consciência que também o é, mas é um produto de alto valor artístico, intelectual e cultural. Faz muito mais que ganhar dinheiro: faz pensar. Algo que Transformer nenhum sonha em fazer.

Na trama, sobraram poucos humanos vivos desde os eventos que começaram há 15 anos, então Caesar, imaginando um iminente novo confronto, prepara seu grupo para migrar para um lugar onde possam ficar protegidos da humanidade. Porém, o caminho de Caesar cruza com o de um coronel bastante cruel, motivando o protagonista para uma vingança que pode mudar o destino do planeta.

O subtítulo "A Guerra" é equivocado, induzindo o espectador a esperar um filme de ação e imaginar confrontos grupais. Não é esse o caso, pois o longa investe na introspecção do protagonista, o que dá muito certo, pois Caesar é fascinante em todos os aspectos. É verdade que existe uma batalha brutal no prólogo (com névoa para atenuar um pouco a violência), bem como algumas cenas com mais ação, ou mesmo suspense - a tensão é legítima quando os humanos invadem sorrateiramente o refúgio dos macacos -, porém, não há dúvida que prevalece o drama. Enquanto personagem, Caesar sempre foi bem desenvolvido, contudo, desta vez, há uma extensa verticalização na sua personalidade, inclusive evitando a sua divinização, mostrando que mesmo o "messias" pode errar. O mantra que ele tinha criado e insistia em repetir, "apes together strong" ("macacos unidos fortes") (sic) é por ele mesmo abandonado por motivos egoísticos, o que, graças à inteligência do roteiro, não soa incoerente. Ao revés, apenas ratifica a falibilidade do protagonista. Ele chega a ser comparado com Koba, antagonista do episódio anterior, não sendo nem um pouco absurda a comparação.

E Koba continua muito presente. Mesmo morto, ele ainda é uma sombra, um verdadeiro fantasma que incomoda muito o herói, que admite o incômodo. Os macacos que antes seguiam Koba agora trabalham para os humanos - é o poder da discordância: a humilhação prefere à ideologia (sem dar spoilers, é assistir para entender). No terceiro capítulo, como dito, há uma verticalização em Caesar, no que resulta na redução do antagonista. Foi melhor: o Coronel é um antagonista menos presente que Koba, dando todo o espaço para Caesar brilhar. Ainda assim, a enorme divergência entre eles é uma questão que o roteiro aprofunda: para aquele, o erro deste é ser "exageradamente emocional". Ambos são líderes de seus grupos, ficando bem clara a diferença, já que o Coronel é impiedoso e maquiavelino, distante da compaixão que o protagonista costumeiramente demonstra - complacência não existe no dicionário do vilão. Cabe mencionar que o filme não é maniqueísta, pois, embora exista um vilão, realmente malvado, o herói não é perfeito. Caesar é o mesmo dos outros filmes, apenas aprimorado (do ponto de vista de desenvolvimento de personalidade, não de valoração moral): faz questão de demonstrar que os macacos não são selvagens ao ter misericórdia com humanos, por exemplo. Aliás, ele continua sendo o líder adorado que faz com que os seguidores se ajoelhem ao seu redor, pedindo a sua benção.

Existe inclusive um subtexto religioso na película quando são exaltadas as figuras antagônicas. Caesar sempre foi o "messias" (o uso da palavra anteriormente não foi à toa) dos macacos, aqui ele se sacrifica corporalmente para o bem do grupo. Como se não bastasse, do outro lado, o Coronel é um semideus, venerado pelos seus soldados. Merece atenção o plano em que ele aparece de costas, fazendo um sinal da cruz com uma navalha para seus soldados, como se os abençoasse. Trata-se de uma religiosidade velada que se remete ao cristianismo em especial, em especial na crucificação: alguns macacos, seguidores de Caesar foram crucificados em um X, referência à crucificação de Santo André. Segundo consta, o apóstolo foi crucificado como Jesus, porém, em um X e não propriamente em uma cruz - tal qual um apóstolo, um seguidor de Caesar não seria crucificado em uma cruz legítima. Além de representar o flagrante retrocesso da humanidade (para a futura ascensão dos macacos), empregando métodos abandonados ao longo da história, a metáfora confirma a representação de Caesar como um guia espiritual dos macacos.

A vantagem de Matt Reeves permanecer na direção é que ele pode aprimorar seu trabalho. Desta vez, o diretor fez um serviço melhor que no episódio anterior, preocupando-se com o elo de continuidade da trama do primeiro ao último plano. Nesse sentido, Maurice continua sendo seu braço direito e a voz da sua consciência, sempre com bom-senso e protegendo os vulneráveis, como Nova (Amiah Miller), cuja função na narrativa é revelada mais ao final. E na técnica visual e sonora o longa é espetacular: ótima edição de som (explosões e tiros), trilha sonora bem intensa e muito bem escolhida (inclusive alternando para as sutis mudanças de tom da película) e captura de movimento sem precedentes. A vivacidade com que é feita a captura de movimentos é assombrosa, dando uma realidade a Caesar que não parece um ator interpretando, mas um símio muito evoluído. Interessante observar que agora ele tem pelos brancos (cabelos e barba), pois está bem mais velho, enfatizando o elo de continuidade. A fotografia tem cenários deslumbrantes, iniciando com florestas, indo para uma praia e fechando o ciclo na neve. É rica, mas vai definhando como a alegria no interior do protagonista - isto é, a neve é a metáfora da sua tristeza. Porém, a montagem foge do padrão ao final nas pontuações, usando transição nas sequências dos últimos minutos, quando essa metodologia não havia sido utilizada em momento algum e não faz sentido. O 3D não é ruim, mas é dispensável. Existem também alguns furos que merecem menção (SPOILERS!): aparece um novo macaco, com arco dramático próprio, todavia, seu drama pessoal é completamente abandonado para ele virar alívio cômico, reduzindo a sua relevância e a sua singularidade (exceto em termos cômicos, é claro) na narrativa; além disso, a fuga foi fácil demais, tornando-se pouco verossímil.

Woody Harrelson é um ator confiável que faz bem o papel de antagonista. Seu Coronel é assustador na medida certa, dotado de uma insanidade que não o torna completamente irracional, mas, ao revés, inflexível em seus princípios. Entretanto, é Andy Serkis que encanta na atuação, fazendo um trabalho fenomenal e digno de premiações. É verdade que dificilmente as entidades mais tradicionais (leia-se: Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar) darão uma indicação (menos ainda o prêmio) para um ator cujo rosto não é muito visível. A técnica de captura de movimentos é muito utilizada, mas sofre intenso preconceito no meio artístico, como se afetasse a interpretação, o que é um enorme equívoco: interpretação envolve linguagem corporal, trabalho vocal e expressões faciais. Se é verdade que a referida técnica impede que seja vista a nudez facial do artista, não é menos verdade que continua permitindo que se analisem linguagem corporal, trabalho vocal e expressões faciais. Caso contrário, a maquiagem também seria impedimento - o que não é o caso, por uma razão simples: a maquiagem, ao contrário da captura de movimentos, já existe há muitos anos e está consolidada. Como não elogiar o trabalho de Serkis como o icônico Gollum em "O Senhor dos Anéis"? Aqui, ele um desempenho magistral com Caesar, sua interpretação é sensacional e, se não reconhecida, constituirá mais uma injustiça nas premiações - exceto, evidentemente, se aparecerem candidatos mais qualificados, o que não parece ser o caso, inclusive porque a safra de filmes tem sido deficitária, em especial nesse quesito. Quanto Caesar e o Coronel se encontram, há um duelo de gigantes que faz valer o ingresso.

E é por tudo isso que a conclusão é inevitável: PLANETA DOS MACACOS: A GUERRA é muito mais que um blockbuster, não é "cinema cult" ou qualquer outro nome. É cinema sem rótulo quanto à categoria, mas rótulo qualitativo. Qualidade de nível exemplar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário