quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A grande aposta -- Três pilares que empolgam nesse filme excelente

Por que um filme tão espetacular quanto "A grande aposta" dificilmente ganhará o Oscar de melhor filme? Tem um bom plot, um grande elenco e recursos técnicos geniais. Porém, a história, pelas suas características, lhe falta aquela originalidade que o destacaria dos demais (como ocorre com "Mad Max", por exemplo). Se vencer na categoria, será por expor o american way of life de uma forma única, explorando o que eles mais gostam, que são eles mesmos - "entendedores entenderão". Outro trunfo é o fato de não se enquadrar facilmente em gênero algum: o enredo é triste (afinal, trata de uma crise!), mas não chega a ser um drama; tem cenas engraçadas, mas não é comédia. Essa peculiaridade presente em vários longas, referente à hibridização dos gêneros, é bastante apreciada pela Academia, o que pode justificar a estatueta.

Trata-se de um relato composto de quatro núcleos pequenos inseridos no grande contexto anterior à crise do mercado imobiliário de 2008. Cada núcleo está ciente do que está prestes a acontecer (desde 2006), a diferença entre eles é como agir e reagir. Não falta originalidade apenas por se tratar de uma história real - afinal, "O regresso" é também baseado em fatos reais, mas muito mais original -, mas também por basear-se em um evento que teve a atenção do mundo todo por impactar a economia de um dos países mais importantes do globo (em termos econômicos, é claro) - e também, por via de consequência, a economia de diversos outros. Isto é, a história é real e notória, tendo afetado milhões de pessoas. Na verdade, é real demais. E sem surpresas, pois o desfecho é conhecido - diversamente de "Spotlight", por exemplo, cuja história também é real, mas bem menos famosa. Ainda que se considere a utilização de personagens desconhecidas da maioria do público, o contexto econômico (esse o protagonista) é tão próximo de todos que, em teoria, o filme não empolgaria.  Não pelo plot não ser bom, ele é bom. Só não é tão original.

Para compensar a notoriedade do protagonista, as personagens deveriam ser desconhecidas do grande público. E mais: interpretadas por artistas de renome, o que chamaria a atenção do filme. Claro, reunir grandes nomes aumenta as chances de o espectador comum ter a curiosidade de ao menos pesquisar sobre a obra. Indo mais fundo, esses artistas não têm apenas renome, mas, no geral, são bons e estão muito bem. No geral, o elenco está excelente.

Dividido em grandes núcleos, apenas dois nomes brilham mais que os demais. Indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante, Christian Bale, de talento já inquestionável (quiçá um dos melhores atores da atualidade), faz um trabalho soberbo como Michael Burry. Sua entrada triunfal ocorre em uma cena marcante em que a caracterização da personagem já se destaca: um fone no ouvido, uma camiseta azul lisa, descalço (seu figurino é praticamente o mesmo o filme todo, e não combinaria, em tese, com o seu sério trabalho) e com baquetas nas mãos (o ator fez aulas de bateria só para o filme). Bale está magro e usa ainda uma prótese no olho esquerdo para simular o olho de vidro. Burry é uma pessoa extremamente excêntrica, e o visual foi fundamental para destacar isso - além da direção, que dá a ele o privilégio de ter planos exclusivos, em que só ele aparece (inclusive em primeiríssimos planos). Claro, a atuação de Bale é excelente, com uma linguagem corporal de inquietude e distanciamento, uma entonação vocal peculiar e sorrisos repentinos que se explicam pela esquisitice da personagem (embora soem deboche). Em segundo lugar - embora haja opinião minoritária em sentido contrário -, Steve Carell é outro que brilha ao dar vida a Mark Baum, grande norte moral da película. Carell já havia demonstrado interesse em explorar novos horizontes com "Foxcatcher", o que é ótimo, pois demonstra que o ator quer um aprimoramento profissional e mostrar versatilidade. Desta vez, fez a que provavelmente foi a melhor interpretação na sua (ascendente) carreira (até agora, evidentemente). Baum transita entre o cômico e o dramático: o humor reside tanto na caracterização (sobrepeso visível e penteado risível) quanto na vocalização (uma agudez ainda maior que a costumeira) e na expressão representando seriedade e depressão, mas é o deslocamento do real (vale dizer, ele é muito nonsense) que chama a atenção; o dramático aparece em especial ao contracenar com Marisa Tomei (no papel de esposa), vez que ele (é o único no filme que) sofre em razão da crise financeira, ao perceber o impacto na vida das pessoas comuns. Baum é capaz de interromper uma palestra para falar uma verdade desacreditada, brigar com um desconhecido por um táxi e abandonar uma conversa repentinamente para atender o celular. Não há como não rir (a cena com a dançarina é hilária!). A personagem é complexa, mas não tão desafiadora quanto Burry. Dois sujeitos excêntricos e igualmente encantadores na trama. Tanto que ofuscam Ryan Gosling - que mostra não dominar o timing cômico necessário em algumas cenas (como ao criticar o vestuário alheio). O papel de Jared Vennett, porém, é relevante não apenas como engrenagem, mas para simplificar a película em vários momentos. Brad Pitt aparece pouco, sendo destaque apenas em um monólogo realista em determinado momento, já ao final. Seu núcleo com John Magaro e Finn Wittrock é muito mais centrado nestes - e que ótima dupla. Os coadjuvantes menores também vão bem.

Porém, direção e montagem são os verdadeiros astros de "A grande aposta". A especialidade de Adam McKay em comédias acabou sendo essencial, evitando que um tema complexo e mecânico se tornasse enfadonho. De fato, um filme que tinha tudo para ser entediante por tratar da bolha imobiliária que até hoje muitos não entenderam acaba sendo empolgante. Como? Com apuro técnico exemplar, praticamente uma aula. Exemplos não faltam: jump cuts, flash forwards, quebra da quarta parede (em especial com Ryan Gosling), citações explícitas, muitos movimentos de câmera - aliás, uma câmera inquieta, com bastante zoom e alguns travellings -, primeiros e primeiríssimos planos, narração expressa e assim por diante. Direção e montagem concorrem ao Oscar e não à toa, vez que, embora a câmera talvez seja demasiadamente ágil para representar tudo que o filme quer dizer, é a sua inquietude que imprime um filme dinâmico. Logo, a veloz (talvez demais) montagem e a câmera hiperativa funcionam como uma injeção de adrenalina. Também para simplificar o universo econômico (que é duramente criticado na lição que o filme tenta passar), McKay insere um quê de fellinesco com interrupções de celebridades (participações especiais) para, didaticamente, explicar conceitos técnicos que presumidamente o público desconhece. A preocupação em ensinar o espectador existe, e, de modo geral, o objetivo é atingido em seu cerne (talvez não em seus pormenores) e a mensagem repassada fica bastante clara. Enfim, um trabalho heterodoxo, mas muito requintado. A mixagem de som também vai bem ao silenciar nos momentos certos, inserir músicas instrumentais e exemplificar o gosto de Burry com Metallica e Gorillaz.

"A grande aposta" talvez não entre no rol de filmes memoráveis, mas é sabido que nem todo gênio recebe a honra que merece. Independentemente de qualquer premiação - a indicação já é bastante significativa -, o filme, com seus três pilares (bom plot, grande elenco e recursos técnicos geniais), surpreende se tornar compreensível. Aliás, é um deleite para quem tem conhecimento na área. Para os leigos, "apenas" empolga. Um filme tão frenético quanto o mercado financeiro. É excelente, não se pode negar.

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