segunda-feira, 11 de abril de 2016

Decisão de Risco -- A guerra contra o terrorismo definitivamente não é fácil

No geral, filmes sobre terrorismo são simplistas. Existe o lado do bem e o do mau (maniqueísmo na sua forma mais pura), respectivamente, EUA e o grupo terrorista qualquer. O objetivo dos mocinhos é matar os malvados para reduzir a maldade existente no mundo e quiçá salvar milhares de pessoas. "And God bless America".

"Decisão de risco" é muito diferente dessa maioria que enxerga a guerra contra o terrorismo de forma limitada. Não é bem contra mau, não é só o salvamento de um número hipotético de pessoas. O nome em português, diverso do original em inglês, é bastante acertado, pois, numa guerra, sempre haverão riscos a serem mensurados. E o nome original ("Eye in the Sky") também é pertinente, pois há enfoque no uso dos drones. Nesses acertos iniciais, a frase que começa o longa ("na guerra, a verdade é a primeira vítima", de Ésquilo) talvez não seja a mais compatível, afinal, verdade é um conceito bem relativo.

O filme conta a história de um ajuste intergovernamental (britânicos e quenianos) com o objetivo de capturar uma cidadã britânica (Danford, interpretada por Lex King, que praticamente não aparece) que se encontra com um grupo terrorista. Descobrem não apenas que Danford está lá aliada aos terroristas, como existe uma cidadã estadunidense e que todos eles planejam um ataque suicida. Logo, o plano inicial de captura precisa ser abandonado para que o grupo seja eliminado. Surgem, porém, alguns problemas: assassinar uma cidadã estadunidense pode gerar um problema diplomático; matar a britânica também teria um óbice jurídico. Tudo muda de figura, mas a operação multinacional antiterrorismo ganha proporções maiores que as iniciais ao alterar o plano inicial (de captura para homicídios) e envolver os governos britânico, estadunidense (único que inicialmente não participava) e queniano.

Como se percebe, o roteiro é o grande diferencial ao fazer uma abordagem inovadora sobre a guerra contra o terrorismo. A inovação consiste, em um primeiro momento, em inserir a tecnologia na guerra, pois os britânicos acompanham o que acontece em Nairóbi no conforto europeu através de drones, e toda a operação é executada por drones, do começo ao fim. Além disso, há uma visão muito mais ampla dessa guerra ao elencar diversas variáveis: não se trata de um simples ataque para matar terroristas, mas medir os riscos de danos colaterais, a responsabilidade que ninguém quer assumir pelos assassinatos (acaba sendo uma verdadeira "batata quente", pois é visível a fuga de todas as autoridades em relação à responsabilidade de assumir a culpa pelo resultado como um todo), a execução por terra quando necessário, a certeza quanto às identidades e assim por diante. São muitos elementos presentes para eventualmente consumar o ataque, considerando até mesmo o que chamam de "guerra da propaganda", o que acaba se tornando uma frivolidade ante à gravidade do possível desfecho. A narrativa transita entre suspense e drama com um pouco de ação, o que comprova o esmero para elaborar um roteiro diferenciado.

A questão referente ao risco no título brasileiro é verticalizada no decorrer da narrativa, vez que cada circunstância inédita enseja novos riscos, novos danos colaterais e maior responsabilidade dos envolvidos. O primeiro grande risco foi enviar um somali para confirmar (por um drone de besouro) as identidades dos que estão no local mirado. Para tal mister, o somali deveria se aproximar, daí o risco - aliás, Jama Farah é interpretado por Barkhad Abdi, em atuação soberba de um agente queniano infiltrado cuja relevância é fundamental por ser o único trabalhando por terra e arriscando a própria vida no trabalho. É Farah quem mais se arrisca, e o nível alto do trabalho de Abdi permite a identificação cinematográfica secundária com facilidade. Ademais, os estadunidenses enxergam o risco de forma claramente diversa, eles têm uma lógica antiterrorista muito distinta da dos britânicos. Isso fica claro em duas falas: americano aliado de qualquer forma a terrorista se torna terrorista também e, portanto, inimigo dos EUA; o governo dos EUA ficaria bastante desapontado se o britânico deixasse de atacar os terroristas.

Numa visão técnica, a montagem é confusa no início, desprezando qualquer viés didático que poderia ter. Contudo, se torna mais palatável com o decorrer da narrativa, quando as intrincadas tramas ganham forma e ficam mais compreensíveis. A direção de Gavin Hood é modesta, sem nenhum destaque específico. Pelo fato de o filme se basear em 3 cenários distintos (ruas de Nairóbi, centro do comando militar inglês e um local de reunião de políticos e autoridades), o design de produção é eficaz para representar o abismo visual dos cenários, o que, inclusive, facilita a identificação de cada um. Sem contar algumas sutilezas, como a retirada do paletó por parte de um ministro em um momento de tensão, deixando aparecer seu suor (as "pizzas" na região das axilas). Em prol do realismo, os efeitos visuais e sonoros são minimalistas, porém, a trilha sonora modesta consegue ampliar a tensão nos momentos-chave.

No que se refere à construção do perfil das personagens, o filme também é ótimo, tanto em razão do aprofundamento do roteiro, quanto (principalmente) pelas ótimas atuações do bom elenco. O maior destaque é, provavelmente, Helen Mirren, que, em mais um trabalho formidável, imprime à sua Coronel Powell a mulher fria e sem senso humanístico que é, colocando sempre os objetivos inerentes à profissão acima de tudo. Com um discurso bastante cru (chega a afirmar "nossa inteligência é ruim" ao qualificar um mero atraso), a Coronel é o norte inabalável da luta contra o terrorismo, minimizando consequências reflexas se o escopo principal (matar terroristas) for atingido. Aliás, palmas para o roteiro por colocar uma mulher em tal posição, não apenas alta na hierarquia militar, mas de relevância no roteiro, distante do perfil estereotipado que se poderia esperar. Seu oposto é Angela Northman (Monica Dolan), a âncora humanista de atuação mais singela. Mirren é uma grande atriz fazendo um excelente trabalho com um papel bem racional. Dolan é uma atriz modesta fazendo um trabalho bem razoável com um papel muito mais racional. A identificação cinematográfica secundária pende para Mirren, não pelo carisma da atriz, nem pelo conteúdo das suas ações e de seu discurso, mas porque a personagem é, por si só, mais convincente. Não menos importante que a Cel. Powell é o General Benson do já saudoso Alan Rickman, que, em também mais um trabalho formidável, encanta ao moldar um militar mais parcimonioso e menos exaltado que a Coronel. Ainda que seja um militar destinado a lutar contra terroristas, ele é mais sereno e tenta agir racionalmente, brilhando com frases emblemáticas - em especial, em um diálogo com Angela, já no final do longa. O lado humano de Benson também é mostrado em cenas relativas a uma compra de uma boneca (tema que ele claramente não domina), enquanto que Powell de humano tem muito pouco. Evidentemente, é proposital mostrar os dois fora do ambiente de trabalho no início, estabelecendo o quão diferentes eles são, ainda que não diametralmente opostos. Afins, mas diversos. Aaron Paul atua como o Tenente Steve Watts, um dos pilotos que controla o drone responsável pela operação. Ele é uma variável relevante na narrativa, e Paul até se esforça, todavia, falha na dramaticidade da personagem, que é mais irritante que convincente, atrapalha mais do que faz refletir. Em síntese, destoa dos demais. Por fim, a criança do pão ganha os holofotes ao formar o retrato da inocência (ou dos inocentes) em relação ao terrorismo, agregando muito à narrativa. O terrorismo não é feito de vítimas diretas e vilões maléficos, mas existem também vítimas reflexas, concretas ou hipotéticas, que devem ser sempre consideradas, jamais ignoradas. Colocar uma criança boa e ingênua soa carismático e emociona (criando ainda mais tensão), mas o foco era retratar um contraponto aos métodos bélicos do antiterrorismo. Ou seja, eventualmente, existe um preço que poderá ser pago para extirpar a prática terrorista do planeta, e a luta não é fácil como algumas produções sugerem.

É este o caminho trilhado pelo ótimo "Decisão de Risco", que mostra que tornar um tema mais complexo enriquece muito a matéria, dialogando com o espectador a ponto de fazê-lo refletir sobre a temática. São muitas vidas em jogo e muitos riscos a serem assumidos (cuja responsabilidade ninguém quer assumir). A guerra contra o terrorismo definitivamente não é fácil.

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