domingo, 19 de março de 2017

A Bela e a Fera -- Melhor ficar com o original

Seria melhor inovar muito, esbanjando novidades, como feito em “Malévola”, ou meramente dar nova roupagem, tal qual em “Cinderela”? Certamente, A BELA E A FERA optou por pertencer ao segundo grupo, o que lhe reduz drasticamente o valor artístico.

A sinopse é a mesma da versão de 1991: uma jovem e Bela moça é feita prisioneira por uma Fera cruel, amaldiçoada quando era um príncipe humano. Com o passar do tempo, porém, Bela descobre que Fera não é tão malvada quanto pode parecer e que, na verdade, há uma pessoa agradável além da aparência assustadora – ainda que a própria Fera não saiba disso.

Então é caso de um remake ipsis litteris da versão clássica? Não: existem sim novidades, que, porém, são suaves e por vezes imperceptíveis. Agora, Bela é intelectual (leitora voraz da cidade, inclusive), mas também habilidosa, até melhor que o pai. Sua personalidade é de uma mulher forte, tal qual a sua mãe, rotulada como destemida pelo seu pai – a mãe de Bela aparece um pouco mais, ainda assim, pouquíssimo. Há um avanço nisso, mas o terreno ainda é inexplorado (e poderia dar maiores novidades se aprofundado).

Outra novidade, essa mais substancial, é relativa à maior representatividade no elenco e nas personagens: um bibliotecário negro, um baile com pessoas de variadas etnias e até uma travesti já ao final – nesse caso, infelizmente, a comicidade é uma indireta da impossibilidade de tratar a matéria de maneira mais séria e realista. O mesmo ocorre com LeFou, apaixonado por Gaston – um homossexual evidente, ainda que não expresso, negado apenas, talvez, por preconceito de quem não quer enxergar os fatos –, que também tem a homossexualidade como objeto de piada (o coadjuvante é claro alívio cômico), o que indica falta de coragem para tratar com seriedade um assunto sério. Isso remete a um pretérito hollywoodiano, em que homossexuais eram estereotipados, sempre participando como coadjuvantes, e sempre servindo como motivo de riso. De todo modo, melhor que se façam presentes do que ignorados como outrora.

Assim, o filme consegue ser fantástico e entediante ao mesmo tempo. Em razão do fabuloso design de produção – cenários, figurinos, arte, é tudo belíssimo –, impossível negar que a fantasia fascina. A cena da dança, por exemplo, tem toda a magia que apenas os Estúdios Disney conseguem expor. Porém, como são poucas as novidades, o filme se torna previsível do começo ao fim, sinônimo de tédio. A fantasia aparece já no prólogo (que conta com a clássica expressão “once upon a time”), onde o argumento do longa aparece com a bruxa – que, no remake, tem um pouco mais de espaço. Afinal, aqui já se pode concluir: o filme é sim um remake, só não é cópia idêntica.

Bill Condon é um diretor cuja qualidade dos trabalhos pode ser muito questionada. Seu currículo inclui o aceitável “Sr. Holmes”, mas também os intragáveis dois capítulos finais da saga “Crepúsculo”. Em "A Bela e a Fera", o trabalho foi facilitado porque é tradução em live action do que já foi feito antes, ainda assim, as atualizações são boas, como a linguagem 3D, que, em sua maioria, é bem usada, ainda que dispensável - ou seja, não faz valer o ingresso mais caro. Por exemplo, o castelo fica numa região onde é sempre inverno, símbolo de tristeza. Metáfora coerente, mas repetida da versão anterior. O filme foi filmado tanto em chroma key que fizeram a Fera com CGI - teria sido melhor apostar mais em maquiagem e menos em CGI.

Quanto às músicas, é um filme mais musical que o de 1991, pois as canções são mais constantes - em sua imensa maioria, são as mesmas, cantadas por outros artistas. Uma das cenas musicais tem um show pirotécnico desnecessário, fruto do exagero em CGI. Especificamente no aspecto musical, o longa deixa a desejar, principalmente em termos de inovação (são apenas duas músicas novas). Porém, vence no quesito Gaston, que aqui é um vilão mais feroz, fazendo o espectador questionar quem é a verdadeira fera.

Nesse sentido, os coadjuvantes vão muito bem. Ewan McGregor é facilmente o melhor deles, mantendo Lumière como o empregado mais esperto e divertido, oposto do Cogsworth de Sir Ian McKellen, um relógio medroso. A interação dos dois rende momentos bem divertidos e seu trabalho de voz é irretocável. Já Emma Thompson e Stanley Tucci, respectivamente, como Mme. Samovar e Cadenza, deixam a desejar, talvez pelo menor espaço. O mesmo vale para Audra McDonald, exagerada nas entonações vocais. No polo antagonista, o Gaston de Luke Evans é excelente, um dos melhores trabalhos do ator, provavelmente porque a personagem se assemelha ao ator, inclusive por serem ambos "canastrões". Elogiar Kevin Kline se mostra desnecessário, primeiro porque já é um ator confiável, segundo porque o roteiro agora lhe dá um pouco mais de espaço, o que enriquece a personagem.

O casal principal é também muito bom. Emma Watson ainda tem muito da Hermione e é difícil separá-la da saga que a deu notoriedade. Entretanto, como Bela ela é convincente, não deixando a desejar em nada. Ao revés, quando ela faz a transição da raiva para a paixão, acertadamente gradual, Watson se revela boa atriz. Difícil analisar a atuação de Dan Stevens, pois a máscara de CGI prejudica o olhar atento no que se refere à atuação. Isto é, com um CGI tão carregado, o que resta, em tese, é a voz do ator. Porém, nem isso sobra, pois há muito efeito digital também na voz. Nas poucas cenas que ele aparece, ainda assim, parece confortável no papel. O que é mais importante é que os dois passam a mensagem principal que é extraída do romance, qual seja, a de que um romance deve ter por parâmetro as virtudes para além da beleza exterior. Já dizia Saint-Exupéry: o essencial é invisível aos olhos.

Há um outro problema: vários furos no roteiro. Quando Bela foge, como o cavalo ainda está lá, se teria levado seu pai? Quando Fera leva um tiro, como sua roupa não fica sujo? Como Gaston tem tanto poder perante a comunidade, não existe um líder político? Como Bela consegue sair e não ser atacada pelos lobos pela segunda vez? Alegar que são problemas do roteiro do longa de 1991 é inócuo, pois nada impediria uma solução agora.

Em síntese, A BELA E A FERA provavelmente vai deixar satisfeito quem já é fã do filme de 1991. Não é tão bom, não tem a mesma magia, mas é bonito e razoavelmente bem feito. Ainda assim, melhor ficar com o original.

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