quarta-feira, 1 de março de 2017

Logan -- Nada mais, nada menos (crítica sem spoilers!)

Para os fãs do Carcaju, LOGAN é o primeiro filme digno do Wolverine. Entretanto, talvez não satisfaça os fãs dos X-Men, que buscam algo mais amplo sobre o rico universo dos mutantes. Não é dessa vez, pois o filme é sobre o Wolverine.

O filme tem como temática principal a solidariedade e o amor ao próximo. Isso pode até não parecer compatível - à primeira vista - com a personalidade do Wolverine, todavia, mesmo nas suas primeiras aparições no cinema, já era possível que, por trás do esqueleto de adamantium, há um bom coração. Não por outra razão, Vampira encontra nele uma figura paterna. Agora, Logan está velho, com os poderes enfraquecidos e bastante solitário. Os dois únicos mutantes com quem convive são Caliban (Stephen Merchant) e Charles Xavier (Patrick Stewart). Em razão da idade (noventa anos), Xavier está debilitado, tendo em Logan e Caliban seus enfermeiros. Quando aparece, de um lado, duas pessoas pedindo ajuda, e, de outro, um sujeito misterioso intimando o herói a entregá-las, Wolverine se vê obrigado a ajudar as duas, sem saber o nível do seu envolvimento na história.

Agora, Logan está muito enfraquecido, física e psicologicamente. Logo no prólogo isso fica bem claro, onde se vê um herói caído, cansado e despreocupado com a própria integridade física. Ele cicatriza e melhor, mas não como antes. Suas garras de adamantium ainda funcionam, mas não como antes. E ele continua ingerindo bastante álcool, na ausência de um horizonte a ser visto da sua perspectiva. Os cabelos brancos e a barba branca são reflexo do descuido pessoal, embora o emprego o obrigue a usar ternos. Como diz Caliban, ele está "doente por dentro". O intento é de uma humanização da personagem, o que é atingido. A empreitada que ele fica prestes a enfrentar pode ser maior que suas habilidades, todavia, a coragem e o senso protetivo continuam intactos. É isso que o faz ser quem é.

Também é nesse norte que Hugh Jackman interpreta muito bem o papel principal (em tese, pela última vez). Não há grande diferença agora, exceto pela caracterização estética, em especial as cicatrizes que antes se curavam plenamente. Jackman se vê despido de qualquer vaidade que possa ter (há não muito tempo atrás, ele exibiu o corpo nu) para convencer na versão proposta. É visível o talento (já inquestionável) do ator em uma cena que lhe exigiu maior emoção, saindo do ritmo frenético do longa. Também Patrick Stewart aparece envelhecido e debilitado, na sua melhor interpretação na série X-Men. Sir Patrick já é um ator consagrado que brindou os fãs da franquia com um Xavier fiel ao original. Agora, o Professor X está senil, falando coisas sem sentido, completamente fora de si. Pior, sem o pleno domínio dos seus impactantes poderes, embora ainda os tenha. Principalmente no primeiro ato, Stewart vive o melhor Charles Xavier já visto no cinema. O Caliban de Stephen Merchant não tem o mesmo destaque (exceto pela pesadíssima maquiagem), mas é eficiente.

Diferente do que foi visto até agora, o diretor James Mangold não teve freios na violência e no sangue (aliás, o prólogo é um belo resumo do que aparece adiante). São vários os membros decepados e diversas as cenas de ação bem feitas: a câmera se movimenta, sem deixar todo o trabalho para a montagem; o sangue aparece sem parecer uma personagem à parte; a fotografia em tons pastéis é coerente; são boas as coreografias de luta (com uma ressalva que ainda será feita); e a mixagem de som é certeira na difícil missão de dividir os efeitos sonoros - ainda mais em se tratando de um road movie que exige muitos sons de carros e colisões. Como prevalecem cenários abertos, a construção dos espaços ocupados é singela, inclusive no principal espaço fechado (exceto os veículos), onde inicialmente aparece Xavier. Mangold é certeiro também nas cenas de surto do telepata, criando uma atmosfera incômoda até mesmo para o público.

"Logan" é o melhor filme da trilogia de Wolverine, o que, todavia, não significa muito. O roteiro é o melhor dos três, mas não possui nada de extraordinário que torne o filme inesquecível. Como sempre, parte de uma premissa maniqueísta, o que é marcante na franquia X-Men, até por se tratar de heróis. Embora Wolverine não seja o herói tradicional, ao menos no cinema, ele é representação clara do "lado do bem". O problema é que o polo antagonista é extremamente frágil. O vilão principal é Donald Pierce, interpretado de maneira adequada por Boyd Holbrook. Em síntese, é um vilão que não coloca medo em ninguém. Não é cruel, não é poderoso, não é amedrontador, é apenas o vilão. Persistente, mas em nada perigoso. Como Wolverine vai ter medo de alguém que admite ser seu fã? Claro que a fala é engraçada dentro do contexto, mas fragiliza ainda mais a personagem. Também habita o polo antagonista o dr. Zander Rice (Richard E. Grant, no máximo razoável), outro vilão insosso.

É acertada a escolha da solidariedade como temática condutora, inclusive porque a franquia sempre teve um viés social (e não seria diferente na década de vinte do século XXI, tempo em que a trama se passa). Trata-se de matéria que permeia o plot: Logan cuida de Xavier, os dois acabam ajudando desconhecidos na estrada e, claro, protegem Laura do vilão. No entanto, Laura é uma decepção. Ela deveria ser uma afilhada (conforme se depreende do roteiro) de Logan, aprendendo como usar suas habilidades de mutante. Contudo, é uma menina teimosa com perfil de adolescente que, pessoalmente, não é lá muito interessante (a história por trás da personagem é muito mais sugestiva). Sua passividade implosiva começa charmosa, porém, o silêncio é entediante. Talvez o grande problema seja que a menina não é boa atriz, o que fica perceptível quando as cenas exigem maior drama. Dafne Keen pode ser uma criança adorável, mas precisa caminhar muito para ser atriz - e alegar que seria exigir demais de uma infante é pura ignorância, basta ver Sunny Pawar em "Lion" para comprovar que idade não é sinônimo de talento. Duas incoerências também chamam a atenção negativamente. Laura pode ter os poderes de Wolverine, mas não tem a mesma experiência em técnicas de luta. Nesse caso, como ela pode ter uma coreografia tão boa? E mais: Logan assiste a um vídeo em um celular, filmado por Gabriela (Elizabeth Rodriguez). Se ela não tinha muito material, filmando imagens reais pelo próprio celular, como ela conseguiu editar tão bem o vídeo? Não, o plot twist no clímax da ação não compensa esses questionamentos (muito menos a inexpressividade da pequena).

Sem grandes equívocos e com uma trilha sonora mais presente que o normal (felizmente, de qualidade), a trilogia se encerra de maneira satisfatória. O roteiro não é primoroso, mas se mostra hermético e harmônico em si mesmo. Não é um desfecho grandioso, mas com certeza é satisfatório, com muita ação, bastante violência e um Wolverine nunca antes visto no cinema. E ainda alguma nostalgia, em especial quando Logan e Xavier mencionam a escola. Se era isso que o público queria, é isso que vai encontrar. Nada mais, nada menos.

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