terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Oscar 2017 -- Análise dos vencedores (ou: meu tratado sobre a edição desse ano)

Qual é o melhor filme?

Ao contrário do que se esperava, La La Land - Cantando Estações não fez história no Oscar 2017. Foi muito bem ao ganhar seis prêmios (diretor, atriz, fotografia, canção original, trilha sonora e design de produção), mas a expectativa era ainda maior. Considerando-se, pois, que o filme foi indicado em catorze categorias - incluindo a de melhor filme, que não ganhou -, igualando-se a "A Malvada" (1950) e "Titanic" (1997), únicos filmes que alcançaram esse feito, difícil não imaginar mais recordes sendo quebrados. Também o fato da metalinguagem em relação à arte poderia pesar em favor do musical, como aconteceu com o não tão distante "Birdman", em 2015.

Mas não, a Academia surpreendeu e preferiu Monlight: Sob a Luz do Luar, que levou a metade das estatuetas, incluindo a principal: foram três das principais categorias (melhor filme, ator coadjuvante e roteiro adaptado). Logo, plenamente possível afirmar que o filme de Barry Jenkins foi o grande vencedor da noite, vez que arrecadou duas das categorias mais relevantes (filme e roteiro adaptado).

O que é essencial sobre a disputa é ter em mente que o resultado não foi surpresa e também não foi absurdo, embora possa ser questionável. A afirmação pode parecer contraditória, mas não é. O desfecho não surpreendeu por várias razões, a primeira e mais óbvia é que apenas poderia ganhar quem estivesse indicado, ou seja, todos os nove títulos eram vencedores em potencial. E mais, todos os nove indicados são bons filmes e repletos de virtudes, cada um à sua maneira. A previsibilidade da categoria de melhor filme ocorreu durante a cerimônia, quando "Moonlight" levou a estatueta de melhor roteiro adaptado. Desde 2013 o melhor roteiro ganha também o prêmio de melhor filme: em 2016, "Spotlight - Segredos Revelados", melhor roteiro original e melhor filme; em 2015, "Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância)", idem; em 2014, "12 Anos de Escravidão" foi o escolhido como melhor roteiro adaptado e melhor filme; em 2013, "Argo" venceu também como melhor roteiro adaptado e melhor filme. A última vez que o roteiro não foi considerado o melhor filme pela Academia foi em 2012, quando "Os Descendentes" venceu como roteiro adaptado e "Meia-Noite em Paris" como roteiro original, mas "O Artista" ficou como melhor filme. Ironicamente, o vencedor da categoria principal era artisticamente metalinguístico, tal qual "La La Land" - ou seja, o raio não caiu duas vezes no mesmo lugar. Na lógica, se "La La Land" vencesse como melhor roteiro original (o que seria exagerado), provavelmente também seria o melhor filme. Em 2011, prevaleceu a lógica da "venda casada": "O Discurso do Rei" venceu como roteiro original e melhor filme, para a indignação de muitos. Então "La La Land" não venceu como melhor filme porque não tinha o melhor roteiro? Não é bem assim.

Existiu um fator extra em 2017, que foi a influência das críticas que a Academia recebeu em 2016 (a famosa campanha: "Oscar's so white"). Diferentemente do ano anterior, foram vários os negros indicados e também não foram poucos os negros vencedores (contra zero em 2016). Porém, uma ressalva merece ser feita: isso não significa, de forma alguma, questionar a justiça da premiação (tampouco defender que forçaram a vitória de concorrentes negros). Ao revés, os vencedores, no geral, mereceram suas estatuetas (as exceções ainda serão mencionadas). Dizer, por exemplo, que Mahershala Ali não merecia o prêmio de ator coadjuvante seria negar a realidade, qual seja, do seu ótimo trabalho no papel. Por outro lado, não se pode negar que os votantes tiveram a cautela de rever seus conceitos, afastando dogmas historicamente consolidados. Quando um filme independente cujo elenco é quase inteiramente negro e cuja história tem como protagonista um negro, pobre e gay ganharia o Oscar de melhor filme em detrimento de um musical muito bem feito que fala justamente sobre arte? Apenas em 2017 - melhor dizendo, a partir de 2017, caso prevaleça o novo paradigma -, quando tudo mudou. "Moonlight" não tem o perfil de filme que a Academia gosta, ao contrário de "La La Land", então seria um contrassenso apostar cegamente no longa que se consagrou. Como se vê, é uma questão de simples lógica. Assim como foi lógica quando o prêmio de roteiro foi destinado a Jenkins, apontando o virtual vencedor (que, de fato, se consagrou). Logo, não há nada de absurdo, até porque "Moonlight" é um excelente filme.

Isso significa que seria injusto se "La La Land" ganhasse? De forma alguma. É no mínimo lamentável a campanha que o musical veio recebendo, acusado de um hype (que, de fato, houve) como se fosse culpa da produção - que, por sua vez, fez nada além do ordinário marketing, afinal, eles queriam ganhar prêmios, nada mais natural. Em outras palavras, o filme de Chazelle foi alvo de um ódio e uma intolerância incompatível com quem defende que a indústria de Hollywood deveria ampliar seus horizontes e alargar sua visão de mundo. Se é revoltante que o Oscar seja tão branco, também é revoltante que a equipe de "La La Land" receba tantos ataques por um trabalho tão bem feito. Aliás, é incoerente criticar o white washing ao mesmo tempo em que se desdenha de um filme inocente como o de Chazelle, que celebra o amor e a arte. Indo mais a fundo, não é porque "Moonlight" venceu que ele é irrefutavelmente melhor que "La La Land", tampouco seria "La La Land" irrefutavelmente superior a "Moonlight" se vencesse como melhor filme. As duas propostas são distintas, a Academia optou por premiar a proposta cuja orientação político-ideológica é mais contundente.

Explica-se. Do ponto de vista técnico, os dois filmes têm falhas simplesmente porque não existe filme perfeito. Mesmo "La La Land", para o qual dei nota dez na minha crítica ("Moonlight" recebeu nove), pode sim ser alvo de críticas construtivas. Há quem entenda que os enquadramentos eventualmente fechados de Chazelle sejam incompatíveis com a linguagem dos musicais. Muitos sustentam a frivolidade do roteiro: uma análise exagerada e equivocada, pois a temática, referente ao embate potencial entre vida profissional e vida afetiva, não é frívola. O grande problema é que o longa tem um plot singelo, cuja grande vantagem é constituir um texto hermético, mas de menor importância no contexto atual. De fato, "Moonlight" é mais corajoso por abordar a vida de uma personagem cujo perfil é inegavelmente marginalizado. Nesse sentido, a visibilidade que o Oscar dá é capaz de transcender os muros da Academia e, quem sabe, fazer a diferença na vida de muitas pessoas. Isto é, premiar "Moonlight" significa reconhecer que um setor social marginalizado não pode continuar invisível, mensagem materializada por um filme muito bem produzido (ainda que, reitera-se, ontologicamente imperfeito). A bem da verdade, enquanto Chazelle fez um filme mais completo e tecnicamente exuberante, Jenkins foi responsável por um longa mais transcendental e latente. Analogamente, o mesmo aconteceu no ano passado: "Mad Max: Estrada da Fúria" era tecnicamente mais completo, estonteante em diversos quesitos visuais e sonoros, mas com um roteiro minimalista (não simplista); prevaleceu então o tecnicamente mais singelo "Spotlight: Segredos Revelados" em razão da sua mensagem mais direta e socialmente mais relevante. Como se vê, tudo se resume a uma opção político-ideológica.

Em síntese, portanto, o melhor filme nunca é inquestionavelmente o melhor de todos, mas sim um dos melhores da temporada, que acaba vencendo por critérios além da arte que permitem a diferenciação naquele nível de excelência. O método indutivo pode ser mais didático: entre "Um Corpo Que Cai" e "Psicose", qual o melhor? O bom senso responde que é impossível declarar de maneira irrefutável, pois o grau de excelência é de nível tal que a diferenciação, qualitativamente falando, parte de critérios além da arte. É onde entra a semiótica, que renderia por si só um longo texto. Tanto faz qual é melhor, ambos são ótimos e têm seu público.

E a gafe da entrega da estatueta de melhor filme?
Simplesmente imperdoável. Jordan Horowitz agiu com destreza diante da situação, e elegância sem igual. É o tipo de situação que não pode acontecer em uma cerimônia do calibre de Academy Awards, merecendo mais que um pedido de desculpas tanto para a equipe de "Moonlight", pela frustração, quanto para a equipe de "La La Land", pela humilhação - e a ambas pelo vexame. Ninguém é capaz de afirmar com convicção a sensação dos envolvidos: esperar um prêmio, não vencer, mas descobrir que houve um erro; esperar um prêmio, vencer, receber, agradecer, mas ter de entregá-lo a outros em razão de um erro. Foi um episódio histórico digno da mais alta censura, que infelizmente reduziu o brilho do grande vencedor da noite.

E os demais vencedores?


Como melhor diretor, venceu Damien Chazelle por "La La Land", com justiça e conforme esperado. Chazelle é um prodígio que ainda encantará muito na sétima arte. Consagrada como melhor atriz foi Emma Stone (por "La La Land"), prêmio questionável, mas previsível. Isabelle Huppert (de "Elle") recebeu elogios e uma torcida sem precedentes, mas é difícil que Hollywood premie alguém externo ao seu terreno. A categoria de melhor ator era de difícil previsão, vencendo Casey Affleck (por "Manchester à Beira-Mar"), que realmente fez um belo trabalho. A polêmica dos bastidores não prevaleceu - isso ou o lobby do seu irmão foi mais forte. Desta vez, a mensagem da Academia foi a de não julgar uma pessoa não condenada, ainda que a controvérsia envolva violência contra a mulher, o que é digno de escárnio. Affleck preferiu pagar as mulheres envolvidas em acordo judicial, cessando, em tese, a polêmica. Ou seja, nunca será possível saber o que realmente aconteceu. De todo modo, ao que parece, seu currículo não foi manchado. Denzel Washington, protagonista de "Um Limite Entre Nós", ficou "apenas" com o SAG. Qualquer um dos dois merecia o Oscar.

Menor controvérsia existia nas categorias de supporting. O melhor ator coadjuvante, sem surpresa, foi Mahershala Ali por "Moonlight", um ator que ainda tem mais para mostrar. Como melhor atriz coadjuvante, finalmente venceu Viola Davis por "Um Limite Entre Nós", o Oscar mais aplaudido - ao menos pelos fãs brasileiros - da noite. A torcida por Davis era imensurável e ela já merecia o prêmio há bastante tempo. Ela agora é a primeira pessoa negra a vencer a Tríplice Coroa da Atuação (Emmy, na televisão, Tony, no teatro, e agora o Oscar, no cinema). Se tem alguém que merecia uma estatueta naquela noite, esse alguém tinha o nome de Viola Davis. O Oscar enfim ganhou Viola Davis - a atriz proferiu o melhor discurso da noite, digno do seu talento, emocionando a todos.

O roteiro original ficou com "Manchester à Beira-Mar", enquanto o roteiro adaptado consagrou, como dito, "Moonlight". Outras categorias previsiíveis foram de animação ("Zootopia"), curta em animação ("Piper"), documentário em longa-metragem ("O.J.: Made in America"), longa em língua estrangeira ("O Apartamento"), canção original e trilha sonora (ambas com "La La Land") e fotografia (também "La La Land").

O melhor figurino ficou com "Animais Fantásticos e Onde Habitam", enquanto a maquiagem premiou "Esquadrão Suicida". Essas foram duas surpresas: no primeiro caso, o favorito era "La La Land" (como foi no começo da cerimônia, já se ouvia ecos de comemoração pela derrota do musical, algo, reitera-se, deplorável: é preciso ser uma pessoa infeliz para comemorar o insucesso alheio), com grandes chances para "Jackie". Os dois poderiam ganhar e teriam mais mérito que o vencedor. Quanto a "Esquadrão Suicida"... o único motivo para comemorar é o Oscar para a DC Comics, enquanto a Marvel não tem nenhum ainda (caso não tenha ficado claro, é uma piada). Todas as previsões apontavam para "Star Trek: Sem Fronteiras", que tinha uma elaboração mais verossímil e menos exagerada. Estranhamente, o design de produção foi mais um prêmio para "La La Land", o que causou espanto porque, em geral, é uma categoria destinada também ao vencedor como melhor figurino.

Mais surpresas no som: mixagem de som ficou com "Até o Último Homem", com justiça (e surpresa); e edição de som com "A Chegada", com muita justiça (e também com surpresa). Uma pena o desdém com "A Chegada", filme excelente que não foi recepcionado pela Academia como merecia. Os efeitos visuais tinham a torcida dos fãs de Star Wars, mas a Disney conseguiu por outro produto seu, mais da sua essência: "Mogli: o Menino Lobo". Inquestionável, o trabalho feito foi sensacional. Por fim, foi considerada como melhor montagem o filme "Até o Último Homem", que também tinha muita torcida, mas não teve uma noite tão inspirada.

Qual o saldo da noite?
Inegavelmente, bastante positivo. A controvérsia vai existir todo ano, isso faz parte de uma premiação do impacto dos Academy Awards, está, pois, dentro do script. Os cinéfilos se envolvem de uma maneira visceral, com torcidas pró e contra que, na verdade, em nada acrescentam em suas vidas - tampouco na vida dos envolvidos. Cinema é emoção, cinema é sentimento, cinema é paixão, e é isso que o Oscar representa em cada categoria e em cada indicado. Frise-se: representa em cada indicado, não em cada vencedor. Cinema não é futebol, em que apenas o vencedor costuma ser lembrado. Se assim fosse, Hitchcock não teria o renome que tem - sem mencionar Kubrick. "A Qualquer Custo" e "Lion: uma Jornada para Casa", por exemplo, saíram sem estatuetas, o que não apaga, todavia, o belo trabalho que foi feito nas duas obras, mesmo que de maneiras muito distintas. A valoração qualitativa é relativa, todos têm suas virtudes e todos agregam aos espectadores, cada um à sua maneira. Aliás, basta lembrar Leonardo DiCaprio, que já era um ator consagrado antes de receber seu Oscar. Em verdade, Oscar não é sinônimo de que o melhor vence. É sinônimo, quase sempre, de qualidade. Algo que o cinema esbanja. Um brinde ao cinema!

3 comentários:

  1. Meu filme favorito no ano passado sem hesitação é Esuqadrão Suicida, Meu personagem favorito é Harley Quinn. Quando vi o elenco de Esquadrão Suicida imaginei que seria um grande filme, li que o diretor é David Ayer, um dos mais talentosos de Hollywood. O filme superou as minhas expectativas, realmente o recomendo

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