sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

John Wick: Um Novo Dia Para Matar -- Nota promissória

Com um subtítulo ridículo (e nada original), ele está de volta. Porém... a matança inicial não tinha sido por razões pessoais? Não haveria uma incoerência, pois antes ele agia como profissional? JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR pode ter um argumento questionável referente a um possível abandono da aposentadoria do protagonista, porém, existem outras questões ainda mais dignas de uma análise rígida.

O argumento do segundo capítulo é continuação fiel ao primeiro. No episódio precedente, John Wick é um assassino profissional habilidoso que se aposenta e passa a ter uma vida comum. Sua esposa morre, ele fica de luto, mas continua aposentado. Porém, ele se vê obrigado a voltar à atividade que exercia para se vingar - ou seja, o motivo é pessoal. No segundo episódio, Wick é mais uma vez forçado a deixar a aposentadoria em razão de uma convocação para cumprir uma nota promissória (cuja obrigação, é claro, consiste em matar alguém). Resultado: mais matança.


Ou seja, o roteiro é mero pretexto para um infindável derramamento de sangue, prova disso é que o prólogo consiste numa perseguição, indicando que a ação é prioridade (em detrimento da narrativa). A franquia John Wick não prioriza o roteiro, pois o próprio protagonista é habilidoso e não inteligente. Comparando Wick com Brian Mills (da franquia "Busca Implacável"), por exemplo, o abismo é visível: enquanto este usa a inteligência como diferencial (em especial no primeiro filme, os outros são bem inferiores), aquele é um mero executor da ação. John Wick é forte, domina várias artes marciais, é ágil e sabe usar qualquer arma. Brian Mills é tudo isso também, todavia, diferencia-se por usar o cérebro como arma. Os absurdos são uma constante nos filmes de ação, é uma "chucknorrização" já presumida no gênero. "O Protetor" é  exemplo dessa máxima, em que o protagonista vence um número imenso de capangas do vilão, saindo quase sem ferimentos. No caso de John Wick, ele deve ter um esqueleto de adamantium (homenagem a "Logan", que estreia em breve): cai rolando um lance de escadas, mas continua lutando; é atropelado após ser lançado para fora de um carro, e ainda assim bate muito mais que apanha. Nesse sentido, é retirada consideravelmente a humanidade do protagonista, o que prejudica a sua personalidade. Tudo de real que ele tinha se esvai com um texto mais frio e toneladas de tiros e golpes. Enfim, são sequências cuja presença é certa nos filmes de ação, razão pela qual seria inócuo censurá-los por esse motivo - a lógica é: "se você não liga, assista; se isso te incomoda, passe longe". Também arraigada está a péssima mira dos antagonistas - isso sim é incômodo. Como assassinos profissionais (exceto o herói) podem ser tão ruins de mira? Inúmeras balas são desperdiçadas para tornar o surreal ainda mais surreal.

Comparando com o próprio universo (e não com assemelhados), a transição é irretocável: "Um novo dia para matar" é a continuação perfeita de "De Volta ao Jogo", com um senso exemplar de continuidade. A casa do herói é a mesma, o cachorro é o mesmo (se não é, parece) e boa parte do elenco é o mesmo - inclusive coadjuvantes de menor importância, como o policial Jimmy em uma cena déjà vu. O Continental, as moedas de ouro: está tudo de volta. Acertadamente, o roteiro elaborado por Derek Kolstad (o mesmo do primeiro filme) amplia o universo diegético ao qual Wick pertence, dando amplitude àquele submundo. O Continental existe também em outras partes do mundo, existem dívidas de honra que precisam ser cumpridas (as notas promissórias) e existe ainda uma hierarquia entre as máfias. No primeiro, o antagonismo pertence à russa, nesse, à Camorra (máfia napolitana). O próximo provavelmente reunirá todas elas (Tríade Chinesa, Yakuza etc.) - é óbvio que haverá mais um capítulo. Ironicamente, o fundo do plot é bastante real, pois a Camorra existe.

Verticalizando na questão do script, não se pode negar que o roteiro do primeiro filme (como de costume) é bem superior. E são vários os motivos. O primeiro e mais lógico reside na originalidade, no sentido que um capítulo inicial está sempre um passo à frente, por começar algo novo. Nesse caso específico, a continuação perde o viés pessoal (vingança) e incrementa a ação, o que, em termos cinematográficos, é uma queda de qualidade, pois a ação não mostra nada novo, nada que não tenha sido visto antes. A direção continua sendo de Chad Stahelski (agora, sem a parceria com David Leitch), que é competente dentro da proposta de ação desenfreada, mas em nada inovador. No máximo, melhora a fotografia, até porque a Itália rende cenários belíssimos. Por outro lado, o investimento em planos noturnos sugere má qualidade das cenas, o que não parece, todavia, ser o caso. Cabe elogiar a manutenção da coreografia de luta: assim como em "De Volta ao Jogo", John Wick usa uma técnica de fora para dentro, primeiro imobilizando o oponente próximo, depois atirando e matando o oponente distante e apenas depois matando o oponente próximo (que estava imobilizado).

Em termos de expectativa, o longa não tem medo de frustrar o público. A começar pelo elenco fajuto: é notório que Keanu Reeves não é muito talentoso (sua atuação costuma ser satisfatória, apenas), porém, a companhia de Laurence Fishburne poderia dar uma nostalgia empolgante, o que não ocorre porque, mais uma vez, Fishburne é subaproveitado em um papel insignificante; Ruby Rose atua em um papel enigmático que, no final, é inútil e gasta tempo na película para não fazer nada; Common faz um vilão genérico desperdiçando o que ele talvez tenha para mostrar em algum filme que lhe oportunize; e Riccardo Scamarcio atua em overacting. Assim, de nada adianta o eventualmente rico e criativo design de produção (em especial na festa da italiana, apostando em um gótico medieval belíssimo, e também no clímax, usando espelhos e visual psicodélico bastante charmoso) se o melhor ator do filme é o cachorro. Para completar, a legenda investe na cafonice: quando falam idiomas variados (inclusive libras!), ela sobe, o texto fica grande e destacado. Por quê? É um mistério.

Como filme pipoca, JOHN WICK: UM NOVO DIA PARA MATAR consegue deixar o espectador sedento por ação bastante satisfeito. Em termos cinematográficos, é inferior ao primeiro. Contudo, o terceiro capítulo promete algo melhor. Seria mais uma nota promissória assinada por John Wick?

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