sexta-feira, 7 de julho de 2017

Homem-Aranha: De Volta ao Lar -- Chega de bandido pra prender (CRÍTICA SEM SPOILERS!)

É visível a migração do subgênero "filme de herói" para gêneros diferentes da ação pura. "Logan" mostrou que o drama é um caminho. "Deadpool" investiu na comédia. Agora, colocaram mais um super-herói em uma comédia de ação, o que resultará em mais um sucesso de público e possivelmente de crítica - o que não necessariamente significa qualidade e, principalmente, não afasta a grande crítica que o subgênero sofre: o ocaso de criatividade infla a indústria de remakes, reboots e filmes de super-heróis, quando não une tais ideias, como é o caso de HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR.

Para quem aprecia cinema, fazer o sexto filme solo do mesmo super-herói em seu segundo reboot é artisticamente lamentável. A sétima arte sempre envolveu inovação, criatividade, ousadia, jamais repetição. É verdade que não se trata de repetição pura e simples, até porque o filme é um reboot e não um remake. Agora, Peter é mais jovem, tem aparência de adolescente; o tio Ben já está morto; a tia May é bem mais nova; ele já tem domínio de seus poderes - e assim por diante. Ainda assim, são 6 filmes solo e 3 atores em 15 anos, um absurdo em termos de cinema. Não matematicamente, pois a média não é tão alta - é semelhante à de James Bond, por exemplo, que recebeu 24 filmes (oficiais) em 55 anos, com 7 atores. O problema é que quase não há intervalo para o novo reboot: encerrada a trilogia de Sam Raimi em 2007, iniciou-se a saga Espetacular logo em 2012; encerrada esta em 2014 - de maneira precoce, pois o plano era ir mais longe -, já em 2017 surge essa nova versão. São muitos recomeços em pouco tempo! Note-se que o problema não é apenas mudar o ator, mas todo o encaminhamento dado à personagem, dado que aquela investigação que Peter fez, sobre seu passado, quando era encarnado por Andrew Garfield, não adiantou coisa alguma. Portanto, enxergando cinema como arte, era melhor não fazer um novo filme solo, caso a opção fosse realmente recomeçar. Claro, como produto, sempre haverá demanda por mais Spiderman na telona, até porque é um dos super-heróis mais populares.

É justamente a razão pela qual ele é popular que o terceiro reboot soube aproveitar melhor que os outros: Peter Parker é um super-herói, mas também precisa lidar com problemas de qualquer outro jovem da sua idade. O embate humanidade versus heroísmo sempre esteve presente, mas nunca de uma maneira tão pujante naquele viés realista. Peter não é mais um jovem deprimido, não é um esquisitão que dança sozinho e sem música nas ruas, nem um skatista descolado e namorador. É um adolescente qualquer, absolutamente ordinário. Porém, é também um super-herói, razão pela qual, enquanto seus colegas têm uma vida normal, ele não pode desfrutar da mesma condição: enquanto eles vão se divertir na piscina ou ficam em uma festa, ele luta contra o crime. Embora veja isso com pesar em alguns momentos, sempre prepondera o seu senso de heroísmo, do qual decorre o prazer de ser super-herói. É por isso que, quando Peter coloca o traje de Spiderman, parece chegar ao momento mais esperado do seu dia e fala "finalmente" para si mesmo. Não por outra razão, fica ansioso para a próxima missão, caso Tony Stark/Homem de Ferro o chame. Apesar de todo esse ímpeto, a inexperiência fica patente: é um herói ainda desastrado, ainda que empenhado. Há uma longa sequência de perseguição em que o Homem-Aranha encontra problemas de locomoção - já que não corre rápido, não voa nem tem veículo que o conduza -, quebrando muito do que encontra pelo caminho. Para compensar, surge Karen (Jennifer Connelly, irreconhecível pela voz modificada por computador, mas competente pela entonação intencionalmente mecânica), que funciona ora como rica fonte de piadas, ora como deus ex machina nos momentos de ação - ou seja, um recurso de roteiro bastante questionável, pois é fácil de inserir e solucionar problemas que o próprio roteiro cria.

As personagens coadjuvantes não são muito bem desenvolvidas, quando são. Tia May divide-se entre a piada reiterada da tia atraente que todos conhecem e única figura maternal que o protagonista conhece, um desperdício do talento de Marisa Tomei. Liz é um interesse amoroso sem nada particular que permitisse a Laura Harrier fazer algo no papel. Ned é o amigo tonto, o que Jacob Batalon vive bem; Flash é o bullie obrigatório em qualquer colégio, também interpretado com qualidade por Tony Revolori. Um elenco bem escalado, mas com personagens unidimensionais e arquetípicas. Tony Stark (Robert Downey Jr.), Pepper (Gwyneth Paltrow) e Happy (Jon Favreau) aparecem pouco e já são bem conhecidos no MCU. Exceções são o protagonista e o antagonista (afinal, o longa é bastante maniqueísta): Tom Holland é um ator que ainda está fazendo a sua carreira, aproveitando com êxito a chance nesse grande blockbuster, pois é um ótimo Peter/Spiderman; Michael Keaton já é reconhecido como ator, pegando sua experiência para fazer de Abutre um vilão cruel, mas repleto de camadas. Aqui, um acerto: trata-se de um vilão consistente, com motivação e muito bem interpretado, já que não é mau por ser mau, ele tem suas motivações, tem seu histórico e é como é em razão de várias circunstâncias. O elenco conta ainda com a famosa desconhecida Zendaya como Michelle, papel mais inútil que o árbitro atrás do gol no futebol. É apenas a garota esquisita que, por exemplo, frequenta a detenção sem precisar.

Nesse sentido, com o pretexto de fazer piadas, o roteiro é inflado de maneira desnecessária, repleto de informações inúteis que, no máximo, tiram mais risadas da plateia (em especial a infantil), sem agregar à trama. É uma comédia de ação, é esse o viés, mas seria melhor se feita apenas com piadas que acrescentassem à narrativa. Sem contar que as piadas são extremamente pueris e que o roteiro, salvo por uma louvável surpresa, é bastante simplório enquanto narrativa, parecendo ter sido elaborado por um adolescente de quatorze anos. Primeiro, pela ingenuidade das piadas: em que pese algumas serem genuinamente engraçadas, a maioria arranca aquele "sorriso de canto de boca", não por sagacidade do humor, mas porque o público-alvo é inegavelmente o infantil. E também não é uma estrutura bem montada, tampouco um conteúdo inteligente. Não é mal feito, é pobre e não é sequer original. Como dar crédito a um produto assim? Jon Watts é um diretor ainda inexperiente, seu único trunfo foi uma simulação de filmagem caseira no primeiro ato - além de referências aos anteriores, como quando o Homem-Aranha segura um navio após lutar contra o Abutre, como havia feito após lutar contra o dr. Octopus em um filme anterior, ou como quando segura sua amada enquanto um elevador cai.

Conforme já foi dito, como produto, o filme consegue ser satisfatório: tem bastante comédia (nem sempre exitosa), boas doses de ação (nem sempre bem filmada) e uma ótima dupla principal. Diverte, portanto. É uma verdadeira diversão blockbuster escapista, descompromissada e familiar, vez que adequada para qualquer idade. Em tempos hodiernos, contudo, não é necessário esse tipo de filme de herói. Parafraseando Jorge Vercilo, "hoje o herói aguenta o peso das compras do mês", ou fica "acordado a noite inteira pra ninar bebê". O Peter Parker da Marvel chegou perto, mas sua proposta não se adéqua a esse tipo de carência. "Chega de bandido pra prender", ao menos para o Homem-Aranha sozinho.

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* A primeira cena pós-créditos é de pouca relevância, apenas um adiantamento do futuro.
** A segunda cena pós-créditos é muito inútil e muito engraçada, em igual proporção.

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