segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Em Busca de Fellini -- Fellinesco

O que é real? O que é fruto da imaginação? Sem conseguir distinguir o imaginário do real (ou, mais precisamente, vendo muita realidade no imaginário), o imortal cineasta Federico Fellini certa vez afirmou que "realismo não é uma boa palavra". É assim que ele entendia e foi assim que ele fez seus filmes, várias obras-primas veneradas ainda hoje. EM BUSCA DE FELLINI é uma admirável homenagem a 'Il Maestro', que segue a lógica fellinesca, embora não alcance o brilhantismo do italiano. O que seria um feito histórico.

A protagonista do longa é a jovem Lucy, vivida pela bela e quase insossa Ksenia Solo, muito convincente para o papel de uma moça tímida, ingênua, inexperiente, que é assim em razão da maneira pela qual sua mãe a criou. A mãe, interpretada por uma satisfatória Maria Bello, é uma genitora excessivamente protetora, que não quer que a filha conheça sentimentos negativos como tristeza, decepção, perda e morte, razão pela qual animais de estimação, por exemplo, não morrem, mas viajam repentinamente para locais distantes, sem intenção de retorno, deixando apenas um cartão postal avisando - o mesmo ocorre com os parentes humanos. Na adolescência, enquanto os colegas descobrem a sexualidade, Lucy descobre sentimentos, de modo que, aos vinte anos, ainda é bem inocente para a idade. Tudo muda quando ela descobre a filmografia de Fellini e consegue uma oportunidade de conhecê-lo na Itália. O que era para ser "apenas" uma viagem para conversar com Il Maestro acaba sendo uma jornada de autodescoberta por cenários belíssimos e imensurável aprendizado de uma maneira bastante fellinesca.

Mas, afinal, o que significa o adjetivo "fellinesco"? O cineasta era dos grandes, como Hitchcock e Kubrick, logo, fazia um cinema autoral: partia de um contexto comum para, repentinamente, fugir para o extraordinário, quase surreal, talvez imaginário, sem alcançar o fantástico. A filmografia de Fellini combinava ambientes oníricos e remanescentes da memória com experiências pessoais e doses de luxúria, dando sempre uma visão ácida da sociedade e do ser humano e colocando as personagens em situações esquisitas. O que há de marcante, enfim, são os desdobramentos extraordinários dentro da narrativa ordinária. Isso está em várias obras do Ilusionista e está também na película "Em Busca de Fellini", que almeja homenageá-lo - desse ponto de vista, atinge bem o objetivo.

São várias as referências no longa, inclusive literárias - Shakespeare, quando Lucy "visita" Julieta e quando é recitado em seu ouvido um trecho de "Macbeth". Evidentemente, os filmes de Fellini são as principais referências, em especial: "La Strada" ("A Estrada da Vida"), "La Dolce Vita" ("A Doce Vida"), "8 1/2" ("Oito e meio") e "Satyricon" ("Fellini - Satyricon"). Chegam a aparecer imagens reais das fitas, com razão de aspecto diminuída. É fascinante a forma como o diretor Taron Lexton reverencia a obra d'Il Maestro e seu legado, sem olvidar a magia italiana quando a protagonista de seu próprio filme chega ao local. Afinal, Lucy está em um filme autônomo, desembarcando na Itália pela primeira vez. Assim, quando chega em Verona, fica maravilhada, filmada em um quase spinning shot ao som de "O Sole Mio".

Inegavelmente, considerando que o objetivo não é fazer marketing da Itália, a exibição periférica do que o país oferece a um turista é charmosa. A cena em que Lucy vai a uma confeitaria provar um doce tem seu encanto, inclusive graças à mise en scène. O plot também é sagaz ao aproveitar bem o que cada cidade italiana oferece geograficamente para combinar com o desenvolvimento narrativo: << SPOILER ALERT: em Verona, cidade de Romeu e Julieta, Lucy encontra um terno romance, que encanta o público, que fica assustado na cidade seguinte, Veneza, onde suas ruelas labirínticas servem perfeitamente para um suspense FIM DO SPOILER >>. A valorização das músicas italianas na trilha sonora merece menção (trilha, por sinal, muito boa).

Trata-se do segundo longa-metragem em que Lexton atua como diretor (o primeiro foi o documentário "The Way to Happiness"). Antes, ele trabalhava como diretor de fotografia: é notório o esmero maior com a fotografia, todavia, com algum exagero. Na casa de Lucy, é usado filtro amarelo, na cidade (Ohio), filtro azul, porém, o uso constante de filtro torna as imagens demasiadamente artificiais, inclusive em planos que seriam bonitos per si, sem essa demanda. Por outro lado, em especial nos cenários fechados, há muito uso de contraluz, tirando a nitidez da imagem, propositalmente, dando mais foco ao que está mais próximo da câmera.

O enredo em si não sai muito da homenagem, não permite extrair um conteúdo denso. É nisso que "Em Busca de Fellini" fica aquém do cineasta. A homenagem, porém, é bela. Certamente agradará o espectador que gosta da filmografia d'Il Maestro.

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