sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Jumanji: Bem-vindo à Selva -- Honra o primeiro

O primeiro grande acerto de JUMANJI: BEM-VINDO À SELVA foi respeitar o legado da obra original sem olvidar a necessidade de ser criativo. Isso porque, na indústria cinematográfica, na qual a regra é copiar sem criar, as incontáveis derivações (remakes, reboots, prequels, sequels e spin-offs) são, no geral, dignas da mais alta censura. Não são expressões artísticas, não são homenagens, não são manifestações nostálgicas, mas sim uma forma de explorar ao máximo um produto que fez algum sucesso, lucrando às custas de um consumidor tão voraz que se torna quase cego. Algumas derivações são mais reprováveis que outras - basta comparar "Velozes e Furiosos 8643" com "Animais Fantásticos e Onde Habitam" ou "Transformers: A Era do Não Aguento Mais e Me Recurso a Assistir" com "Missão Impossível 6". "Jumanji 2" é exceção à regra: embora não esteja à altura do primeiro (já que não é "fato novo"), acerta em cheio no que se propõe.


E no que ele se propõe? De início, o primeiro filme possibilita um universo expandido, com uma continuação anos depois. Foi o que fizeram, o que fica claro no prólogo - e, para não deixar dúvidas, há uma referência expressa a Alan Parrish, personagem do eterno Robin Williams no longa de 1995. Fazer desse uma continuação longínqua do primeiro foi uma opção inteligente, primeiro porque mantém uma distância segura, do ponto de vista do respeito à película clássica (inclusive em razão do falecimento precoce de Williams), e segundo justamente porque a diegese de Jumanji permite esse compartilhamento. Isto é, se Jumanji é um jogo, outro grupo de pessoas pode jogar. Tem-se aí um novo enredo, com novas personagens.

É aí que entra a necessidade de atualização, outro acerto dessa versão. É por isso que a forma de jogar não é mais por tabuleiro, mas por videogame. Claramente, em seu viés de ação cômica, o filme vai muito bem, porque é isso que ele quer ser, o que se coaduna, inclusive, com a atualização. A vibe cinematográfica é essa, basta ver os filmes de heróis. Um filme lucrativo precisa ter muita ação, comédia realmente engraçada e, preferencialmente, pitadas de romance. O humor é ótimo, ainda que eventualmente dispensável, já que algumas cenas cômicas não acrescentam nada à narrativa (como a que o dr. Shelly Oberon urina pela primeira vez). A ação também se desenvolve de maneira razoável, sem nada extraordinário e com muitos exageros que já estão inscritos no pacote, previamente. Tendo ação e comédia, ninguém melhor que Dwayne Johnson e seu carisma gigantesco para o protagonismo. Jack Black tem as melhores cenas cômicas,  enquanto Kevin Hart tem pouca relevância.

Há muita perseguição, sequências de corrida, lutas e tiros, a maioria é bem dirigida por Jake Kasdan. É notória a preferência do diretor pela comédia, seu trabalho de maior destaque até hoje tinha sido "Sex Tape - Perdido na Nuvem" (aliás, nota-se uma predileção por comédias ruins com Cameron Diaz, pois tinha dirigido também "Professora Sem Classe"). Nesse sentido, "Jumanji 2" é um salto gigantesco de qualidade, não apenas porque o humor é mais requintado, mas porque existem boas cenas de ação, o que inclui um surpreendentemente correto uso da tecnologia 3D (ativo e passivo). Contudo, o CGI para criar os animais é deveras artificial. Por outro lado, partindo da premissa que quase todo o filme se passa dentro de um jogo, isso pode fazer algum sentido, principalmente porque o próprio filme jamais esquece que as personagens estão dentro de um jogo, tamanha a fidelidade em relação a essa premissa. É por isso que aparecem personagens irrelevantes repetindo várias vezes a mesma fala, dando dicas relativas à missão concernente à fase a ser enfrentada (exatamente como um jogo), também é por isso que, durante as missões, tocam músicas tensas, típicas dos games. Por sinal, na trilha sonora, destaca-se apenas a excelente "Baby I Love Your Way", da banda de reggae Big Mountain: a canção foi escrita originalmente por Peter Frampton, um rockeiro que surgiu nos anos 1970, porém, nos anos 1990, a banda de reggae surgiu e, em 1994 (um anos antes do primeiro "Jumanji"), lançou seu álbum "The Best Of", com essa bela versão alternativa. O que é importante é que a música combina perfeitamente com os momentos em que é utilizada no longa.

Também merece ser ressaltada a maneira pela qual o filme consegue situar o espectador nos locais e nas épocas corretas. Por exemplo, no prólogo, aparece um adolescente de cabelo comprido e regata preta com a estampa da banda Metallica, ganhando o tabuleiro de Jumanji, dizendo para si mesmo "quem ainda joga jogo de tabuleiro?". Abandonando-o, o adolescente volta para seu Playstation 1 - visivelmente um videogame desatualizado quando comparado aos tecnológicos que existem hoje. Com uma elipse, aparece outro adolescente, interessado em videogames atuais. Nesse sentido, o design de produção é feito com bastante esmero, apesar da caracterização desnecessariamente bizarra do vilão Van Pelt, interpretado por um fraco Bobby CannavaleNote-se que, embora uma personagem assuma o papel de vilão, o antagonista é o jogo, que precisa ser vencido pelo quarteto adolescente que serve de argumento para o longa.

O argumento, por sinal, acaba sendo uma das falhas do projeto. A sinopse do filme seria algo como o que segue: um nerd, um atleta, uma patricinha e uma antissocial são colocados na detenção, com a missão de autoconhecimento, para descobrirem quem são e quem querem ser. Embora muito diferentes, acabam formando um laço que jamais imaginariam. Ora, o argumento é uma cópia do clássico "Clube dos Cinco"! A diferença é que tiraram o quinto aluno, o estereótipo do jovem delinquente, provavelmente para tornar o filme mais leve. No resto, a estrutura do plot é idêntica, adicionando a aventura de Jumanji (inclusive na parte do autoconhecimento). O problema é que, retirando os diálogos e adicionando a aventura da selva, o roteiro tornou-se muito mais raso - afinal, "Clube dos Cinco" não se tornou um clássico à toa.

Existem, porém, duas exceções. A primeira é a crítica feroz ao vício causado pelo celular em alguns jovens, presente em várias passagens em que Bethany reclama do sofrimento causado pela ausência do objeto (ou da ausência do sinal de celular). Também é mencionada a futilidade do uso dado ao celular, como quando a adolescente reclama que postou uma foto há duas horas e que alguém ainda não tinha comentado, nem curtido. Quanto a isso, o filme é certeiro. A outra exceção é uma pseudo-crítica à objetificação da mulher, consistente na personagem vivida por Karen Gillan, que logo no início reclama do figurino usado. Reclama, mas não muda. Em outro momento, a personagem é usada para seduzir, o que também é questionável. A matéria não é simples e teria sido melhor não abordar dessa forma.

Quando o filme tenta ser sério, no geral, ele falha miseravelmente (como na patética tentativa de drama por parte do péssimo Nick Jonas, que deveria abandonar a atuação e dedicar-se apenas à música). Porém, dentro da proposta descontraída e de blockbuster descompromissado, diverte bastante e, principalmente, honra o primeiro "Jumanji".

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