sábado, 9 de dezembro de 2017

Assassinato no Expresso do Oriente -- Quase fica um saldo positivo

A primeira observação a ser feita sobre ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE é que é um filme que não tem razão de existir, reflexo do ocaso criativo hollywoodiano. Estrelas reunidas por um grande estúdio (Fox) para um remake cujo original cinematográfico já atingiu o potencial máximo da obra. O longa de 1976, versão britânica, contava com Ingrid Bergman, que ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel de Greta Ohlsson (ausente na película de 2017), Albert Finney como o protagonista Hercule Poirot (indicado ao Oscar de Melhor Ator) e Anthony Perkins (o eterno e icônico Norman Bates) como Mr. McQueen - único papel relevante que se repete (na versão contemporânea, optaram por um ator que, esteticamente, é seu oposto: Josh Gad, o LeFou do último "A Bela e a Fera"). Sidney Lumet dirigiu o filme de 1976, que foi indicado ao Oscar (além das categorias já mencionadas) de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora em Drama. Dificilmente uma nova versão superaria a antiga, melhor seria partir para novos projetos.

As duas produções foram baseadas no clássico livro de Agatha Christie, que conta a história de um grupo de estranhos, preso em um trem, onde ocorre um assassinato em razão do qual todos são suspeitos. Apenas o famoso detetive Hercule Poirot, também presente no trem, é capaz de solucionar o quebra-cabeça, descobrindo quem cometeu o homicídio, antes que mais alguém seja vítima.

O elenco é estelar: Michelle Pfeiffer (bem, mas longe de seu auge), Johnny Depp (discreto), Penélope Cruz (o auge foi enterrado anos atrás), Willem Dafoe (entre altos e baixos, aqui, está mediano), Judi Dench (discreta), Derek Jacobi (no mesmo papel que interpreta sempre), Tom Bateman (convincente) e Daisy Ridley (sem dúvida, a mais fraca do cast, ao menos dos nomes conhecidos).

O grande nome, porém, é Kenneth Branagh: se dependesse de Branagh, o longa seria grandioso, contudo, havia um problema de concepção que nem mesmo ele podia solucionar (a falta de originalidade). Ele é ator, diretor e roteirista irlandês, tornando-se célebre pela especialização em Shakespeare. A escola britânica de atuação é, provavelmente, a melhor do mundo, foi lá que Branagh aprendeu muito do que sabe e ainda leva um viés shakespeareano em seus papéis. Hercule Poirot é uma personagem riquíssima criada por Agatha Christie, um papel desafiador por consistir em uma marca na literatura. Branagh consegue criar uma persona autônoma em Poirot, nada sublime, mas digno de elogios.

O detetive está sempre um passo à frente de todos os demais, desde os detalhes que compõem seus atos, como no prólogo, até nas suas falas, como ao se referir a "amenidades antes de uma negociação" com Ratchett. Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que é perfeccionista e obsessivo (como com as medidas dos ovos), se diverte e ri lendo Dickens, bem como manifesta algumas superstições ("número três dá azar"). Isso é reflexo da sua mente maniqueísta, insistente na frase "há o certo e há o errado", o que aquilata o sentido do desfecho. Por outro lado, a ausência de feedback quanto ao seu passado emocional, relatado apenas em lances superficiais e quase aleatórios, torna-se raso e muito insatisfatório. Enfim, ele é um homem de valores, o que fica claro quando ele se motiva para investigar o caso. Poirot é um excelente protagonista, ofuscando naturalmente o desinteressante grupo de coadjuvantes, que só causa algum mínimo interesse enquanto pista para o caso.

Branagh é também um diretor muito eficiente, ainda que não seja brilhante. O CGI utilizado, por exemplo, embora pareça bem feito, na verdade, é rasteiro, pois criar neve à noite não é o trabalho mais difícil em termos de computação gráfica. Ainda assim, existem momentos visualmente belos, como a linda fotografia em Istambul, além de um estonteante figurino e um cenário avassalador (são os aspectos que mais chamam a atenção). Também os movimentos de câmera são, em geral, bem executados, com destaque para a cena em que a câmera fica por cima das personagens, em um corredor apertado, dando uma visão mais global. O básico também é feito, como flashbacks em preto e branco. A solução final é como quis a autora da obra na qual o filme se baseou, porém, a cena do crime é muito mal filmada e soa artificial, inclusive em razão da má atuação dos artistas envolvidos. Isso não condiz com o material-base, já que o livro de Christie é muitíssimo bem elaborado, não sendo necessário lê-lo para concluir dessa forma: atemporal, o mistério que envolve a trama é adequadamente amarrado e convincente, com uma narrativa que recebe plot points que enganam o espectador (parece que vai ter um desfecho, mas novos factos criam um recomeço).

"Assassinato no Expresso do Oriente" não se justifica enquanto obra cinematográfica, não agrega no currículo do elenco e pouco diverte. Mas não é mal produzido. Com um cinema nivelado por baixo, quase fica um saldo positivo.

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