domingo, 31 de dezembro de 2017

Bright -- Will Smith x filme ruim

Unindo os gêneros ação e comédia com a temática policial, surgiu, na década de 1980, o subgênero buddy cop film, cujo precursor foi "Máquina Mortífera". Desde então, poucas versões conseguiram o mesmo sucesso, ainda que com grandes nomes - por exemplo, "Showtime", que tinha Eddie Murphy e Robert De Niro. Ainda hoje surgem tentativas nessa área, como "Dois Caras Legais" e "Zootopia" (que, de certa forma, também se enquadra no subgênero). Will Smith esteve presente em um buddy cop film de razoável sucesso comercial, que virou franquia: "Bad Boys". Agora, ele estrela BRIGHT, nova atração da Netflix, empresa que pagou o alto preço de US$ 90 milhões ("Star Wars: O Despertar da Força", por exemplo, teve orçamento de US$ 200 milhões).

A má notícia é que a Netflix pagou caro por um filme ruim, talvez um dos piores de 2017. Na esteira dos buddy cop films, dois policiais de personalidade diferentes precisam trabalhar juntos por um bem maior, o sucesso da missão. É assim em todos os filmes do subgênero, esse não é exceção. Aqui, um é humano e o outro é orc, a missão é evitar que uma varinha mágica seja pega por uma pessoa mal intencionada ou mesmo por sua dona, uma elfa maligna que pretende ressuscitar o Senhor das Trevas. Ou seja, o filme mistura ação, comédia e fantasia: é fraco na ação, pavoroso na comédia (exceto quando o humor não é intencional, hipótese "vergonha alheia") e fajuto na fantasia.

O longa é fraco na ação, embora os momentos de adrenalina sejam os menos ruins: não se sabe exatamente o que acontece, nem precisamente as razões, mas se sabe quem são os mocinhos e para quem se deve torcer. Depois do fracasso retumbante de "Esquadrão Suicida", o diretor David Ayer deve achar que está sendo perseguido pelos críticos... porém, os projetos que ele tem aceito são horríveis - ainda que, talvez, comercialmente favoráveis para ele. Na comédia, não é culpa dele que as piadas sejam ruins (o que não é raro quando se mistura ação e comédia). Na fantasia, o grande erro é o excesso de CGI, um verdadeiro festival que mais parece o Gandalf alegrando os hobbits no Condado (só que durante muitos minutos, ao invés de alguns segundos). E, claro, um CGI de má qualidade.

Há quem elogie desmedidamente o trabalho de maquiagem e penteado, porém, é necessário fazer uma ressalva. A caracterização de Édgar Ramírez, por exemplo, ficou ridícula, mais parecendo um cover do saudoso David Bowie (versão platinada) do que a imagem comumente associada aos elfos (basta comparar ao que foi feito em "O Senhor dos Anéis"). Já com Noomi Rapace, que também interpretou uma elfa, não houve esse vexame. Joel Edgerton certamente é quem mais chama a atenção como o orc Nick, com uma (provável) maquiagem reforçada por CGI bem feita e convincente, tornando-o quase irreconhecível. Porém, quem realmente foi transformado pela equipe foi Enrique Murciano, abandonando a imagem de "mauricinho" para aparecer como um convincente líder de uma gangue local. Murciano equilibra a balança em relação a Ramírez, logo, de fato, o saldo, nesse quesito, é positivo (o que não exclui a ressalva).

Mas isso de nada adianta, já que o roteiro de "Bright" é terrível. É tão ruim que é difícil escolher por onde começar a apontar os defeitos. A subtrama da família de Daryl é esquecida: o policial humano não está satisfeito com a casa onde mora, com a profissão, nem com o parceiro, mas se aposenta logo; a esposa e a filha estão preocupadas com os riscos que ele corre... mas tudo isso fica apenas no primeiro ato. Responsável pelo bom "Poder Sem Limites", pelo frágil "Victor Frankenstein" e pelo torturante "American Ultra", o roteirista Max Landis parece ter nesse o seu primeiro roteiro, diante de tantos furos e tamanha superficialidade. Por exemplo, a irritante elfa Tikka (interpretada por Lucy Fry, que aparentemente só sabe atuar em dois polos, quais sejam, inexpressividade e overacting) varia entre uma garotinha assustada e uma raivosa guerreira pronta para a luta. Como se não bastasse, aos poucos ela revela que não fala apenas a língua dos elfos, mas também entende inglês, aliás, não apenas entende como também fala. O fato é tão patético no texto que um dos policiais ironiza, ao que ela responde que precisava confiar neles. Ora, ela confia o suficiente para que eles a protejam e protejam a varinha, mas não confia o suficiente para se comunicar? Mesmo quando era útil e até necessário? Isso tudo sem mencionar as incoerências e conveniências, típicas de um roteiro mal elaborado, como os policiais federais que só aparecem quando é conveniente para a narrativa ou os elfos poderosos que não conseguem vencer uma luta contra policiais (um humano, inclusive) exaustos.

Em se tratando de um longa com viés cômico, o policial orc tenta dar humor, mas acaba sendo sempre um teste sem paciência. O humor que existe é oriundo das falas acidentalmente risíveis, o que não é positivo. Como não rir de: "a traidora escapou. Está com a varinha"? Sabendo do contexto, pode até fazer sentido (e, agora, com esses leves spoilers que dão algum sentido mínimo à trama, é possível compreender um pouco), todavia, sem saber nada da película, o espectador é feito de palhaço. Que traidora? Por que ela traiu? Não que as explicações sejam satisfatórias, ao revés, tudo é tão mal feito que, quando o filme explica algo, o faz mais de uma vez, mas sempre en passant. Na mitologia criada pelo longa, em que orcs, fadas, elfos e humanos convivem, há dois mil anos, orcs e humanos eram inimigos, de modo que orcs seriam maus por natureza. Por que? Porque sim. Essa é, inclusive, a resposta a muitos questionamentos dentro dessa mitologia (que não serão mencionados para evitar mais spoilers).

Que diferença faz se as personagens de "Bright" são arquetípicos e unidimensionais, se quase todo o resto é também ruim? É óbvio que nem Will Smith salva, afinal, antes de salvar um filme, ele precisa salvar a própria carreira, já que seu último filme razoável ("Eu Sou a Lenda") tem dez anos. Mais uma vez, sua atuação é ruim. E se nem tudo pode piorar, nesse caso específico, pode: existem planos para uma continuação. O que não é surpresa, vide "Hancock" e "Esquadrão Suicida". Hoje, Will Smith é sinônimo de filme ruim.

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