sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Polícia Federal: a lei é para todos -- Visão simplista das pessoas

"Os mercadores de escravos do Brasil de hoje são as empreiteiras" (fala atribuída a Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e primeiro delator da Operação Lava Jato, no filme "Polícia Federal: a lei é para todos")

É certamente um trabalho difícil falar sobre um filme que incentiva debates acalorados no seio social. Cabe alertar que o presente texto é uma crítica cinematográfica, não um ensaio político. Evidentemente, em razão da temática, muitos aspectos políticos são envolvidos, contudo, sempre em uma ótica que valorize a sétima arte.

A sociedade brasileira, em sua maior parte, divide-se em dois grupos: um grupo enxerga, de um lado, heróis de moral inabalável, e, de outro, bandidos merecedores das penas mais severas; o outro grupo enxerga, de um lado, mártires injustiçados e perseguidos politicamente, e, de outro, carrascos vis e inescrupulosos. Para essa maioria da sociedade, não existe uma zona cinzenta, não existem pessoas comuns. Como POLÍCIA FEDERAL: A LEI É PARA TODOS comunga da visão do primeiro grupo, é evidente que o filme tem um viés ideológico bem delineado, agradando quem adota a mesma perspectiva, mas errando ao insistir no radicalismo. Por exemplo, o juiz não precisaria ser corrupto - seria um abalo sísmico para parcela da nação -, mas poderiam apontar, talvez, que ele não estaria juridicamente correto ao divulgar uma escuta em que um dos envolvidos tem foro por prerrogativa de função. Mas não: nesse filme, os bons são bons e os maus são maus, retratando um triste episódio da história brasileira em moldes fabulescos.

A sinopse do longa é bastante conhecida: como a Operação Lava Jato começou e como chegou até o ex-Presidente Lula. São fatos de conhecimento público, expostos em linguagem cinematográfica para adicionar bastidores e dramaticidade; ainda assim, nada realmente novo ou surpreendente. Nomes como Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa são mencionados diversas vezes, mas também já eram muito citados nos noticiários, isto é, eles já são figuras conhecidas. A novidade da película talvez seja o fato de trazer alguns detalhes, todavia, todos eles sem relevância. Como a dramaticidade é ínfima e surpresas não existem, não é um filme de fortes emoções.

O roteiro começa em Youssef e encerra em Lula, tendo como fio condutor as investigações. Ele tem duas preocupações: explicar a rede de conexões e algumas ações executadas durante a Operação. No primeiro caso, trata-se da investigação em si: o foco é expor como a Polícia Federal chegou a um ex-diretor da Petrobras se investigava um doleiro - na verdade, antes do doleiro, investigava tráfico. É bem verdade que esse tema é vasto e complexo, entretanto, não se pode olvidar que o texto é bastante falho na explicação de alguns passos da investigação, provavelmente por ter muito para resumir. A Lava Jato não é simples, explicá-la em cerca de duas horas é tarefa hercúlea para qualquer roteirista. De todo modo, os saltos são bruscos, subsistindo diversos lapsos, em especial no início. Já no que se refere às ações executadas, nada há que se reparar: nas cenas de execução (em que a Polícia age em campo), o êxito é inegável.

Nesse sentido, é possível concluir que a direção de Marcelo Antunez é uma direção apressada e reducionista em razão da própria ambição ao querer abordar um assunto tão grande em pouco tempo, porém, é também uma direção dinâmica e atrativa, jamais deixando seu filme monótono ou com cenas sem utilidade. Uma das melhores cenas é a da busca e apreensão na casa de Marcelo Odebrecht: não tem tanta ação, flertaria mais com o suspense, mas é exceção ao ritmo frenético que prevalece no longa, por isso que é tão boa. As elipses são artificiais e incômodas, de modo que, em visão macro, o retrato da Operação Lava Jato é mal elaborado. "Menos é mais": todos os momentos mais calmos e mais verticalizados são os mais aprazíveis. Como Antunez utiliza bastante a linguagem do gênero ação, com montagem rápida, frases de efeito e ritmo acelerado, a trilha sonora é bastante presente e bem intensa, até em excesso, e com agressividade desnecessária - os momentos de alívio do filme não recebem músicas à altura.

Quem lidera o elenco é Antonio Calloni como o delegado Ivan Romano. Sua participação é tão importante que a ele coube a narração voice over, recurso que normalmente denota preguiça do roteiro, o que não é o caso em "Polícia Federal", pois havia muito a ser dito - ou seja, a narração voice over colaborou na necessidade de passar muitas informações ao público. Calloni é ótimo ator e é, na maioria das vezes, a representação da tranquilidade em meio a delegados irrequietos e nervosos. Totalmente diferente é o delegado Julio Cesar, interpretado por Bruce Gomlevsky, um vulcão prestes a entrar em erupção. A interpretação do ator é impecável, também porque Julio é a única personagem bem construída pelo roteiro: tem sua própria opinião política, é dedicado no trabalho, é bom investigador, faz doutorado e constantemente faz companhia aos pais. A bem da verdade, segundo o filme, sem ele, não haveria Lava Jato, tamanha a sua importância. Flávia Alessandra vive Beatriz, uma delegada braba e mandona. Como são essas as suas características - e como o roteiro precisou de uma cena inteira para expor isto, em uma didática excessiva e dispensável, subestimando a inteligência do espectador -, a atriz recorre ao overacting: certamente, Alessandra é a pior do elenco.

Outros dois nomes são essenciais. Marcelo Serrado aparece como um juiz humanizado: dando aula, fazendo piadinha com o filho adolescente, ansioso com a condução coercitiva... sempre sereno. Muitas vezes ele aparece sozinho (ou está prestes a ficar sozinho), fazendo expressões de reflexão e seriedade. Serrado acerta na atuação, imprimindo sobriedade e minimalismo. O mesmo não se pode dizer de Ary Fontoura, responsável por interpretar o ex-Presidente. O filme coloca Lula na posição de vilão, o que é plenamente legítimo, tendo em vista a sua premissa, de dividir as personagens entre heróis e vilões, conforme já ressaltado. O problema é que o Lula de Fontoura é rabugento, visão que não é muito fidedigna - afinal, supostamente, a ideia é imitar os fatos reais. Falas como "isso é um absurdo" e "cadê o japonês da federal" podem ter sido ditas por ele na realidade, mas não com a entonação dada pelo ator, como uma cobrança. Se o ex-Presidente disse isso, foi em tom de deboche ou cinismo, não de cólera. Em síntese, faltou o deboche de Lula, que lhe é muito mais característico.

Ainda sobre Lula, recentes debates questionaram se ele podia ser condenado, já que, segundo alguns, não haveriam provas em seu desfavor. De acordo com o filme, se o que existem não são provas desfavoráveis ao ex-Presidente, seriam coincidências absurdas. Entretanto, ele não é o único, são incontáveis os nomes mencionados. No começo, o filme já parte do seguinte ponto de partida: a corrupção é endêmica no Brasil, foi trazida pelos portugueses em 1.500 e, de lá para cá, prolificou-se mais e mais (logo, a Lava Jato não é um episódio isolado, existe um precedente, o Mensalão, que também tem um precedente, e assim por diante). Conectando isso ao desfecho do filme, a mensagem final não poderia ser mais óbvia e trivial.

Existe um pequeno vestígio de senso crítico, quase imperceptível. A Operação Lava Jato é seletiva? O longa adota um posicionamento bastante claro, entendendo que as autoridades foram imparciais, "investigando o fato e não as pessoas". Porém, não deixa de mencionar as pessoas que não pensam dessa forma (pessoas próximas da equipe responsável e jornalistas) e, em um momento solitário, faz uma personagem admitir a dúvida (se agiram certo o tempo todo). Isso enriquece bastante a narrativa, mas aparece de maneira tão tímida que passará despercebido por muitos. Fato é que deveria ser melhor lapidado.

POLÍCIA FEDERAL: A LEI É PARA TODOS sabe seu público-alvo e certamente vai agradá-lo. É superficial, excessivamente resumido e profundamente maniqueísta (justamente como seu público-alvo). Acaba funcionando mais como marketing em favor das investigações do que obra cinematográfica. De todo modo, é uma produção que tem suas virtudes. Pena que tem uma visão tão simplista das pessoas.

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