sábado, 9 de setembro de 2017

It - A Coisa -- Apenas bom

Atenção: a presente crítica pode contar alguns flashes sobre a trama, o que alguns qualificariam como spoilers. Certamente são informações que não revelam nada substancial sobre o filme, contudo, cabe o alerta de spoiler.
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Nem todo filme de terror é estúpido, embora seja essa a regra, com jump scares inúteis, roteiros sem sentido e atuações risíveis. IT - A COISA é prova que existe terror bem idealizado e bem executado, apresentando, grosso modo, o oposto da maioria.

De maneira resumida, o filme conta a história de um grupo de crianças que se unem como "Clube dos Perdedores", considerando-se assim por sofrerem bullying na escola. A tranquilidade do grupo é afetada com uma série de desaparecimento de crianças e visões esquisitas que eles mesmos encaram, em especial quando encontram o assustador palhaço Pennywise.

O melhor dessa vez vem para o começo: Pennywise é o elemento mais fascinante do longa, por diversos motivos. O primeiro deles é a esplendorosa performance de Bill Skarsgård, cuja dedicação é merecedora de incontáveis elogios. Seja pela voz fina, pela risada alucinada, pela baba escorrendo pelos lábios, pelo corpo solto ou pela pronúncia forte das palavras, o ator dá ao palhaço uma interpretação fenomenal. Não se pode olvidar que também a caracterização é magnífica, nomeadamente maquiagem e figurino, com uma vividez que o tornam ainda mais assustador. É um conjunto muito assustador, não se pode negar.

Especialista em terror (responsável por "Mama", de 2013), Andy Muschietti aparentemente foi a escolha ideal para a direção. Isso fica claro nos primeiros minutos, pois a película tem um início que pode ser qualificado como tão grandioso quanto surpreendente e chocante: uma tarde chuvosa, música instrumental no piano ao fundo, dois irmãos ainda criança procurando uma maneira de se divertir; pouco tempo depois, o menor está conversando com Pennywise, que parece ser amigável - até tudo mudar. Sem dispensar simbolismos, o irmão menor tinha desenhado um smile no vidro, que some em alguns instantes, o que faz sentido, porque a sua alegria não iria durar muito tempo. Muschietti é extremamente eficaz para construir a atmosfera de tensão que cada cena precisa, como quando Georgie desce para o porão da sua casa, ou quando Ben é perseguido - no primeiro caso, prevalece o silêncio e a escuridão, deixando o garoto lento até descobrir o que está ao seu redor; no segundo, a luz pisca e o caminho é desconhecido (sem contar o desfecho, isto é, se ele vai ser pego). Medo e terror fazem uma mescla sensacional, deixando o espectador tensionando todos os músculos em diversas sequências.

Não é só nesse sentido que a direção é muito boa. Por óbvio, no terror, o escopo é incutir medo no público, todavia, esse é apenas o primeiro passo. Quando exigido pela cena, o diretor conseguiu uma estética bem feita, com zênite na cena do banheiro de Beverly, que é impressionante e tem uma beleza (do ponto de vista cinematográfico) exótica. O CGI é bom e, sempre que cabível, era dada preferência às sutilezas, como na cena em que Bill segue pegadas (antes, ele ouve barulho de passos; antes, havia uma sombra na sua porta). O que mais surpreende no longa é que há muita violência e muito sangue, da primeira à última sequência. Pelo fato de o elenco ser majoritariamente infantil, é uma surpresa que existam tantos golpes e tantos ferimentos.

O roteiro tem duas engrenagens narrativas, uma real, outra, surreal. O lado realista da narrativa é a vida difícil na escola: quando Beverly está se escondendo no banheiro, outras meninas a encontram e jogam lixo nela; Mike é quase atropelado; e Ben tem a pele marcada com uma faca. Esses são apenas alguns exemplos do bullying sofrido pelas crianças que protagonizam o filme, é esse o seu drama real e, de fato, é esse o drama real sofrido pelas crianças reais. Salvo por piadas episódicas, nessa perspectiva, o roteiro faz questão de ser verossímil. Vai além, com ameaças tão sombrias que assustam muitos adultos, como o pai de Beverly, ou momentos edulcorados, como a temática do primeiro amor. Na perspectiva surrealista, ou sobrenatural, o que se tem são as altas taxas de desaparecimentos na cidade, maiores ainda com crianças, ou seja, as maldades de Pennywise. E o longa fica nessa gangorra de vida normal de criança versus Pennywise, ou real versus sobrenatural. Em outras palavras, sem o terror, "It" seria um filme "água-com-açúcar" sobre a passagem da infância para a adolescência (uma mistura de "Sempre Amigos" com "ABC do Amor" ou algo do tipo), por outro lado, sem o drama infantil, "It" não teria personalidade.

Isso significa que os dois lados se completam? Não exatamente. Há uma incoerência sistêmica entre a violência exacerbada (ou sangue em exagero) e as temáticas infantis: em um momento, Ben está escrevendo um poema de amor para Beverly; em outro, há um banho de sangue no banheiro da garota. Soa, no mínimo, paradoxal. Além disso, as cenas infantis são bem infantis, parecendo mais "Conta Comigo" (também filme baseado em obra de Stephen King que virou filme) do que "It".

Por outro lado, é nesses momentos que ocorre a exemplar construção de personagens. No primeiro ato, cada uma das crianças é apresentada, algumas com maior espaço do que outras. Vários recebem seus arcos dramáticos pessoais, por exemplo, Mike é duramente cobrado por seu avô por não ter a mesma coragem do pai, Stan é exigido por seu pai para estudar mais hebraico para estar pronto para ler seu Torá em seu Bar Mitzvá, e assim por diante. O script acrescenta detalhes às suas personalidades: Ben é fã de New Kids on the Block e rapidamente se apaixona por Beverly, Eddie é um sanitarista nato. Porém, o roteiro também erra: como poderia Eddie, com tanto conhecimento, não saber o que é placebo? Por que Ritchie é tão pouco desenvolvido? Por que há um hiato tão grande em relação a Mike, esquecido em boa parte da narrativa? Isso sem contar eventuais conveniências de roteiro.

Todo o elenco mirim está ótimo, sem exceção que mereça ser mencionada. O que mais se destaca é Jaeden Lieberher, intérprete de Bill, que é o líder e grande herói, representação da coragem que os amigos eventualmente não possuem, mas, ironicamente, gago - e o garoto é ótimo para simular a gagueira (presumindo que é uma simulação, é claro). Várias personagens têm algum detalhe que chame a atenção: Bill é gago, Ritchie usa óculos (de um alto grau, com certeza), Eddie usa pochete e é asmático, Beverly é a única garota etc. Embora sejam várias personagens, é difícil confundi-los, pois são bem diferentes.

Enquanto gênero, o terror tem fãs fiéis, mas tem também os que o detestam. IT - A COISA provavelmente vai decepcionar aquele público acostumado com jump scares, pois, a exemplo de "A Bruxa", aposta em outro estilo de terror. O filme tem recebido, contudo, uma publicidade enganosa, como se fosse um dos melhores do ano. Do seu gênero, certamente. No geral, apenas bom.

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