terça-feira, 12 de setembro de 2017

Como Nossos Pais -- Rosas

Há uma demonização de debates intelectuais como os que se referem à ideologia de gênero. Talvez por isso que muitos cineastas considerem o momento prolífico para mexer em vespeiros como esse. COMO NOSSOS PAIS não tem tanta ousadia, contudo, reflete sobre a condição social da mulher, temática sempre pertinente.

O longa é um verdadeiro estudo de personagem, dissecando sua protagonista Rosa e, sem a pretensão de elencá-la como representação feminina universal, mostrando como sofre a brasileira. Sofre enquanto mãe, enquanto filha, esposa e empregada. Pressão de todos os lados. É evidente que o homem também sofre pressões, isso é inerente à vida adulta - e, por que não, à vida em sociedade. Porém, o homem é egoísta e não entende a parceria decorrente da união, deixando a parceira solitária e à mercê dos infortúnios. Logicamente, é essa a visão do filme, que também tem a preocupação de mostrar que nem todos são assim. Em síntese, "Como Nossos Pais" é isso.

Mas é também muito mais do que isso. O texto é repleto de falas ácidas e/ou sarcásticas, já que todas as personagens são bem inteligentes e capazes de dizer muito mais do que falam com as palavras que proferem. Quando Rosa reclama que Dado só lava a louça "quando tem plateia", não fazendo o mesmo em casa, sua cobrança é muito maior do que lavar a louça. Ou, às vezes, são literais: "Você prefere que o seu marido fique em casa dando banho nas suas filhas, Rosa? Que egoísmo!". Estruturalmente, o plot prefere dar à protagonista uma reviravolta logo no começo, apresentando-a ao público no desenvolvimento da narrativa, opção arriscada, mas que acaba dando certo. O fato de correr esse risco deve ser visto com bons olhos: parece que o filme começa em uma metade, o que não deixa de ser verdade, pois Rosa já é uma personagem formada, só não é, ainda, conhecida do espectador. Contudo, o roteiro erra com uma narrativa que vez ou outra perde o foco - quando não perde personagens, como é o caso do irmão de Rosa, que simplesmente some - e com o final levemente vago - que, por outro lado, pode agradar aqueles que preferem finais abertos.

Do ponto de vista temático, existe um surpreendente fator político como subplot, bastante breve, mas menciona que existem fatos nos bastidores da política que o público em geral não sabe (e provavelmente nunca saberá). Ainda mais sucinto é o questionamento da monogamia, em um curto diálogo de Rosa com sua meia-irmã. O tratamento da matéria é raso e insatisfatório, porém, sua menção merece ser enaltecida, já que é tabu para boa parte das pessoas. De todo modo, o filme é sobre (des)igualdade de gênero. Se o homem fica com o peito desnudo na rua, por que a mulher não pode? Por que a mulher precisa abrir mão do grande sonho profissional (para ajudar a sustentar a prole) enquanto o homem abre mão (apenas) do futebol? Por que homens continuam ganhando salários maiores? Essas e outras questões passam pela cabeça de Rosa, que não se satisfaz com o status quo e, à medida do possível, tenta subverter esse estado. Ela não é uma progressista, uma revolucionária ou uma revoltada. É apenas uma mulher insatisfeita com alguns fatos e que percebe que precisa agir se quer modificá-los.

Já do ponto de vista narratológico, são dois os pilares. O primeiro é a relação de Rosa com a mãe Clarice, que é muito conturbada. Clarice é uma personagem complexa e o embate das duas é frequente, claramente existem questões não resolvidas. A filha gostava de comerciais e a mãe abaixava o volume de propósito "para ela não virar consumista". A reviravolta do início explica um pouco do conflito entre as duas, contudo, mais para a frente a película sugere que há um ciclo vicioso hereditário. O roteiro é muito inteligente: nada é tão simples quanto pode parecer, há sempre mais de uma camada a ser explorada em relação ao objeto. O segundo pilar é a relação de Rosa com seu marido Dado, fator flamejante no longa, profundamente abalado quando surge Pedro, que tem toda a sensibilidade que Dado não tem. Melhor dizendo: o que Pedro oferece é a parceria (ou companheirismo) que ela procurava e não encontrava em Dado. Como a reviravolta acontece nos primeiros minutos, a narrativa não apresenta grandes surpresas ao espectador, razão pela qual não tem fôlego para fascinar o público. É interessante, é inteligente, mas não é cheia de emoções para o espectador. Ao contrário, é até previsível em algumas passagens.

Maria Ribeiro se dá muito bem interpretando a protagonista, parecendo ter entendido a personagem. Também o elenco de apoio tem bom desempenho: Clarisse Abujamra como Clarice (mãe de Rosa), Paulo Vilhena como Dado (marido) e Felipe Rocha como Pedro (amigo). Há um maior destaque para Jorge Mautner, intérprete de Homero: o pai de rosa é um verdadeiro alucinado, uma pessoa única, que não paga a escola da filha mais nova porque acha que a "escola da vida" ensina mais (e porque assim pode gastar o dinheiro com obras de arte, que a esposa qualifica como "quinquilharias"), ou que leva a mesma filha na casa da meia-irmã para dormir, mas sem avisar. Homero é mais um homem que abusa da boa-vontade de Rosa, contudo, seu afetuoso jeito de ser o torna carismático e contagia facilmente as mulheres que o cercam. Ele é um sanguessuga simpático.

"Como Nossos Pais" é uma obra autoral de Laís Bodanzky, responsável por "Bicho de Sete Cabeças", de 2001. Sua filmografia não é extensa, participando dessa vez como diretora e roteirista. Ela é melhor no roteiro do que na direção, que também é boa. Embora a razão de aspecto pequena não privilegie planos mais abertos, Bodanzky dá preferência a eles, em especial two-shots em cenas de diálogos. Exceção é uma cena mais ao final, em um diálogo mais intimista, no qual a filmagem é em primeiro plano. A predileção por planos abertos é coerente com a frequente filmagem fora dos recintos onde ocorre a ação (como no jantar do prólogo e na reunião de trabalho), que representa uma metáfora da visão global da vida de Rosa, isto é, a inafastabilidade da análise holística da vida da personagem. A película se enquadra no gênero drama, porém, jamais despido de criticidade. A trilha sonora é tímida, tendo como canção principal a famosíssima MPB que dá nome ao filme, que, todavia, é ouvida apenas na forma instrumental, em uma cena delicada e que passa a mensagem de maneira muito clara, mesmo sem ser explícita. O ritmo do longa é levemente arrastado no segundo ato, mas não chega a prejudicar o resultado. Como se pode perceber, a diretora tem recursos técnicos refinados, inclusive criativos, um deles é uma elipse através do sexo, que pode deixar o espectador desatento confuso. Um exemplo final de domínio da mise en scène: no almoço do prólogo (imagem do cartaz), enquanto o irmão de Rosa fica sentado ao lado da esposa, o que simboliza a união do casal, a protagonista fica em frente ao marido, simbolizando contraposição.

COMO NOSSOS PAIS é um fidedigno retrato de um Zeitgeist, ao menos de acordo com uma perspectiva que valoriza a igualdade entre os gêneros. Para quem aprecia o drama enquanto gênero cinematográfico, o filme provavelmente agradará, porém, certamente seu escopo verdadeiro é estimular a reflexão do espectador. Quantas Rosas não se frustram silentes?

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