terça-feira, 22 de setembro de 2015

Que horas ela volta -- Segunda mãe

O que fascina em "Que horas ela volta?" é que o filme possibilita mais de uma análise em ótica distinta. É bem verdade que esse é o objetivo da arte, mas estão escancaradas duas visões diferentes.


A primeira visão é defendida pela maioria, razão pela qual melhor não se ater (não falar mais do mesmo). Para essa maioria, o filme retrata a relação entre os patrões e as empregadas domésticas que, segundo defendem, seria em regime de escravidão disfarçada de afeto familiar. Seria um filme bastante crítico.

Essa análise é válida e não apresenta equívoco algum. Sendo a protagonista a empregada doméstica Val, essa é, provavelmente, a conclusão mais óbvia.

Contudo, também não é equivocada outra interpretação, a de que as mães que trabalham acabam delegando a terceiros a criação dos filhos. O objetivo dessa análise é sair do lugar-comum, enxergar algo sobre o que poucos falam. Talvez menos fiel ao escopo e ao desenvolvimento (algumas vezes até com alguma acidez, como na bela cena da piscina) do próprio filme, mas mais fiel com o curioso título.

O título em português desperta grande curiosidade: quem volta? Quem quer saber o horário? Volta de onde? A opção estrangeira, por outro lado, foi bem mais explícita: "Una segunda madre" e "The second mother". Não é à toa que Fabinho está nos cartazes: o filme aborda o abandono da mãe biológica em razão do trabalho para a criação dos filhos por outras pessoas. Tanto Fabinho é criado por Val e mostra muito mais carinho por ela quanto Jéssica pela mulher que a criou. São inúmeras as demonstrações de que a mãe de criação acabou sendo mais importante que a biológica. É a preponderância da maternidade socioafetiva em detrimento da biológica, escancarada.

"Que horas ela volta?" é tão rico que expõe ainda outras subtramas provocativas, como, por exemplo, (spoiler!) o interesse de Carlos por Jéssica, a relação não muito afetuosa entre Carlos e Bárbara e a contraposição entre a vida boa de Fabinho e a rotina estudiosa de Jéssica (fim do spoiler). E faz tudo isso - crítica social e representação de uma realidade - de uma forma bastante obsoleta, o que não é ruim. A arte boa não precisa ser rebuscada nem de um grande orçamento, mas de boa inspiração.

A relação maternal entre Val e Fabinho é tão cativante que brilha do começo ao fim. Mas não  faz jus ao marketing exagerado que tem recebido. O filme é bom, contudo, não chega nem perto de sensacional. Oscar? É sim possível uma indicação, mas também será exagerada. O filme é bom, reitero, mas não sensacional. E a atuação de Regina Casé não é argumento para defender a sua qualidade, pois Casé faz o feijão-com-arroz. Um bom filme, nada mais.

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