sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Brooklin -- Metamorfose edulcorada

Não raras vezes, em termos cinematográficos, a máxima "menos é mais" se faz verdadeira. No caso de "Brooklin", indicado a 3 prêmios no Oscar - Melhor Filme, Melhor Atriz (Saoirse Ronan) e Melhor Roteiro Adaptado -, a máxima é quase verdadeira. Cabe destacar que dificilmente sairá da premiação com alguma estatueta, mas a mera indicação é bastante significativa.

A protagonista do filme é Eilis, jovem irlandesa que passa por uma verdadeira metamorfose na narrativa. A indicação de Saoirse Ronan ao Oscar de Melhor Atriz é levemente exagerada, mas ela vai muito bem no papel, trazendo uma interpretação delicada como era necessário. Eilis é a representação simbólica da metamorfose: inicia como larva, vira pupa até se transformar em borboleta. Eilis começa como uma menina introspectiva, tímida e inexperiente: por exemplo, não consegue cumprir uma exigência profissional de interagir com clientes, e não sabe como reagir direito a uma cantada. Jovem, ela aprende com as mulheres mais velhas - notoriamente num diálogo com Sheila (Nora-Jane Noone) sobre casamento. Aos poucos, ingressa na fase pupal até se tornar borboleta, e Tony é grande responsável pela borboleta que Eilis vai se tornando. Ele simboliza a mudança de paradigma na vida de Eilis nos States, pois, antes dele, sua realidade era claramente acinzentada. Sua primeira interação se dá com uma dança, mas é no primeiro jantar que fica visível a química do casal - ele fica encantado quando ela faz um discurso interminável sobre seus estudos em escrituração e a ambição de se tornar contadora. O rapaz representa tanto na sua vida que sua chefe chega a afirmar que ela parece ser outra pessoa, vez que, ao contrário do que aparece no pretérito, ela é simpática com as clientes. Eilis é a transformação em pessoa; Tony é um arauto de doçura, que chega a ser humilde a ponto de pedir ajuda intelectual ao seu irmão, ainda criança, e compreensivo o suficiente para sacrificar-se (em sentido figurado) em um momento difícil da amada. A atuação de Emory Cohen é adocicada na medida certa, o que conduz com facilidade à identificação cinematográfica secundária para com a personagem. Além disso, Tony é responsável por uma oferta estratégica que se torna fundamental na narrativa, que, porém, inexistente, tornaria o romance ainda mais romântico (falar mais que isso seria spoiler).

Ainda, o figurino contribui muito para a visualização da metamorfose de Eilis. Ela inicia com vestuário exclusivamente verde, remetendo às suas origens irlandesas, mesmo quando passa a residir nos EUA. Todavia, Eilis muda: a pupa usa um casaco verde com camisa rosa em seu curso, e é a partir deste e do trabalho voluntário que ela vai abandonando o verde. Assim, quando Tony vai buscá-la após a aula, ela está de vermelho, o que indicaria que a pupa saiu do casulo. A lagarta usava apenas verde, isso não significa, contudo, que o verde foi abandonado, pois suas origens não são abandonadas. O que acontece é que a borboleta precisa ser livre (e o encerramento mostra isso muito bem), então o figurino é baseado em cores fortes, como vermelho, amarelo, azul e alaranjado. A mudança é tão grande que sua mãe e sua amiga Nancy concordam que ela está "muito glamourosa". Aliás, na Irlanda, ela destoa, sendo enxergada como alienígena para as conterrâneas ao usar um vestido azul e óculos escuros.

É interessante observar que o roteiro é hábil ao apresentar um vasto leque de personagens, sem fazer menoscabo de nenhuma delas. Conhecida como bruxa, Miss Kelly (Brid Brennan) logo de início humilha a mulher que foi comprar graxa, comprovando em todas as suas cenas ser a figura mais próxima da vilania no plot. Totalmente diferente de Miss Kehoe, que, apesar de séria e braba (chega ao cúmulo de mandar as colegas de Eilis a ajudarem com sua pele oleosa), revela-se apenas uma mulher rígida, o que era necessário para controlar as patricinhas (uma delas, inclusive, se chama Patty, vivida pela eterna Felicity da série "The Flash", Emily Bett Rickards) que viviam com ela. Kehoe não é má, na verdade é bastante justa, premiando Eilis por merecimento (bebida, bolo, nova acomodação) e dando bronca nas demais porque assim foi preciso. Coube à veterana Julie Walters o papel, que exigiu sensibilidade nos diálogos (quase sempre sentados). Kehoe é uma das madrinhas da borboleta de Eilis, antes ela já teve uma no navio rumo aos EUA. A cena do navio é esquisita porque a personagem é incoerente: de vermelho e chamando o lugar um inferno, expulsa Eilis da cama e sai para procurar um homem na primeira classe, mas depois (de branco - que figurino representativo!) cuida da jovem e a ensina a se portar para ingressar tranquilamente em terras estadunidenses... não faz sentido! De todo modo, a cena do navio é o símbolo do tormento que se anuncia para Eilis - um tormento bem light, mas um tormento. Também o padre Flood (Jim Broadbent, o eterno professor Horácio Slughorn) não deixa de ser um padrinho da protagonista, aparecendo pouco, mas sempre acolhedor. Ao voltar para a Irlanda, a borboleta Eilis é outra pessoa, e novas personagens aparecem, sem agregar muito. Eileen O'Higgins é a coadjuvante Nancy, cuja função é quase exclusivamente tentar ser cupido entre Eilis e Jim. Por sua vez, Jim, vivido pelo excelente Domhnall Gleeson (em ano fantástico, atuou com destaque em várias obras-primas totalmente diferentes, mostrando seu enorme talento), é um galã apagado em razão da atuação propositalmente contida e fria de Gleeson, que, no entanto, serve para causar dúvida a Eilis, em especial sobre seu destino.

Em síntese, o diretor John Crowley fornece ao público um longa edulcorado cujo roteiro se baseia em conflitos tão leves que o resultado é agradável, mas inofensivo. O flerte com o plano-sequência ao fazer um plano longo na conversa entre Eilis e Rose (Fiona Glascott) é o alerta do plot despretensioso - além de uma narração voice over, que indicaria má qualidade, o que não é o caso (foi apenas um deslize). O entretenimento enquanto o filme é assistido até existe - e as cenas levemente cômicas, como a que as colegas ensinam Eilis a comer macarrão e aquela em que ela conhece a família de Tony, corroboram para o humor transparente. Porém, não existem reflexões densas, críticas sociais ou alguma transcendência que seria salutar na sétima arte. Bem desenvolvido, torna-se um prazer efêmero: enquanto assistido, agradável, depois, descartável.

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