quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

À beira-mar -- Viés europeu ortodoxo em Hollywood

A direção tem se tornado um objetivo de vida de alguns atores. Talvez cansados de receber comandos, decidem participar dos bastidores e ter seu nome nos créditos como "a film by". Angelina Jolie está com seu terceiro trabalho como diretora em "À beira-mar", em que não apenas dirige, mas também atua (como co-protagonista ao lado do marido). Jolie também escreveu o roteiro, para deixar claro que o filme é dela. É melhor que os dois anteriores por ela dirigidos, mas isso não é grande mérito.

"À beira-mar" tem um viés europeu ortodoxo: é um filme longo, parado, bastante centrado em diálogos e com várias cenas de nudez e sexo. Dificilmente um filme de mais conversa e menos ação consegue o feito de Richard Linklater na trilogia "Antes do amanhecer", caso raro de não se cogitar monotonia. A prevalência dos diálogos (e mesmo do silêncio eloquente) é um ímã que puxa o filme em direção à monotonia, são raras as obras que fogem disso - e esta não é exceção. É tão europeu que se passa no litoral francês e é bilíngue (inglês e francês) - sim, até mesmo o casal principal fala francês. Porém, é um filme hollywoodiano.

Em interpretação superficial, Angelina Jolie dá vida a Vanessa, mulher amargurada, depressiva e infeliz no relacionamento. O problema é: o que a aflige? São lançadas algumas pistas em uma montagem agressiva através de flashes, mas é apenas no final que se descobre (melhor dizendo, que é confirmado) o motivo da sua insatisfação no relacionamento. Jolie mostrou alguma doação ao exibir os novos seios, por exemplo, mas sua atuação faz de Vanessa uma figura dúbia, pois é impossível saber o que ela quer. A depressão está em um grau tão severo que não há nada que a agrade. De forma incoerente, ela encontra a felicidade através do voyeurismo, ao descobrir um buraco na parede que a permite observar os vizinhos do hotel - depois, a prática voyeurista é dividida com o marido, de modo que, apesar de o casal dividir momentos assistindo ao outro quarto, isso não consegue efetivamente aproximá-los. Vanessa é tão azeda e enigmática que sua criadora e intérprete não consegue cativar o espectador a partir da personagem. É uma personagem de difícil compreensão. Restou a Brad Pitt (Roland), marido real e fictício, a difícil tarefa de parecer mais interessante, e, de fato, Roland é mais fácil de compreender: Vanessa é amarga, Roland sofreu por alguma razão e desconta na bebida, o que, todavia, não o impede de demonstrar que ainda ama a esposa. A narrativa tenta causar uma angústia em relação à razão do sofrimento do casal, mas as pistas acabam deixando tudo bastante óbvio, então o pretenso clímax fica prejudicado. Pitt se sai melhor, com uma personagem melhor delineada e com maiores detalhes. Quem é Vanessa? Uma ex-dançarina, agora esposa introspectiva. Quem é Roland? Um escritor habitualmente ébrio com dificuldade em escrever um novo livro. Aliás, a dificuldade de Roland para escrever é uma clara metáfora que aponta que o relacionamento afetivo coopera na vida das pessoas para o bem e para o mal, ou seja, uma boa fase no relacionamento auxilia nos demais aspectos da vida privada, e a situação contrária também pode ocorrer. Vanessa parece odiar o marido, que parece vítima das circunstâncias, causando simpatia por ele e antipatia por ela. O elenco é pequeno e Niels Arestrup é o coadjuvante da melhor atuação.

O roteiro original escrito por Jolie não é ruim, mas é morno. Trata-se de um romance dramático sem grande densidade e de orientação questionável. Partindo da premissa pela qual "baú aberto não protege tesouro", verifica-se uma comparação entre dois casais contrapostos: casados há 14 anos, Vanessa e Roland, em evidente insatisfação; recém-casados, François e Léa (Melvil Poupaud e Mélanie Laurent, ambos muito bem), em felicidade plena. A dicotomia casal antigo infeliz versus recém-casados felizes é interpretada de forma ambígua por Vanessa, em uma mistura de inveja e voyeurismo. Ela chega a oferecer Léa para seu marido, quase como um produto, atitude que apenas faz sentido com o decorrer da história. Vanessa materializa a inveja da perfeição (que ela vê no outro casal). O "resumo da ópera" (spoiler!) é que a felicidade alheia incomoda, núcleo tolo que decepciona ao final.

De todo modo, é no visual que "À beira-mar" conquista, pois tem uma fotografia estonteante. Sem eufemismo, é a sua maior virtude. O litoral francês é lindo e tem muitas paisagens bem filmadas. A direção teve o trabalho facilitado em razão dos poucos e belos cenários em detrimento da ação, mas não consegue entreter o suficiente para conseguir a atenção, recaindo em uma monotonia fatal. Não obstante, Jolie faz interessantes movimentações de câmera, em especial com zoom, destacando-se apenas ao filmar reflexos para retratar olhares clandestinos - como, por exemplo, quando Roland assiste à conversa entre Vanessa e François. É a filmagem no reflexo (e também no buraco da parede) que dá um pequeno diferencial. Ademais, Jolie faz o óbvio com planos mais fechados para o casal, criando uma atmosfera intimista, contraposta aos planos gerais com paisagens que são um deleite - que direção de fotografia feliz! 

Nesse ínterim, o design de produção é detalhista ao insistir em tons pastéis na maioria dos planos. Interessante também que o figurino é muito significativo: Vanessa usa roupas largas (moda na década de 70, que disfarça o corpo exageradamente magro de Jolie), normalmente de cor preta, apesar do calor do local, remetendo ao seu estado psicológico de tristeza, drama e insatisfação; Roland usa tons mais claros, mas roupas não indicadas para o verão, pois mais compridas; diversamente, o outro casal se veste de maneira mais adequada ao contexto, com figurino típico de verão. Assim, como conjunto, o visual merece ser apreciado atentamente, pois agrada muito. A trilha sonora minimalista é positiva, até para acompanhar o design de produção.

"À beira-mar" não é uma completa perda de tempo porque tem uma estética esplêndida. Contudo, o roteiro é vazio em uma narrativa alongada e de ritmo lento e cansativo. O filme acaba definhando ao não atingir um ápice, chegando ao final com uma decepção proporcional.

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