terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Até que a sorte nos separe 3 -- Comédia que deixa muito a desejar

Com um subtítulo ("a falência final") que dá a entender tratar-se de um epílogo, encerra-se a trilogia com "Até que a sorte nos separe 3". O primeiro episódio foi de razoável para fraco, o segundo, bem fraco. Este, novamente fraco, mas menos fraco que o segundo.

O grande trunfo do terceiro filme em relação ao segundo é a referência constante à realidade brasileira contemporânea. Esse ponto de partida já fica claro na primeira cena, em que o protagonista participa de uma competição em um programa do apresentador Luciano Huck, conhecido no ramo. Faustino ganharia um milhão de reais se emagrecesse mais que seu concorrente, André Marques. A cena é, ao mesmo tempo, (a) o start do filme, (b) a explicação para o emagrecimento notório de Faustino e (c) o alerta de uma narrativa fictícia porém atrelada à realidade externa. A narrativa em si, porém, se inicia com mais uma cena real: Tino trabalha (novidade, sim) vendendo biscoito e limpando vidros de carros em semáforos. O norte do roteiro foi o realismo, até aproximando a história do cotidiano do cidadão comum. Contudo, sua ideação foi melhor que a execução, isto é, por trás das boas ideias e das boas intenções há um trabalho mal feito.

O protagonista, Faustino/Tino, a quem incumbe carregar o filme nas costas, é uma sequência de equívocos. Começa na atuação fajuta de Leandro Hassum, que permanece no humor físico (mesmo magro) e termina com a sua exposição: Tino é interesseiro ao querer conhecer o pai do seu novo genro - o rapaz que o atropelou é filho do homem mais rico do país e namorado da filha de Tino, fatos desconhecidos porque este ficou em coma por 7 meses em razão do acidente -, mas é o seu conservadorismo que impera ao não admitir que a filha de 19 anos namorasse qualquer homem (ele a queria virgem e fica perplexo ao saber que ela não é). Deste modo, Tino é um anti-herói caricato e nada cativante. Um anti-herói no protagonismo não implica que ele seja exemplar (na verdade, não o é), mas Faustino não consegue cativar o público senão quiçá pelo carisma do ator, já bastante conhecido nas comédias brasileiras. Diversamente, Jane é interpretada por Camila Morgado, que, para sintetizar, representa o desperdício de uma grande atriz em um papel supérfluo na carreira de uma artista do seu cacife. Ao menos Jane tem maior profundidade que seu marido, ao defender sempre o mínimo, que é a felicidade da sua filha - melhor ainda que seja com um rapaz de família bilionária. O elenco de apoio é repetido (inclusive na qualidade razoável), com alguns novos nomes, podendo ser destacado o casal Rique e Malu de Carmo, respectivamente, Leonardo Franco e Emanuelle Araújo, não pela interpretação, mas por claramente representar uma sátira ao casal Eike Batista e Luma de Oliveira. O filho deles na trama, Tom (Bruno Gissoni), ao revés, de Thor Batista não tem nada.

Como previamente anunciado, a ideação do roteiro foi melhor que a sua execução. Isso porque, partindo da premissa, reitera-se, de uma história próxima ao Brasil hodierno, no estilo "a arte imita a vida", o roteirista Paulo Cursino aproveitou o momento pátrio para destilar ácidas e pontuais condenações a vários setores reais. A ideia é ótima, pois é salutar um cinema preocupado e atento com os fatos do dia-a-dia e com a realidade do país. Assim, o filme expõe diversas críticas, mas não as explora. Algumas delas são apenas mencionadas, como a hipocrisia de alguns religiosos em relação à homossexualidade, a tentativa de ocultação pela Igreja Católica dos escândalos sexuais de pedofilia e as manifestações diversas dos cidadãos brasileiros inconformados com a situação atual do país (abordagem en passant). Outras têm uma cena exclusiva a elas dedicadas, como a que se refere à Presidência e o ótimo monólogo do pai de Rique (Daniel Filho) em que ele cita vários estorvos para o avanço do Brasil ao mesmo tempo em que aponta a esperança nas gerações futuras. As duas cenas exclusivas merecem atenção especial.

No trailer recebe atenção uma cena de gosto duvidoso em que a Presidente é ironizada. No fundo, a cena agrada ou não o espectador a depender da sua orientação política, pois ela é uma só moeda com duas faces: ao mesmo tempo engraçada e desrespeitosa. A atriz Mila Ribeiro faz um magnífico trabalho de voz ao imitar a Presidente Dilma Rousseff, não apenas no timbre e na entonação como no próprio discurso (como o vício de linguagem "no que se refere"), comparado por Faustino ao modo de falar do Mestre Yoda (novamente uma referência bem contemporânea). Ao mesmo tempo, no geral, a alusão a eventos famosos relativos à Presidente é bem explícita e em sátiras escancaradas. Todas as suas "pérolas" (vide youtube) estão lá: pedaladas, mandioca, insistência no sufixo "enta", impeachment (na sutil fala "nada derruba essa mulher"), "mulheres sapiens" (sic) etc. Por outro lado, não se pode negar o desrespeito ao chamá-la de "presidanta" e "mulher sapa", por exemplo. É o que o filme tem de melhor e pior: seu momento mais cômico, mas também o de maior desacato a essa figura pública. Mister o advogado do diabo: o setor privado e o empresariado não ficam imunes às críticas, apontando que há mais culpados pela situação ruim na qual o país se encontra. Justiça seja feita, a irreverência é um franco-atirador. A empolgação foi tanta que houve um flerte com a desonra. Daí a boa intenção unida à má execução. Aliás, execução boa se deu em especial na pequena participação de Daniel Filho, em um discurso que vai da elite exibicionista ao povo consumista do país em que ninguém quer poupar, muito menos trabalhar. Novamente com justiça, aponta-se na direção de novas gerações melhores.

Em termos de narrativa, nem um plot twist conseguiu salvar "Até que a sorte nos separe 3". As piadas acabaram sendo preponderantemente gestuais; quando textuais, ou eram sem graça, ou, como dito, de gosto questionável. A cena em Brasília inicia com um plano pessimamente elaborado, digno de arrepios por se tratar de um trabalho profissional. Era a única que carecia de um aprimoramento técnico, mas que faleceu face à incompetência. O riso se verifica, mas em pequena medida. Logo, como comédia, deixa muito a desejar. A sensação é muito mais de "enfim acabou!" do que "já acabou?".

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