segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O presente -- Originalidade mínima

Cada gênero cinematográfico tem uma lógica própria, acarretando características comuns que dão a cada um uma identidade própria. Por exemplo, o drama exige maior qualidade na atuação do que o suspense, enquanto este exige melhor utilização dos efeitos sonoros. É com base nos tradicionais moldes do suspense que é construído "O presente", filme que se mostra regular por ter qualidades que merecem destaque na mesma medida dos seus defeitos.

A direção coube a Joel Edgerton, ator conhecido pelo recente "Aliança do crime", em ótima interpretação. Edgerton faz a sua estreia como diretor (e como roteirista), revelando um trabalho muito aquém do que indica o potencial do filme. Em outras palavras, como diretor, ele é um ótimo roteirista e um excelente ator. Se o trabalho tivesse sido feito por alguém mais gabaritado, a obra alcançaria um nível mais próximo da excelência. Colocando um nome mais famoso nesse trabalho feito por Edgerton, poder-se-ia afirmar que a direção foi marcada pela preguiça, quando, na verdade, foi a inexperiência de Edgerton que pesou para reduzir a qualidade do filme. Sem devaneios, a câmera ficou estática na maior parte do tempo, o que acabou prejudicando o suspense. Da mesma forma, o design de produção é modesto, podando planos gerais e abertos. Prevalecem planos mais fechados, mas não o suficiente para criar uma atmosfera intimista, compatível com um thriller psicológico. Não obstante, é o bom roteiro e a mixagem de som que possibilitam alguns sustos. O roteiro pode ser considerado de boa qualidade porque dotado de uma virtude raríssima no cinema: a história é relativamente original. Sem genialidade, até por se limitar a inserir um terceiro do passado de um dos cônjuges para balançar o relacionamento do casal, a originalidade reside na maneira como isso ocorre: inicialmente, através de presentes. Isso tudo sem contar o final distante do clichê. Uma sinopse sem spoilers revela apenas tratar o filme sobre um reencontro acidental entre o bem-sucedido Simon e o esquisito e misterioso Gordo, e a simpatia que Robyn nutre em relação a este, não compartilhada por aquele, seu marido. Tudo indicaria a materialização do poema "Quadrilha", no estilo Simon que amava Robyn que amava Gordo. Mas não, a narrativa é criativa porque os fatos pretéritos e atuais são sutis, dúbios e altamente misteriosos, de modo a vedar o tédio intelectual sobre todos os eventos, em especial o nebuloso passado entre Simon e Gordo. O que houve entre eles? Estaria Gordo apaixonado por Robyn? O que significam os presentes dados por Gordo? Qual o objetivo deste ao entregar os presentes? Qual será o desfecho? São tantos os questionamentos que o roteiro de Edgerton acerta muito ao deixar o espectador sofrendo com a curiosidade sobre os vários questionamentos. Porém, essa curiosidade é mutilada pela direção simplória, ou seja, o trabalho de Edgerton como diretor, por ser ruim, prejudica o seu próprio trabalho de roteirista, que foi bom. Ademais, é possível sintetizar que o roteiro brinca com as noções de vítima e ofensor, fugindo do maniqueísmo ao mostrar que luz e trevas podem se misturar. Como se percebe, a grande virtude de "O presente" repousa no bom roteiro. Ademais, a mixagem de som também consegue acertar ao variar entre o silêncio completo e a sonoridade brusca (ignorando alguns delays na imagem em relação ao som). Técnica já antiga no suspense, mas que sempre dá certo. Assim, o filme obtém alguns sustos do espectador.

Na verdade, além da relativa originalidade e da fuga do maniqueísmo, outro acerto do roteiro é explorar, ainda que com leveza, a hibridização de gêneros. Isso porque "O presente" não pode deixar de ser rotulado como suspense, o que não obsta, contudo, alguns momentos de comédia e ação, por exemplo. É o suspense que marca, com eficiência nos sustos, mas é apenas uma linha-mestra, não uma barreira intransponível. Há que se reiterar, porém, que o filme tem como grande trunfo a exploração crua das personagens: todos os envolvidos podem ser questionados, pois todos cometem equívocos. Em última análise, o roteiro de Edgerton explora a falibilidade do caráter humano, seu raciocínio arquitetônico e o limite individual da sordidez. Tudo muito interessante, que só não chega a um nível superior, reitera-se, em razão da direção ruim.

Em termos de atuação, Edgerton é facilmente o melhor em cena, tendo larga vantagem em relação aos demais. Jason Bateman não consegue convencer, parecendo desconfortável a todo momento. Rebecca Hall também deixa a desejar, pois nem mesmo a relevância do papel permitiu um aprofundamento interpretativo. Robyn tem função fundamental na narrativa, mas Hall faz uma atuação monótona e inflexível, sem sequer modificar as facetas ao reduzir as nuvens que pairam sobre a história, cada vez mais revelada.

De todo modo, "O presente" é um filme regular que permite boas reflexões, conseguindo apontar um horizonte otimista em relação ao cinema. Diante do marasmo de cópias, uma originalidade mínima se destaca.

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