sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A colina escarlate -- Simplesmente magnífico

O ser humano gosta de rótulos. São dadas categorias para pessoas, relacionamentos, músicas, enfim, das questões mais intrínsecas aos indivíduos e, portanto, subjetivas e mesmo íntimas, até questões externas aos sujeitos e objetivas. Homens gostam de classificações. No cinema não é diferente, havendo um rol de gêneros, já consagrado - ação, aventura, comédia, drama etc. - e cada vez mais surgindo subgêneros, mais controversos. O problema é que essa obsessão humana pelos rótulos nem sempre se mostra apta para o enquadramento da realidade. Especificamente no cinema, embora a maioria dos filmes se encaixe sem dificuldade nos gêneros (e subgêneros) existentes, a sétima arte se mostra tão fluida e plural que as categorias podem ser insuficientes. É nesse contexto que se torna tarefa árdua classificar "A colina escarlate". Existe um romance, mas não chega a ser central. Pelo clima de mistério, seria um suspense. Mas existem elementos sobrenaturais, então seria terror (ou horror). Por outro lado, não chega a assustar ou amedrontar. O "aclamado diretor" Guillermo del Toro classificou sua obra como "um romance gótico". Independentemente da etiqueta, trata-se de um filme magnífico.

Magnífico, mas não perfeito. O roteiro, escrito pelo próprio del Toro em parceria com Matthew Robbins, é eficaz em criar um clima de suspense e o mistério por trás da história. Por outro lado - e aqui vai um leve spoiler -, quando se descobre que tudo o que está por trás não é tão cabuloso, resta uma leve decepção. Vale dizer, no fim das contas, o mistério não é tão elaborado, muito menos assustador. A intenção não era assustar - e não assusta -, mas intrigar. Esse objetivo foi cumprido.

"A colina escarlate" se passa no século XIX e narra a história de Edith (Mia Wasikowska), jovem escritora que se casa com Thomas (Tom Hiddleston), mudando-se do "novo mundo" (EUA) para o "velho" (Europa, especificamente Allerdale Hall, na Inglaterra) para morar com o marido e a cunhada Lucille (Jessica Chastain) em uma casa afastada no topo de uma colina. O "escarlate" do título - e isso não é spoiler - vem da argila avermelhada (escarlate) assentada embaixo da colina. Não encaro a colina como uma personagem à parte, mas é sim um elemento relevante. Por sinal, a referência à cor vermelha já indica um caminho macabro (não propriamente fúnebre, pois mais assustador do que triste).

Se o roteiro acaba sendo simplório, é o designer de produção Thomas E. Sanders que se mostra genial - além da direção de del Toro, responsável pelo todo, evidentemente. O filme é visualmente sensacional, mérito do diretor que já é conhecido por construir universos fantásticos de beleza ímpar - vide o já clássico "O labirinto do fauno" -, mas também de Sanders, que, da fotografia ao figurino, faz um trabalho impecável em relação à proposta. No figurino, enquanto Lucille, figura assustadora e de personalidade sombria, usa um vestuário de cores que remetem à sua imagem lúgubre (como preto e vermelho), Edith inicia se vestindo de dourado, evocando a sua riqueza, mas absorve o preto da cunhada. Nas cenas mais fantásticas, o branco remete à sua pureza. O filme é repleto de referências, inclusive literárias (e expressas, de Jane Austen a Mary Shelley). Tudo tem uma razão de ser, e é na estética que a obra chega ao ápice do seu significado. Começando com a argila escarlate. A própria casa em que Edith reside é uma metáfora inteligente: é uma mansão enorme, mas decadente ao (gradual e literalmente) afundar na argila, além de apresentar um buraco no teto, simbolizando que a casa não é um lar acolhedor para a protagonista. Os fantasmas também não são pretos à toa. São incontáveis os simbolismos e as referências da obra, que até se inicia nessa esteira: a animação da Universal Studios é também em tons de vermelho. O design de produção, em síntese, é brilhante.

Corrobora para o fascínio no olhar a direção de Guillermo del Toro, novamente soberba. Se del Toro não foi tão genial no roteiro, em todo o resto ele acertou. Na mudança de cenas, ele não usa apenas o método comum de mesclar imagens gradualmente (a imagem pretérita vai sumindo enquanto aparece a imagem futura), que não seria original. Quando a modificação é grande (locais ou momentos distantes), del Toro foca em um elemento da tela e vai fechando a imagem (o frame) em movimento circular, focando em algum elemento, que normalmente remete ao que vai acontecer em seguida. A técnica era mais comum em filmes antigos, é como se a tela se apagasse (ficasse preta) de fora para dentro, destacando uma esfera da imagem presente como foco. Já quando a modificação é menor, del Toro, pomposo, seleciona um elemento presente na tela, da imagem presente, e, em movimento travelling de câmera, esse elemento, que está no canto da tela, aparece como divisória para a imagem seguinte, como se tudo fosse (embora claramente não seja) um mesmo cenário. Confuso? Dito de outra forma: quando a narrativa dá um salto, a câmera se fecha das bordas para o centro, focando em algo até fechar e depois reabrir para a cena seguinte; quando a narrativa se altera, mas de uma forma não tão longa, a câmera se move para o frame seguinte, como se os dois fossem vizinhos. Simplesmente esplêndido!

De forma geral, a atuação não fica muito aquém da estética. Embora Wasikowska interprete a protagonista, são os coadjuvantes (de luxo, diga-se de passagem) que brilham mais. Não que a atriz esteja mal no papel, até porque Edith tem muitas virtudes: é uma mulher de personalidade (a começar por não escolher o marido óbvio, o Dr. Alan de Charlie Hunnam, que surpreende ao fazer uma participação que foge do clichê do príncipe encantado), perspicaz (principalmente por ter coragem de investigar o mistério que a ronda) e determinada (ao escrever e querer publicar seu livro). Edith é uma ótima personagem, mas falta a Wasikowska o carisma do parceiro de cena Tom Hiddleston, que é o melhor na tela. O ator que vive o Loki da Marvel esbanja talento ao mostrar que vai muito além do vilão dos quadrinhos. Ele já tinha chamado a atenção como coadjuvante em "Cavalo de Guerra", e foi em "Thor" e "Os Vingadores" que ele ganhou os holofotes. Em "A colina escarlate", Hiddleston interpreta tão bem seu Thomas que concede a ele a dubiedade que a personagem representa. Isto é, não se sabe quais as reais intenções de Thomas e se ele realmente ama Edith. Apenas um ator com o seu talento consegue variar a atuação nos momentos de romance (inclusive em cenas com teor sensual e sexual), mistério e mesmo ação. Jessica Chastain não teve a felicidade de Hiddleston com o papel, pois Lucille é transparente em seu amargor. Mas a atriz também vai bem, principalmente por ser fiel à personagem do começo ao fim, à medida em que esta se revela.

"A colina escarlate", ainda que seja classificada como terror, não tem o objetivo de propriamente assustar. Não amedronta, não faz o espectador pular da poltrona em praticamente nenhum momento (sequer com a referência a "Nosferatu" no início). Não assusta, mas encanta - isso significa que o filme é válido também para o espectador que não aprecia histórias com fantasmas. Como metalinguagem, a própria protagonista explica a diferença entre história de fantasmas e história com fantasmas (seu livro está na segunda categoria, assim como o filme): os fantasmas estão lá, "são reais", como ela mesma diz, mas não é em torno deles que a narrativa gira. São apenas um algo a mais, não o nucleo.

Guillermo del Toro é um dos melhores diretores no quesito criação de universos fantásticos, e, mais uma vez, o mexicano merece aplausos. O que apresenta é uma obra sofisticada, complexa e de altíssimo grau de refinamento artístico. Suas sutilezas são tão memoráveis que não é possível classificar (esse sim um rótulo possível e justo) a obra como algo menos que magnífica. No aspecto técnico-estético, "A colina escarlate" perde para apenas um filme de 2015 (até agora): o inigualável "Mad Max: estrada da fúria". São dois filmes excelentes. Este, primoroso; aquele, simplesmente magnífico.

Um comentário:

  1. A colina escarlate acho que é um dos melhores serie que fizeram, a historia está bem estruturada, excelente filme, desfrutei muito. Espetacular o pôster deste filme. Charlie Hunnam se compromete muito com o personagem. Considero que madurou como ator. É o ator mais bonito e adorei vê-lo neste filme. Tambem vi no filme Rei Arthur. Ele sempre surpreende com os seus papéis, pois se mete de cabeça nas suas atuações e contagia profundamente a todos com as suas emoções. filmes com Charlie Hunnam deve-se suas expressões faciais, movimentos, a maneira como chora, ri, ama, tudo parece puramente genuíno.Acho que é um dos melhores filmes que fizeram. É uma boa opção para uma tarde de filmes.

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